Professoras de dança alertam para assédio e machismo até no ambiente de trabalho

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O assédio sexual em forma de comentários, ‘elogios’, críticas… Para a professora de dança Mel Schiavi, de 23 anos, formada pelo Instituto Federal de Brasília (IFB), as representações de machismo e de sexualização surgem nos detalhes, às vezes, sutis. No entanto, às vezes, essa violência é escancarada.  “Infelizmente essa é uma realidade comum na dança. Senti o assédio desde olhares, comentários sobre o corpo, a roupa e até a própria dança, geralmente acompanhados por risos, como algo normal”.

Ela recorda que um profissional da dança em Brasília passou a assediá-la sem que houvesse qualquer  liberdade ou proximidade para isso. “Eu sabia que ele era comprometido”, lamenta a professora. A profissional testemunha que colegas também vivenciam o problema.  “Posso dizer por amigas que foram assediadas publicamente, que sofreram abusos físicos e psicológicos”. Ela lamenta que, mesmo no ambiente da dança, elas não foram defendidas. “Um tremendo absurdo que precisa acabar, desde as atitudes mais ‘inocentes’”, desabafou.

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Apesar de ser um cenário infeliz e comum, Mel Schiavi acredita que é preciso romper com essa cultura do abuso com a educação, o diálogo e a transparência. Para ela, é preciso assumir que existem vítimas e realizar um trabalho de conscientização com olhar mais humano para os dançarinos. “É preciso repreender esse comportamento e mostrar que ninguém tem liberdade sobre o corpo dos outros”.

“Em danças sensuais, as quais desenvolvo em aulas, existe um preconceito de que a dança foi feita para agradar ao outro. Busco  conscientizar que a sensualidade é diferente da sexualidade”, diz a profissional 

Mel Schiavi lamenta que comentários chegam de dentro e de fora do espaço da dança. “Dentro do balé por exemplo, já soube de comentários machistas, como ‘a flexibilidade é uma vantagem no desempenho sexual’, ‘a bunda de fora significa que está aberta ao sexo’, ‘a saia curta é um convite’, e por aí vai”. Ela recorda que dança desde pequena, quando as apresentações escolares eram sua maior realização.

Aos 13 anos, ela ingressou em uma academia. Atualmente ela dá aulas de street jazz e stiletto, além de fazer trabalhos como dançarina e coreógrafa.”Essa sexualização vem nos mínimos detalhes e em todas as idades”, denuncia.

 

Mel Schiavi com alunas em ambiente de aula. A professora busca alertar sobre manifestações machistas e assediadoras. Foto: Tiago Hardman para Bailacci Academia de Danças

Ambiente da dança

Entre suas alunas, Mel Schiavi diz que trabalha o assunto com cuidado, sempre tentando criar um ambiente de segurança e respeito além da dança. A professora afirma que é preciso tratar o ambiente com segurança para que as dançarinas utilizem seus corpos como quiserem, com “bastante conversa para esclarecer o que é sexualidade e sensualidade”.

Ela acrescenta que o figurino deve ser utilizado não apenas para ser bonitos, mas para ter funcionalidade, e para evidenciar a execução das técnicas da dança.

Arte

Da mesma forma, a professora de dança Érica Rézio lamenta as representações machistas no mundo da dança. “Existe e muito. A maioria das pessoas não tem um olhar artístico, e sensualidade é uma arte e não deveria ser vulgarizada. Acho que as pessoas ‘leigas’ em dança não conseguem olhar para a parte técnica, só olham o contexto geral. E na verdade, o machismo ainda reina muito, o que dificulta mais ainda a valorização do trabalho”, frisou.

Érica Rézio começou na dança para combater a timidez ainda quando era criança. Depois, nunca mais parou de praticar. Ao seu ver, a principal, entre as diversas funções da dança, é, por ser arte, a de entreter, com sentido de impressionar, motivar, encorajar e divertir as pessoas que a consomem.

Foto: David Hofmann/Unsplash

Nas salas de aula, ela diz que tenta ensinar a sensualidade para suas alunas como uma arte, algo natural, considerando que cada uma tem a sua. Entretanto, diz existir uma linha muito tênue para não vulgarizar, por isso ensina de forma que seja confortável e espontânea, para que saibam como dominar o corpo e ter conhecimento de si mesmas.

Quanto às roupas, Rézio diz que o figurino é tão importante quanto a coreografia, pois ambos andam juntos. Com base na sua experiência, a dançarina disse não ter enfrentado casos mais drásticos de assédio.

“Nunca passei por nada muito ‘pesado’, no máximo alguns comentários, mas nada que eu considere falta de respeito. Pelo menos comigo nunca aconteceu, mas conheço amigas que já passaram por situações chatas, principalmente quando se trata de contratação de trabalho, não por motivos de prestação de serviço, e sim por querer algo a mais”, comenta ela.

Apesar dos problemas atuais, Rézio também crê em uma crescente conscientização. Ela acredita que, antes de tudo, o profissional de dança precisa se valorizar, ter estudo sobre o que faz e saber passar isso para os demais. Na mesma linha, ela diz que não se deve aceitar comentários assediadores, e que é importante corrigir as pessoas. Para ela, parte do que ocorre é oriundo do machismo, e por isso são mudanças que vão muito além da dança.

Por Arthur Ribeiro

Supervisão de Vivaldo de Sousa e Luiz Claudio Ferreira

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