Jovens encontram lucros em plataformas de conteúdo adulto; especialista alerta para objetificação

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“Eu precisava pagar minha faculdade, não estava conseguindo achar emprego rápido e uma das únicas alternativas possíveis seria a prostituição”. Para o produtor de conteúdo que prefere se apresentar apenas como Kláudio, a internet não é mais apenas uma alternativa de entretenimento, mas um meio de trabalho. De repente, ele se viu completamente envolvido.

A venda de conteúdo adulto pela internet se tornou uma alternativa de renda para jovens que buscam pagar as contas. Plataformas como o OnlyFans e o Privacy transformam a exposição do corpo em um produto de consumo, e a crescente demanda no Brasil, que ocupa a 10ª posição no ranking mundial de consumo, reflete um fenômeno cultural e econômico, com uma predominância masculina de 61%, contra 39% feminina, destacando as dinâmicas de consumo que moldam essa indústria.

Kláudio, de 21 anos, começou a produzir conteúdos em 2021, ano em que havia sido demitido e precisava de dinheiro para pagar sua faculdade. Ele ficou entre a prostituição e a produção de conteúdos adultos. 

“Eu consigo ganhar bem mais do que um salário mínimo, que um CLT normal, com o meu Onlyfans”, garante.

O peso da exposição

A escolha por esse caminho não é simples. É uma estrada repleta de pressão emocional e julgamento social. Martina, produtora de conteúdo adulto, iniciou por necessidade. 

Após um assalto que a deixou sem celular, ela tomou a decisão. “Eu precisava de dinheiro rápido para comprar um novo celular, então comecei a produzir conteúdo. Consegui (o dinheiro) em dois dias”, diz. Ela, que, com mais de 800 mil seguidores, se tornou uma das maiores produtoras de conteúdo do Brasil.

A influenciadora teve um começo difícil, e relata ter sofrido por estar sendo constantemente observada: “A primeira coisa constrangedora que aconteceu, e, nessa época, eu não era famosa, foi das pessoas pegarem as minhas fotos que estavam disponíveis nessa plataforma, botarem num site de prostituição e mandarem para minha mãe”.

O trabalho de Kláudio, Martina e de tantos jovens mostra como a exposição do corpo se tornou uma alternativa para quem está em busca de uma renda imediata. No entanto, o preço dessa escolha vai além das implicações financeiras. 

O mercado do desejo

A busca por dinheiro rápido é tentadora. Em plataformas como a brasileira Privacy, os produtores de conteúdo podem cobrar entre R$ 5 e R$ 200 por mês, recebendo 80% do valor, os outros 20% são repassados à plataforma.

No entanto, a experiência de quem trabalha nesse meio vai muito além do desgaste físico, envolvendo desafios emocionais e sociais, como o isolamento e o julgamento constante. 

Gisele*, de 23 anos, começou a produzir conteúdo adulto após um acidente de trânsito que resultou na amputação de uma perna, e enfrenta a pressão por um comportamento “adequado”, alinhado à moralidade tradicional.

“Já recebi muitas mensagens dizendo que eu deveria ir para a igreja, que eu não deveria fazer isso, que eu iria acabar com a minha vida, que eu nunca vou ter o marido e uma família”, lamenta.

Consequências

A pressão para manter uma imagem desejável pelo público e a cobrança social que advém desse tipo de trabalho têm consequências emocionais.

Essa mudança não só escancara a urgência por dinheiro, mas também o impacto de viver sob constante observação. Já diria Caetano, “vi um grande amor gritar dentro de mim, como eu sonhei um dia” — o que parecia um sonho de alcançar a  independência financeira, se transformou em um pesadelo pela constante exposição.

Pesquisador em comunicação, o professor Sérgio Czajkowski avalia que é importante refletir sobre como essas práticas reforçam dinâmicas de objetificação. “A mulher hoje é analisada em partes, como se fosse um produto: a bunda, o peito… Isso transforma o corpo em um objeto, ainda mais quando ele é fatiado dessa forma”.

Autoaceitação

De outra forma, a sexóloga Karol aponta um lado menos discutido desse cenário: a possibilidade de autoaceitação e exploração pessoal que essas plataformas oferecem. Segundo ela, o ambiente virtual permite que tanto produtores quanto consumidores descubram e experimentem fantasias e fetiches que, muitas vezes, seriam reprimidos no dia a dia. 

“Esses espaços proporcionam uma segurança que o mundo real não oferece. Muitas pessoas se sentem valorizadas e desejadas, o que pode elevar a autoestima, especialmente para aqueles que, fora da internet, não recebem tanta atenção”, explica a especialista.

Gisele* relata que, quando começou a trabalhar com a plataforma, percebeu um interesse estranho pelo seu corpo, por causa da amputação. “Me pedem muito vídeo mostrando a perna, passando creme nela, massageando…”, relata.

Novos prazeres, velhos tabus

Esses comportamentos podem ser contextualizados dentro de uma pesquisa realizada por um aplicativo de relacionamento em parceria com o Kinsey Institute, que apontou que 55% dos participantes da Geração Z revelaram ter descoberto novos fetiches, com práticas de kink — como o BDSM e o swing

Esse cenário pode estar relacionado ao crescente uso de ambientes digitais, que favorecem o uso de perfis anônimos e a possibilidade de experimentar fantasias sem as restrições do mundo real. 

Assim, enquanto a plataforma de conteúdo adulto, como a que Gisele* utiliza, oferece um espaço para a autoexploração, ela também reflete uma tendência cultural mais ampla da Geração Z de buscar novas formas de prazer e conexão, tanto virtual quanto emocional.

No entanto, a sexóloga adverte que essa dinâmica é uma “via de mão dupla”. O isolamento virtual e a dependência desses ambientes podem prejudicar a construção de relações verdadeiras fora da tela. Assim, enquanto para alguns a exposição controlada é um caminho para autodescoberta e autonomia financeira, para outros, ela pode levar ao distanciamento emocional.

Por Nathália Queiroz
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Imagem gerada por IA

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