“Deu match”: aumenta busca por relacionamentos amorosos via web, observa psicóloga

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Pesquisadores das áreas das ciências sociais e humanas estão atentos às mudanças nos padrões de relacionamentos amorosos que nascem na internet. Para a psicóloga Ciomara Schneider, especializada em antropologia social, a busca por relacionamentos na internet tem aumentado, principalmente pela facilidade que esse tipo de contato traz. Ela comenta que as tecnologias acabaram influenciando o modo de se relacionar do ser humano. No entanto, ela salienta que o relacionamento pela internet não é exclusividade das gerações atuais. “Pessoas divorciadas, na faixa dos 40, 50 anos, ou mais, por exemplo, muitas vezes não sabem mais sair para ‘paquerar’, pois as relações não são mais como eram na época delas, e a internet acaba facilitando a interação”, avalia.

 De acordo com estatística da Nielsen, empresa que oferece serviços de mensuração e análise de dados de navegação na internet, 80% dos usuários de internet brasileiros que navegam na internet estão ligados a redes sociais ou sites de relacionamentoO pesquisador e especialista em relacionamentos virtuais, Lúcio Teles, comenta que, segundo pesquisa recente realizada nos Estados Unidos, aproximadamente uma em cada três relações que se iniciaram online foram duradouras. “Ou seja, os parceiros se casaram ou passaram a viver juntos”, analisa.

 O relacionamento de Jéssica Sousa, 26 anos, faz parte das estatísticas de relacionamentos on-line que deram certo. Em abril de 2014 ela conheceu o atual noivo, Wesley de Oliveira, 34 anos, pelo aplicativo de relacionamento TinderO casamento aconteceu em 13 de setembro e os dois sempre se lembram com carinho do aplicativo que os uniu. A ferramenta também foi responsável pelo primeiro contato de Jéssica com o relacionamento virtual. Ela contou que se cadastrou no aplicativo por curiosidade. “Achei a proposta muito interessante, porque você tem a possibilidade de olhar as fotos da pessoa antes, verificar se tem amigos em comum e, de fato, só iniciar o bate papo se o interesse for dos dois. Seria mais fácil conhecer pessoas assim do que em uma balada”, acredita.

A ferramenta funciona com base em “matchs”, o que acontece quando um internauta gosta do perfil de alguém e a outra pessoa também aprova a página do pretendente. Assim,  um bate papo privado é aberto e os usuários podem se conhecer melhor. Mas, apesar da chance de iniciar um relacionamento na internet, é necessário tomar cuidado. O especialista em redes sociais e sites de relacionamentos Lúcio Teles alerta que um dos maiores riscos é a pessoa do outro lado da tela fingir ser quem não é.

Jéssica conta que só aceitava se encontrar com alguém quando se sentia segura. Ela procurava ir a lugares públicos ou no próprio carro, além de deixar algumas amigas avisadas. A jovem passava a foto, nome e telefone do pretendente que estava indo encontrar. Com todas as precauções, ela nunca passou por nenhuma situação ruim.

Outras gerações

Apesar de não fazer parte da geração Z, os chamados ‘nativos digitais’, a mãe de Jéssica, Cleide Ribeiro, 49 anos, também utiliza ferramentas de relacionamento e, inclusive, prefere conhecer primeiro as pessoas pela internet. “Acho bem melhor conhecer pessoas pela internet e, por incrível que pareça, acho mais seguro. Quando vamos para um barzinho e conhecemos alguém, não está escrito que a pessoa tem uma boa índole. Em qualquer lugar você está sujeito a situações desagradáveis”, ressalta.

No caso dela, Cleide procura o máximo de informações possíveis sobre a pessoa, em especial no Facebook, e checa as amizades e mensagens postadas por outros internautas acerca do pretendente. No entanto, ela não utiliza a internet somente para estabelecer um relacionamento amoroso. Cleide também fez muitas amizades ao redor do país.

Entretanto, em uma ocasião a auxiliar de escritório passou por uma experiência frustrante: a pessoa que ela conversava mentiu a respeito da identidade e do lugar onde morava. “Mas, na vida real, as pessoas também podem fingir ser quem não são. Devemos tomar cuidado tanto na internet quanto na vida social. Não podemos deixar que o medo nos tranque e nos impeça de conhecer as pessoas”, destaca.

Muitos casos, como o citado por Cleide, em que as pessoas fingem ser quem não são, estão relacionados a dificuldade em lidar com a realidade em que elas estão inseridas. Assim, muitos são seduzidos pela possibilidade de viver outra vida ofertada pela internet. Para a psicóloga Ciomara Schneider, essa vontade de mostrar na internet uma vida diferente da real é influenciada pela “sociedade do espetáculo”, em que as redes sociais são focadas em estabelecer um modelo perfeito de vida e aparência. “As redes sociais passaram a ser uma revista Caras para todo mundo, onde todos postam fotos para serem vistas e curtidas, o que acaba por criar uma falsa sensação de que se é uma celebridade”, acredita.

