O show das quadrilhas que enfeitam os arraiás nas festas juninas do Distrito Federal

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Suor, criatividade e muito fôlego. Esse é o cenário das quadrilhas das festas juninas no Distrito Federal. Por trás das apresentações com enredos dignos de novela e com figurinos e maquiagens impecáveis, há muito trabalho.

Andrezza Dias, 38 anos, acompanhou a formação de uma delas. Os vizinhos começaram com uma pequena festa junina na rua, que foi crescendo em associação com alguns grupos jovens da Paróquia Imaculada Conceição na M Norte, em Taguatinga. Atualmente, em frente à igreja, ocorrem os ensaios da Sabugo de Milho, um grupo com jovens entre 15 e 25 anos, presidido por Andrezza.

O grupo também é formado por pessoas como João Alex Lima, 22 anos, que, ao verem o movimento, acabaram se juntando. “Ano passado, no dia da apresentação na igreja, eu acabei sendo convidado para dançar. Por vir aos ensaios já sabia a coreografia. Depois disso resolvi entrar oficialmente na quadrilha”, comenta.

Os enredos do grupo são atrelados a temáticas da igreja católica. “A gente tenta mostrar nas nossas quadrilhas o cotidiano do sertanejo, a alegria das festas juninas e tentamos levar sempre uma mensagem evangelizadora”, diz Alexandre Marques, 22 anos, o marcador da quadrilha, que comanda o ritmo e discursa entre as músicas durante as apresentações. Alexandre também cuida de toda a parte criativa, desde as músicas e roupas escolhidas, até os cenários e histórias a serem abordadas.

Apresentações até setembro

A agenda do grupo está cheia. Começa dia 9 de junho, em uma apresentação na Escola de Música de Brasília, que fica na L2 Sul, e termina dia 3 de setembro, com apresentação no seminário Redemptoris Mater, na Ermida Dom Bosco. Apesar de todo o cansaço físico e mental, Andrezza afirma que o trabalho compensa. “Para mim é a melhor época do ano. Não ganhamos nada de dinheiro em troca, mas, mesmo assim, vale a pena o esforço.”

Ela destaca que o grupo não recebe nenhum tipo de patrocínio. Pedem apenas aos organizadores dos eventos onde o grupo dança que disponibilizem lanche e transporte. “Os meninos mesmo se viram para comprar as roupas, vendem brigadeiro, rifas e, atualmente, estamos preparando a documentação para participar de um projeto do Governo do Distrito Federal (GDF) que contempla 40 quadrilhas com o valor de R$ 12 mil para investir no grupo.”

Quadrilheiros em Samambaia

A quadrilha de Samambaia Si Bobiá a Gente Pimba também nasceu da vontade de reunir a comunidade e levar lazer e cultura para todos. O grupo foi criado em 1992 pelos irmãos Lucas, 33 anos, e Claudeci Martins, 38. Na época, a vizinhança não tinha muitas opções de atividades de entretenimento “A gente acendia a fogueira e ficava perto dela conversando sobre criar a quadrilha e, assim, fomos colocando os planos em prática”, comenta Claudeci.

Atualmente o grupo conta com aproximadamente 120 pessoas. Todas fazem parte do processo de construção da quadrilha, desde o figurino até a dança. Uma parte da quadrilha está na Europa em uma exposição chamada Brasil Junino, que leva aos estrangeiros um pouco da cultura junina do Brasil. O projeto do Instituto Brasileiro de Integração (IBI), junto com o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) e o Ministério do Turismo, começou em abril em Lisboa com o intuito de chamar turistas para conhecer a cultura brasileira além do carnaval, por meio das festas juninas. O projeto segue para Madri, Roma e, por fim, Londres.

O grupo conta com membros de São Sebastião, Samambaia, Gama, Valparaíso de Goiás, Águas Claras, Taguatinga, Ceilândia, entre outras regiões administrativas do DF e do Entorno. As apresentações de 2016 e deste ano receberam auxílio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) que, em contato com a administração de Samambaia, cedeu um ginásio ao lado do Estádio Joaquim Domingos Roriz, na quadra 301 de Samambaia. A Si Bobiá a Gente Pimba foi a primeira quadrilha a conseguir esse apoio.

Sobre a integração comunitária que as quadrilhas provocam, Claudeci comenta: “O movimento junino coloca todo mundo do mesmo lado, pega quem tem condição, quem tem estrutura familiar adequada e boas condições financeiras junto com quem não tem. Com isso, a própria quadrilha acaba se tornando uma família e motivando as pessoas a melhorarem de vida. Isso é um trabalho fantástico”, ressalta.

A participante Kátia de Carvalho, 27 anos, teve depressão em decorrência da perda de um filho e a recomendaram que fosse procurar algum grupo de quadrilha para se distrair. Assim ela encontrou o “Pimba”, apelido do grupo. Ela começou a frequentar os ensaios em fevereiro de 2015. Atualmente Kátia está a espera de outro filho e feliz por ter entrado no grupo. “Às vezes a gente chega cansado do trabalho, mas quando viemos para cá e começamos a ensaiar o cansaço passa e dá lugar à alegria. Aqui nos distraímos e esquecemos dos problemas”, afirma.

