Presídio feminino é único qualificado como “bom” no DF, aponta CNJ

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“Excelência” é raridade quando se fala em presídios brasileiros. Apenas 39 dos 1.727 instalados nas unidades da federação recebem esse selo, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).  Na capital do país a falta dessa atribuição não é diferente.

Das sete cadeias que constituem o sistema carcerário da região, apenas a Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia) foi definida como “boa”, a partir da avaliação.

Presídio feminino foi uma das unidades avaliadas. Foto; Agência Brasil / arquivo

A Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), o Centro de Detenção Provisória II (CDP II) e o Centro de Progressão Penitenciária (CPP) foram avaliados como regulares. Já o CDP I e o Centro de Internamento e Reeducação (CIR) como ruins, e a PDF I como péssima.

As informações são do Painel de Dados sobre as Inspeções Penais em Estabelecimentos Prisionais, atualizado mensalmente pelo CNJ. A pesquisa serve para registrar as condições em que as prisões funcionam, as quais são classificadas pelo órgão entre péssimo, ruim, regular, bom e excelente.

Qualidade dos presídios que compõem o Complexo Penitenciário da Papuda. Arte: Luana Corrêa

A base do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP) se dá pelos relatórios de visitas mensais, as quais são realizadas nos cárceres por Juízes de Execução Penal. Com o registro dos formulários de inspeção, as informações são consolidadas no sistema de transparência Geopresídios, software alimentado por membros dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça Militares.

Os dados estão no Painel sobre as inspeções penais em estabelecimentos prisionais. O relato das visitas ainda mostra mais do cenário dramático que se conhece sobre o sistema prisional do Brasil: a superlotação. É por meio da população prisional, dos estabelecimentos e das vagas existentes no sistema penitenciário, por comarca ou seção judiciária, que a classificação é feita. 

No DF, Papuda abriga mais que do que o dobro do planejado

No caso do Distrito Federal, a última inspeção realizada foi em setembro deste ano. A partir dela foi apontado que 15.541 presos dividem 12.945 vagas. O segundo número é o total da capacidade dos sete presídios que, se analisados individualmente, revelam o mal planejamento da estrutura e da distribuição de presos. 

Enquanto juntos os Centros de Detenção Provisória I e II têm 3.605 vagas a serem preenchidas para atingir a quantidade projetada, as celas das Penitenciárias I e II do Distrito Federal (Papuda) desconhecem o que é espaço. Unidas ou separadas, elas abrigam mais que o dobro do que foi planejado. Na soma das duas são 6.465 cabeças numa área onde era para caber apenas 3.048.

No Centro de Progressão Penitenciária, a superlotação também é realidade. São 337 pessoas a mais do que o esperado. Mas nenhum dos presídios mencionados é como o Centro de Internamento e Reeducação. Ele, que deveria ser referência por induzir a ressocialização do preso, consegue ultrapassar o limite mais do que qualquer outro da lista. Ocupam 1.471 lugares, 4.272 corpos. Três vezes mais do que a capacidade permitida.

Superlotação afeta a dignidade humana

Punir e ressocializar deveriam ser as principais funções do sistema prisional. Entretanto, uma das falhas do Estado está na parte em que ele deixa a desejar quanto à reintegração do preso. Para o advogado criminalista e professor de Direito, Marcus Gusmão, “é muito mais fácil retirar o indivíduo da sociedade do que fazer com que ele entenda o caráter da pena.”

Fornecer assistência ao preso como método de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência social são direitos instituídos pela Lei de Execução Penal (LEP), de 11 de julho de 1984. Porém, existe um grande abismo entre instituir e assegurar. Dentro das prisões brasileiras várias garantias são desrespeitadas e uma delas parte da própria estrutura desses estabelecimentos.

Superlotação no Complexo Penitenciário da Papuda. Foto: Ministério Público/Divulgação

 

A LEP descreve que o cumprimento da pena deve se dar em cela individual com área mínima de 6 metros quadrados, só que nem sempre a teoria condiz com a prática. O que se vê é um ambiente que viola princípios constitucionais, principalmente aqueles ligados à condição humana.

