Formado por candangos na construção da capital, o Paranoá, que ainda está em processo de regularização dos terrenos, abriga mais de oito mil famílias. “Minha casa é mais ou menos regularizada. Quando vim do Paranoá Velho pra cá, há 34 anos, me deram um papel falando que a casa é minha”, contou a aposentada que se identificou apenas como Maria José, de 75 anos. Mas não era um documento de regularização. Assim como a idosa, a maioria dos moradores da região recebeu a casa por programas governamentais de ajuda social, mas até hoje não sabem ao certo se a moradia é legal e como funciona o processo de legalização. De acordo com levantamento da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), apenas 3% dos moradores do Paranoá tem terreno próprio quitado.
Na década de 1950, a comunidade ocupava as margens da barragem e era vista como uma invasão, mas, em 1964, de acordo com a Lei nº 4.545, passou a ser considerada uma região administrativa (RA-VII). Com o reconhecimento de ocupação, foram fixados novos limites para os moradores, que, em 1989, sofreram transferência para outra área, o novo Paranoá.
“No Paranoá Velho, a gente não tinha infraestrutura, não tinha água encanada, não tinha um banheiro decente dentro de casa, não tinha uma casa construída de tijolo e a luz era de gambiarra, mas agora temos isso tudo”, conta Roseno Alves dos Santos, morador do Paranoá há mais de 40 anos.
Segundo Roseno Alves dos Santos, a mudança de local e o reconhecimento parcial da região foram de grande agrado e o trouxe melhores condições de vida, mas como consequência, também intensificou a violência e as fraudes na divisão das moradias, o que é reflexo da descriminação social. “No Paranoá Velho não tinha a violência que tem aqui, lá, se você saísse de casa, todo mundo que você via você conhecia, hoje em dia não conhece mais ninguém”, acrescenta o morador. Para ele, o principal motivo do aumento de crimes foi a grande leva de pessoas desconhecidas que chegou na região após as mudanças.
Segundo o morador, quando foram distribuídos os terrenos, os beneficiados decidiram vender a casa para lucrar em cima do que ganharam. “Muitas pessoas que receberam terrenos foram ignorantes e alugaram ou venderam as casas”, completa. “Hoje, estão construindo o Paranoá Park e entregando para as famílias, mas ali tem muita gente que não precisa. Quem tem dinheiro tá morando, e quem precisa mesmo não está. Meus filhos por exemplo, que são filhos do Paranoá velho, até hoje não receberam uma casa”, acrescenta.
Documentação
Em abril deste ano, foi aprovado o Projeto de parcelamento do solo do Paranoá, o que faz com que as oito mil famílias se aproximem do sonho de possuir uma casa própria e regularizada. Mas, Segundo a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth), ainda falta um série de documentos a serem aprovados, o que deixa o processo sem previsão para ser finalizado. Só depois que o GDF terminar a análise dos projetos urbanísticos e do memorial descritivo do Paranoá, que o governador Rodrigo Rollemberg poderá decretar a regularização e autorizar a Terracap a registrar os lotes e conceber aos moradores as escrituras dos respectivos terrenos.
Antes mesmo de começar o processo de regularização, famílias de diferentes pontos do Distrito Federal procuravam se inscrever em projetos sociais, como Morar Bem e Minha casa minha vida, para conseguir uma casa no Paranoá. A propaganda de um lugar novo e com moradias de qualidade passou a atrair pessoas como a empregada doméstica que sera identificada nesta reportagem como uma moradora que preferiu se identificar como Marcela, de 36 anos. Ela tem dois filhos e está na fila do programa Morar Bem há 11 anos.
“Na hora de fazer a minha inscrição para o programa, optei em escolher o Paranoá por ser mais perto da casa de minha família. Estou ansiosa e alegre em saber que estou perto de conseguir minha casa, o que mais quero é segurança para os meus filhos”, explica a futura moradora.
Para Marcela, mesmo com os problemas de regularização, o Paranoá ainda aparenta ser um local bom para se viver. Durante 11 anos, a atual emprega doméstica mora em um cômodo da casa de parentes do marido, esperando ser chamada para habtar a própria moradia e se sentir independente para criar os filhos em lugar que considera seguro e de qualidade, comparado com a dura realidade de outras regiões administrativas ao redor do Plano Piloto. “Hoje, trabalho durante o dia e fico com meus filhos a noite. Faço de tudo para dar conforto e educação aos pequenos”, finaliza.
“Melhorias”
A administração do Paranoá informou que recebeu, em maio deste ano, um Plano Urbanístico aprovado pela Coordenação de Planejamento (Coplan). O objetivo é trazer melhorias para a cidade, como arruamento, quadras e desenhos dos lotes, dando um auxílio para uma regularização posterior.
Há uma briga judiciária entre os moradores da cidade e os herdeiros das fazendas nas quais o Paranoá foi fundado. Ao todo, são 60 supostos proprietários das fazendas que pedem que a terra seja desapropriada, e que o governo compre a terra deles por mais de R$ 600 milhões. Com esse problema de regularização de terreno, empresas não podem se instalar na cidade por falta de documentos.
Os próprios moradores e comerciantes sofrem com a irregularidade. Para Vera Lúcia Gomes e Silva, 49 anos e dona de casa, o principal problema é não poder pegar um empréstimo para comprar a própria casa. Francisco Nildemir, 41 anos e comerciante, não ter escritura nem habite-se prejudica na hora de adquirir o local para sua loja. Ele afirmou, durante entrevista, que “muita gente até consegue comprar o terreno, mas não consegue pegar um empréstimo para iniciar o comércio”.
Outras pessoas, como a dona de casa Marlene Pereira da Silva, 45 anos e, o jeito foi juntar o dinheiro e ir ao cartório. Ela já mora no local há 22 anos e afirma que, caso algum dia o governo tente tirá-la de lá, não conseguirá, pois ela pagou e não deve nada a ninguém.
“Eu juntei o dinheiro, fui ao cartório, comprei e passei pro meu nome. Como eu não tinha mais dinheiro, morei no barraco por um tempo, até arrumar a grana e ir aumentando a casinha aos poucos”.
Quando questionado se a não regularização impediria as pessoas de terem acesso a infraestruturas, Eduardo Rodrigues da Silva, administrador do Paranoá e de Itapoã, disse que o governo vem, ao longo dos anos, superando esse problema. “Estamos conseguindo uma infraestrutura que atende à população urbana do Paranoá”. Porém, como Itapoã, cidade adjacente, sofre de carência de uma infraestrutura adequada, os moradores dessa cidade procuram o Paranoá, sobrecarregando alguns setores.
Por Íris Cruz, Gabrielli Nicolau e Renata Caroline