Outro problema recorrente com relação a interação digital é que ela tem se sobreposto as relações reais. Para solucionar esse problema, a especialista sugere que a conversa familiar e entre amigos, por exemplo, sofra uma manutenção de criatividade, com assuntos interessantes e em comum para manter o contato pessoal, pois: “O que supre a necessidade de comunicação do ser humano, de modo completo, é a relação pessoal. Por mais que haja interação virtual, o sentimento de vazio  e solidão pode permanecer. A internet pode facilitar o encontro das pessoas, mas não vai substituir a convivência, que é algo pessoal e intransferível”, comenta.

Do outro lado do oceano

O perfil das pessoas que utilizam sites para conhecer outras varia de acordo com a idade, país, e áreas de interessante, propiciando namoros inclusive cristãos. Um exemplo disso é o site Divino Amor, voltado para pessoas que se interessam em estabelecer um relacionamento evangélico.

Carla* (nome fictício), 48 anos, sempre gostou de utilizar sites, em especial de bate papo, para conhecer possíveis pretendentes e amigos. Em uma dessas ocasiões conheceu o marido de Portugal. “Sempre utilizei esses sites para trocar ideias e conhecimentos, independente para ter relacionamentos amorosos ou de amizade.”

Em 1997, Carla conheceu Bruno* (também nome fictício), 50 anos, em um site de bate papo. Durante 17 anos os dois mantiveram contato somente pela internet. O casal costumava conversar por vídeo. Assim, ganharam cada vez mais intimidade e até conheceram a família um do outro pela internet. Em novembro de 2014 decidiram que o melhor seria Bruno vir ao Brasil para que pudessem se conhecer pessoalmente. Tiveram contato pessoal por quatro meses e começaram a planejar o casamento que aconteceu em março de 2015. Eles estão juntos até hoje.

A enfermeira afirma que sempre tomou cuidados ao conhecer pessoas pela internet. Para ela, quando a pessoa evita contatos mais pessoais, como falar ao telefone ou adiar encontros pode ser um indício de que a pessoa não é quem diz ser.

Para Carla, conhecer pessoas na internet e pessoalmente tem benefícios e pontos negativos. Apesar de ter se relacionado com o marido pela internet, ela acredita que as relações na web mudaram e alerta as amigas que, apesar de ter tido uma experiência boa, é fato que existem riscos.

Golpes

A psicóloga Ciomara Schneider comenta que a criação de perfis fake pode estar relacionada, somente em parte, à baixa autoestima do internauta que modifica ou inventa aspectos da vida para atrair mais olhares. Além disso, há, ainda, aquelas pessoas que realmente têm o comportamento perverso de querer enganar o outro e tirar alguma vantagem disso.

Recentemente um golpe ficou conhecido em Brasília. Um grupo de nigerianos que vivia em São Paulo estava aplicava ataques pela internet, em especial contra mulheres da capital federal que os golpistas julgavam ter melhores condições financeiras e mais fragilidade emocional.

O crime foi chamado de ‘estelionato amoroso’ e consistia no conhecimento e na sedução das vítimas com o objetivo final de pedir altos valores em dinheiro em troca de supostos presentes. Os homens se passavam por membros do exército americano e enviavam fotos falsas. Alguns dos suspeitos foram presos no fim de junho por policiais da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Outros ainda estão sendo investigados.

Ciomara afirma que o tratamento para pessoas que mentem e aplicam golpes na internet é o mesmo que uma pessoa que realiza um roubo ou falsificação recebe. “Entretanto, poucos procuram ajuda e o tratamento só pode ser realizado, obviamente, caso o agente procure ajuda, queira melhorar e se livrar da necessidade de mentir sobre sua realidade para se relacionar”, destaca.

A reportagem buscou vítimas que sofreram golpes pela internet, mas elas preferiram não revelar a identidade nem falar sobre o assunto por acreditarem que estariam se arriscando novamente.

Prevenção e risco

Para evitar cair em situações de risco na internet, em especial nas redes sociais, o pesquisador Laerte Peotta, especializado em segurança de redes de computadores, recomenda o internauta configurar os filtros de privacidade, além de não compartilhar os lugares em que estão. “Se a pessoa está em férias, por exemplo, o melhor é deixar para compartilhar suas experiências no retorno, pois, caso contrário, assaltantes podem facilmente saber que a residência está vazia e, assim, cometer roubos.”

A denúncia de  situações de crimes na web pode ser feita no Distrito Federal, por meio da Delegacia Especial de Repressão ao Crime Cibernético (DRCC), que fica no Sudoeste. Além disso, denúncias podem ser feitas pela internet no site da Polícia Civil ou pelo telefone 3207-4892.

Maria Carolina Morais

Sob supervisão de Isa Stacciarini

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