“Não é preservado o mínimo necessário para a situação do ser humano. A superlotação não trata apenas da falta de espaço. Ela também não permite que o preso consiga satisfazer direitos simples, como higiene, atendimento de saúde e alimentação”, reforça Marcus.

Segundo a psicóloga clínica, Elizabeth Sotero, a falta de compromisso com a integridade física é refletida na integridade moral do condenado. Esse é um problema que gera consequências não apenas para ele, mas para a sociedade como um todo.

“O sistema prisional não gera naqueles indivíduos um espaço para transformação. Ao invés de ser apresentada ao preso uma nova forma de pensar a vida, o que refletiria em suas ações, ele é colocado em celas superlotadas que desrespeitam a dignidade humana”, declara.

O ambiente amontoado é um fator que ainda faz com que o detento desenvolva o pensamento de que viver à margem da sociedade e sempre em condições precárias é a única opção garantida a ele.

“Passar essa visão é desrespeitar e atravessar negativamente o processo de ressocialização e de mudança de paradigmas. Claramente o incômodo inicial, somado a todas essas negligências, irá gerar mais violência”, complementa Elizabeth.

A ressocialização é um processo muito burocrático

O que verdadeiramente caracteriza a ressocialização é a compreensão do réu de que a conduta ilícita tem consequências. É preciso aprender que a vida em sociedade tem regras que devem ser cumpridas e que o descumprimento deve ser severamente punido.

Mas sentimentos como raiva e esgotamento normalmente acompanham a jornada do preso. Conforme a psicóloga Elizabeth, estar em constante contato com essas manifestações impede um desenvolvimento psicológico saudável e torna o indivíduo mais frio e insensível, por isso rebeliões dentro dos cárceres são comuns.

Todo o desequilíbrio que é fortificado no interior das celas é projetado na sociedade por meio da prática de novos delitos. Entretanto, o processo de ressocialização é difícil não somente por conta da superlotação e da desumanização. A sociedade também contribui negativamente porque ao mesmo tempo que ela recrimina a ação do condenado, ela reclama do sistema.

“Acontece que tudo isso só se dá porque a sociedade cria situações de degradação do sistema, apoiado por parte da classe política para que o sistema carcerário seja um eterno discurso político e nunca uma solução, que é o que ele deve ser”, diz o advogado Marcus.

Inclusão de pessoas presas

Não basta prender. É preciso ensinar e dar oportunidades para reverter o ciclo. Uma das maneiras de se fazer isso é por meio de programas voltados para a capacitação profissional, a promoção de empregos e a realização de projetos que fomentem a escolaridade.

No Distrito Federal, a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) é uma das instituições que tem como missão executar tais propostas com o intuito de contribuir para a inclusão dos apenados.

Vinculada à Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) do DF, a Funap atua na busca por parcerias que ofereçam oficinas profissionalizantes, no caso de presos em regime fechado, e como intermediadora na alocação de mão de obra nas situações em que o detento recebe o benefício de trabalho externo – semiaberto – ou o direito ao regime aberto.

Somente entre janeiro e agosto deste ano, a Funap já encaminhou para o mercado de trabalho mais de 1,5 mil reeducandos e dobrou o número de vagas ofertadas a esse grupo: passou de 1.079 em 2019 para cerca de 2.300 em 2021.

Em entrevista à Agência Brasília, a secretária de Justiça do DF, Marcela Passamani, disse que o trabalho é uma forma de não só oferecer aprendizagem ao preso, mas também de fazer com que ele tenha mais estímulo para se reintegrar.

Na esfera federal, o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego Prisional (Pronatec) procura cumprir com o mesmo propósito da Fenap. Dados divulgados em 2016 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que desde que foi criado, em 2013, o Pronatec recebeu investimento de R$ 36 milhões do Ministério da Educação.

Com a quantia, até 2016 o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) registrou que 38.381 detentos participavam de atividades educacionais no sistema penitenciário brasileiro. À época da coleta dos dados, a quantidade representava 10,7% da população carcerária nacional.

Por Luana Corrêa

Sob supervisão de Mônica Prado

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