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Competições de quadrilhas

O grupo é penta campeão nas competições do DF, bicampeão do Centro-Oeste e duas vezes vice campeão nacional. Claudeci afirma que os títulos são consequência do trabalho. “Não são eles que fazem a gente continuar. O maior título de uma quadrilha é terminar uma temporada e poder saber que ela tem força para fazer tudo de novo no ano seguinte.”

O papel social das quadrilhas juninas é igualmente observado na quadrilha Pau Melado, também de Samambaia, resultado da busca constante por políticas de incentivo e aderência da comunidade feita por Hamilton Teixeira, mais conhecido como Tatu, 39 anos. Hamilton é vice presidente da União Junina, a federação brasiliense ligada à Confederação Nacional de Quadrilhas Juninas e Grupos Folclóricos do Brasil (Conaqj), e  tem a função de buscar recursos públicos por meio de contatos com o governo.

A quadrilha é relacionada ao Instituto Social Amigos do Bem e foi formada antes dele, em 1999, pela comunidade da quadra 106 de Samambaia. O instituto é responsável pela parte social e a quadrilha pela parte cultural da comunidade. No instituto são oferecidas atividades como esporte e dança, além de um acompanhamento escolar dos jovens frequentadores.

“Nós chegamos onde o Estado não chega. Os programas contra as drogas oferecidos pelo governo, por exemplo, informam o jovem sobre o assunto mas esquecem que, quando acaba a palestra, o aluno volta para a realidade dele”, destacou. “A mãe pode estar no mundo das drogas, o pai pode estar preso, entre outras situações que exigem um acompanhamento mais próximo, como é feito no instituto”, comenta Hamilton.

Tatu já dançava em outra quadrilha e conseguiu realizar o sonho de formar a própria. A montagem da quadrilha, entre coreografia e parte visual, demora seis meses para ficar pronta e, quando acaba uma temporada, já começam a se preparar para a próxima. Os ensaios começam após o carnaval e as apresentações geralmente iniciam no fim de maio.

O nome do grupo faz referência ao Pau de Sebo, brincadeira presente nas festas de São João e que tem como objetivo subir até o topo de um tronco de madeira bem liso e ensebado com graxa ou gordura de boi.

Alan dos Santos, 37 anos, entrou em 2004 na Pau Melado. Ele participava de outro grupo e, por convite de Hamilton Teixeira, integrou a equipe atual. “Gosto muito do movimento junino. Quando começa a tocar a zabumba chega arrepio”, conta.

Ele explica que poucas vezes o próprio participante pagou o figurino. Geralmente a direção do grupo paga o traje. O dinheiro vem de algumas apresentações que são cobradas e também custeia o lanche e o transporte do grupo.  Atualmente aproximadamente 60 pessoas participam da quadrilha e todos podem opinar na escolha do tema, da maquiagem e do figurino.

Hamilton afirma que o grande diferencial da quadrilha é a forma como o enredo é apresentado. “O povo gosta de ver a Pau Melado porque ela tem os personagens da cultura popular, como uma idosa tirando a dentadura, por exemplo, coisas que acontecem na vida real. As pessoas gostam de ver a realidade nas apresentações”, explica.

O enredo sempre traz as vertentes do nordeste e outro diferencial é juntar todas as culturas típicas das regiões do Brasil que também são encontradas na capital. Assim surge o chamado estilo Sarauê brincado, que movimenta pernas e braços, sem precisar de ter um alinhamento na coreografia.

A Pau Melado participa de competições regionais e nacionais, é hepta campeã nacional, mas, apesar de todos esses títulos, como os outros grupos também explicitaram, o que mais importa é a alegria presente nos arraiás e na percepção de que todo o esforço tido ao longo do ano foi recompensado.

As competições citadas acima são organizadas pelo próprio movimento junino. Porém, este ano o governo fornecerá estrutura para que ocorram as apresentações da competição ao longo do circuito Brasília Junina, projeto que selecionou 27 grupos de quadrilha para se apresentarem em seis regiões administrativas: Ceilândia, Itapoã, Paranoá, São Sebastião, Sobradinho e Plano Piloto entre os dias 23 de junho e 16 de julho. Além disso, os grupos e coletivos ministraram palestras e oficinas sobre esta expressão da Cultura Popular em escolas públicas do DF e Entorno. O público circulante em cada edição foi de aproximadamente 4 mil pessoas nas seis cidades, segundo o Executivo local.

A Secretária de Cultura do Distrito Federal afirma que desde 2016 as ações de governo para fortalecimento do movimento ocorrem por meio do Brasília Junina. Segundo a pasta, o projeto foi criado a partir de demandas do movimento junino do DF. Além de auxiliar nas apresentações, ele busca formas de incluir esta manifestação cultural nas políticas de cultura, garantindo mais estrutura para os festejos, remuneração para quadrilhas e uma política de Estado para preservação e reconhecimento da tradição. Para isso, o Governo do Distrito Federal (GDF) prometeu editar um decreto até julho que prevê políticas específicas para o movimento junino.

Por Maria Carolina Morais

Sob supervisão da professora Isa Stacciarini

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