Por dentro da rotina dos ambulantes que trabalham nos ônibus

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O passageiro vê uma pessoa entrar num ônibus e começar a vender guloseimas em busca de trocados. É uma cena urbana rotineira em que o veículo ganha som de feira. São ambulantes que fazem mais do que vender. Contam histórias da vida e tentam sensibilizar o passageiro. São ambulantes que costumam ficar uma tarde ou até o dia inteiro nessa atividade. Uma rotina puxada para tentar conseguir uma renda que ajuda nos gastos de casa e dos estudos.

13 horas por dia

Leonardo Soares, 38 anos, que trabalha há seis meses de 7h até as 20h. Ele relata que apesar dos ‘nãos’ dos motoristas para entrar no veículo, depende muito deles para garantir a renda de bombons caseiros, o que no final do mês pode render, segundo ele, R$ 2,5 mil. Ele trabalha à tarde e pega ônibus desde a parada da quadra 114 Sul até o Banco Central e retorna ao local de partida. Para sensibilizar os funcionários da empresa de transporte, confessa que dá chocolates como forma de agradecimento aos cobradores e motoristas. “Todos os vendedores que conheço não possuem licença trabalhista”, completou Leonardo, que é radialista à noite em Luziânia-GO.

Eu acho que todo trabalho é digno, independente se você é engenheiro civil ou um vendedor de ônibus”

Ouça aqui entrevistas

mar2No caso de Silvonir Gonçalves (foto ao lado), que já foi operário em construção civil e trabalhou com limpeza, metade dos 40 anos de vida são como vendedor ambulante dentro de ônibus. Mora em Samambaia Norte, e vende balinhas, chicletes e salgadinhos de 11h até 16h, horário que sai para estudar. Ele cursa a 3ª série do primário.

Lógico, eu preciso do dinheiro, mas eu trabalho porque eu me sinto bem, à vontade. Por prazer mesmo, a venda está no meu sangue”

Fiscalização

A atividade não possui controle por parte da Agência de Fiscalização do DF (Agefis). Mesmo com reunião em setembro do ano passado durante audiência pública na Câmara Legislativa, o presidente do Sindicato dos Vendedores Ambulantes do DF (SINDVAMB), Bartolomeu Gonçalves, reivindicou a normatização da atividade. Que existe somente um documento que se refere indiretamente a categoria (em negrito abaixo). É um decreto de lei antigo, Nº 2.041, de 27 de fevereiro de 1940 com o seguinte objetivo:

Art. 1º. Esta lei regula o exercício do comércio ambulante, de vendedores ou compradores, por conta própria ou de terceiros, em logradouros públicos ou locais de acesso franqueado ao público.

Especializado em direito trabalhista, o advogado Wagner Dias, 53 anos, reforça esse argumento ao dizer que diante desse impasse no controle, cabe à empresa falar sim ou não para a atividade desses vendedores. “O ônibus é uma propriedade particular, privada, e o destino é outro, a mobilidade urbana. Porém, o ambulante é uma forma de trabalho autônomo”, o advogado reforça que o Decreto de lei citado anteriormente na matéria é o único voltado para essa atividade em especial. A assessora das empresas de ônibus do DF (Pioneira, Piracicabana, São José, Marechal, HP-ITA, TCB) não quis falar sobre o tema. Já o DFtrans foi procurado pela reportagem, mas não retornou as ligações. E a assessoria de imprensa da Polícia Militar – DF disse que, não há policiamento em cima da atividade.

Se tem um impasse, uma zona nebulosa que ninguém permite, ninguém proíbe, caberia só a empresa falar sim ou falar não. Se o Estado falar não, cabe a ele fiscalizar, a Agefis, Secretaria de Transporte e a própria empresa de ônibus tem que fiscalizar o cumprimento ou a vedação”, diz o advogado Wagner Dias

 

O presidente da Fecomércio-DF, Adelmir Santana, considera adequado todo tipo de comércio formal. “Desde que seja feito de forma passageira e aleatória, sem que o vendedor monte um ponto dentro do veículo ou escolha sempre o mesmo ônibus”.

Pelos bancos, passageiros sentados vão de parada em parada até chegar ao destino final. A passageira Ana Luiz Paes, trabalha no Setor Gráfico como operadora analítica em telemarketing e na volta para Planaltina, onde mora, sempre vê um vendedor entrar no ônibus. Ela diz que o tom de voz de alguns é bem alto. “Às vezes estou com dor de cabeça”, declara ela, que costuma comprar água dos vendedores quando está com sede. Sobre o trabalho ser válido ou não, opinou.

É válido, eles estão trabalhando ali como qualquer outra pessoa, estão fazendo um trabalho digno ne. Muitos são pais de família, desempregados, e essa renda extra pra eles ajuda”.

A empresa fala que estamos dando carona para eles. E pedem para nós não deixarmos os vendedores entrarem por atrasarem a rota e dificultarem a circulação dos passageiros”, informou o motorista Wevlaney Santos, de 38 anos, que às vezes, deixa os vendedores entrarem pela amizade, mesmo com o pedido da empresa. O mesmo disse Vilmar Ferreira, a favor da atividade. “É uma maneira de ganhar dinheiro, e o mundo tem que crescer”.

mar4

O morador de Valparaíso-GO, Claudionor Lima (acima), 24 anos, além de ser vendedor autônomo na área, trabalha de 8h às 14h como garçom na Secretaria Executiva do Ministério do Transporte. Começou aos 9 anos como vendedor ambulante, quando saía da escola de manhã direto para o trabalho. Parou aos 13 devido a morte da mãe que o chocou muito, mas voltou ao trabalho seis meses atrás. Com 3 filhos, e outro no 8º mês de gestação. Ele compra as mercadorias na loja Alegria doces, no Conic. E conseguiria uma renda mensal de R$ 3,5 mil. Mas explica que trabalha em outro local. “A gente sempre se ajuda com dinheiro emprestado, mas eu trabalho mais pela grana. E além de ser garçom na Secretaria, faço um bico no restaurante Patu Anu no Park Way, na mesma função”, concluiu ele que disse ter o chocolate como o produto mais lucrativo. Ele pretende estudar engenharia mecatrônica com o acúmulo da renda.

Por Pedro Paulo Marra

 

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