O cheiro se confunde com o ambiente hostil. O céu fica impregnado de aves que insistem em rodear o lugar a procura de matéria orgânica putrefa que arde em meio ao sol escaldante. Os trabalhadores passam horas a fio cobertos pelo equipamento de proteção individual que causam dores musculares dos piores níveis. Esse é o cenário do Lixão da Estrutural que existe há 57 anos e está com os dias contados. A previsão é que ele encerre as atividades em 20 de janeiro de 2018. O novo local para tratamento do lixo será o Aterro Sanitário de Samambaia, já em operação desde janeiro deste ano.
O segundo maior lixão a céu aberto do mundo está ativo desde 1960 e ocupa uma área de aproximadamente 200 hectares na Cidade Estrutural. Em 2015, o Governo do Distrito Federal (GDF) iniciou o processo de desativação do espaço com o apoio de cooperativas de lixo. O novo local, em Samambaia Sul, recebe somente rejeitos que já passaram pelo processo de triagem e são impossibilitados de serem reciclados. É o caso de materiais orgânicos, como restos de alimentos. No espaço, será proibida a entrada e a atuação de catadores.
Para esses profissionais, o novo tratamento do lixo vai oferecer mais dignidade para quem tira o sustento da família com a coleta dos resíduos. É o caso de Maria Mercedes Silva Justina, 55 anos. Catadora de recicláveis há 25 e moradora da Estrutural, ela consegue enxergar um possível futuro dentro de um centro de triagem. “Tenho esperança de melhores condições de trabalho e um salário mais digno para manter minha família que tem sete pessoas”, destacou.
Cooperativas
Os catadores que hoje atuam no Lixão da Estrutural serão transferidos para centros de triagem. Para isso, precisam se associar as cooperativas para serem remanejados a esses novos locais. De acordo com o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), já existem duas cooperativas instaladas em um galpão alugado para que o processo de triagem ocorra. Trabalham no espaço 45 catadores. A previsão é de que esse número sofra um aumento de 200 pessoas depois do fechamento do lixão.
Outro galpão, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), será providenciado para uma terceira associação. Segundo o SLU, o objetivo é que, após a desativação definitiva do lixão, o espaço continue recebendo dejetos de lixo industrial e resíduos apenas de construção civil que aparentemente não trarão nenhum prejuízo ambiental. “O governo irá contratar uma consultoria que vai indicar quais serão as principais alternativas para a recuperação da área”, informou o órgão.
Os riscos gerados pela exposição ao ambiente vão desde contaminações biológicas, resultados de constante contato com matérias orgânicas em estado de decomposição, até riscos químicos devido ao lixo hospitalar e rejeitos contendo elementos químicos nocivos a saúde humana. Somam-se a eles efeitos físicos, já que o lixão possui grandes quantidade de rejeitos cortantes e radioativos.
Projetos
A professora de saúde coletiva Vanessa Cruvinel realizou um diagnóstico epidemiológico dos catadores da Estrutural. Ela tinha realizado projetos sociais dedicados a causa dos trabalhadores de resíduos sólidos há vários anos em conjunto com os alunos. No início de 2017, organizou o exame de saúde nos trabalhadores, seu principal objetivo está focado na autonomia e no empoderamento em todas as questões de cidadania, seu maior desejo é de que os catadores reconheçam a importância do trabalho exercido por eles.
Desde de que ingressou na carreira de professora universitária, ela assumiu a coordenação do projeto Pare, Pense e Descarte que desenvolve linhas de ações com os trabalhadores das cooperativas e associações, especialmente no âmbito da saúde, geração de renda, cidadania, justiça social e empoderamento. Para Vanessa, a melhor solução para o remanejamento de resíduos sólidos está no encerramento das atividades do lixão, devido a situação que os catadores estão expostos, criação de aterros sanitários, e investimento em direitos fundamentais, trazendo assim melhores qualidades de vida para aqueles trabalhadores.
Para Saber Mais
No dia 30 de outubro, o governo decidiu mudar o calendário previsto, e adiar a data de desativação definitiva da área para 20 de janeiro. As informações dadas pela coletiva de imprensa também inclui a mudança deR$ 92 para R$ 350 da tonelada triada, as remunerações continuam ainda na mesma faixa de valor.
Vitor Tobias Rodrigues
Foto: Arthur Menescal
Sob supervisão de Isa Stacciarini