De um lado, as 700. Do outro, as 500. Na primeira, estão casas que variam de tamanhos, formas e padrões. Pichações e grafites também lutam por novos espaço. Do lado esquerdo, nas 500, prédios; comércios que resistem à decadência e se impõem além dela, estabelecimentos velhos e até abandonados, calçadas mal conservadas e buracos. As bancas de revistas solitárias e silenciosas – isso até o semáforo abrir e os motores rugirem -, que ainda resistem a um possível fim. A avenida W3, na Asa Sul, se transformou nos últimos 60 anos, desde a inauguração.
“No projeto original de Lúcio Costa, a W3 seria concebida como uma via de serviço para as áreas residenciais e comerciais do que constituiria as “Asas” do Plano Piloto de Brasília”, explica o arquiteto Frederico Flósculo, doutor em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. “Nessa via, ficariam situados garagens, oficinas, depósitos do comercio, hortas, pomares e floriculturas, mercadinhos e afins. O apoio atacadista e oficineiro ficaria no que depois seriam nomeadas quadras 500”.
Ainda no projeto original, Lúcio Costa destinou a faixa, que foi denominada posteriormente como as quadras 700, para a instalação de floriculturas, hortas e pomares. Essa área seriam pequenas e médias “chácaras” de produção alimentar, tornado o Plano Piloto o mais próximo de uma grande ecovila.
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Lúcio Costa tratou sobre a avenida no Relatório do Plano Piloto de Brasília:
“Ao fundo das quadras estende-se a via de serviço para o tráfego de caminhões, destinando-se ao longo dela a frente oposta às quadras, à instalação de garagens, oficinas, depósitos do comércio em grosso etc., e reservando-se uma faixa de terreno, equivalente a uma terceira ordem de quadras, para floricultura, horta e pomar. Entaladas entre essa via de serviço e as vias do eixo rodoviário, intercalaram-se então largas e extensas faixas com acesso alternado, ora por uma, ora por outra, e onde se localizaram a igreja, as escolas secundárias, o cinema e o varejo do bairro, disposto conforme a sua classe ou natureza.”
Mas, como outros aspectos do plano original, essa via passou por alterações. Primeiramente, houve a eliminação das “chácaras produtoras”, assim criando a faixa das quadras 700 e a construção das quadras residenciais para os engenheiros e a elite de prestadores de serviço, com casas e apartamentos de até quatro andares.
“A W3 era a única avenida que existia em Brasília e todo comércio foi se estabelecendo aqui. Vieram centenas e centenas de pioneiros. A W3 era o único ponto comercial em Brasília”, diz o pioneiro Hely Couto, 91 anos, empresário, fundador e dono da Pioneira da Borracha. Está lá há 59 anos e permanece na luta pela revitalização da W3 Sul até hoje.
Entrevista Hely Couto:
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Antes mesmo de Brasília ser inaugurada, já havia comércio varejista nas quadras 500, difundindo-se pequenos e médios restaurantes, assim surgindo a primeira “zona vibrante” para encontros sociais da cidade, que foi mais fortalecida pelo sucesso dos Setores de Comercio Local e pela inexistência de importantes “Setores de Diversão”. Por duas décadas, a W3 foi o “shopping” da cidade para o público, cada vez mais sofisticada, atraente e diversificada.
“Naquela época, a W3 ainda era viva, movimentada. Tínhamos até blocos de carnaval. Agora está essa coisa largada aí”, disse uma moradora da avenida que se identificou apenas como Margarida. Ela reside no local desde 1981. A avenida ainda era organizada por “prefeituras de quadra”, com seus respectivos representantes, os quais administravam a W3 e simbolizavam os interesses dos moradores, juntamente com o governo.
Nos anos 1980, com a progressiva consolidação dos Setores de Comércio Local, a construção dos Setores de Diversão, a implementação de comercio nos bairros e a entrada de shoppings de “verdade” – como o Pátio Shopping, projetados a moda norte-americana -, a função de avenida comercial e de diversões diferenciadas e atraentes que a W3 ganhou inesperadamente, começa a decair, principalmente com a perda de movimento.
“O comércio era frequentado por muita gente. Hoje ele se limita aos supermercados e as lojas das 300. Mas na W3, o comercio está praticamente decrescendo. O grosso mesmo do setor de vendas se mudou daqui”, diz Murilo Mendes, 62, junto da esposa, Dalila de Souza Silva, 61 moradores da W3 desde 1995.
Com a redemocratização do País e a democratização de Brasília nos anos 1990, os esforços de revitalização da avenida W3 foram praticamente inúteis. Uma excelente oportunidade foi a iniciativa de criar o Metrô de Brasília, a possibilidade de passar a principal linha pelo subsolo da avenida W3 foi antevista com enorme – e fundamentado – otimismo. Efetivamente, a passagem do Metrô pela avenida W3 seria a maneira mais poderosa e efetiva de revitalizar toda a sua extensão.
“As consequências da passagem do Metrô seriam radicalmente transformadoras, a meu ver”, diz o arquiteto Frederico Flósculo. “Seria vigorosamente verticalizada, por força da valorização do solo urbano e do imenso aumento da mobilidade acarretada pelo transporte de massa”.
Contudo, o governo tomou a decisão de passar o Metrô pelo Eixo Rodoviário, sem sentido aparente. Assim, uma oportunidade de revitalização da W3 foi perdida por essa decisão. “A W3 não melhorou nada. Com a saída de diversos empresários, todos indo para os shoppings, e com o fechamento do canteiro central, portanto não tem estacionamento, logo as lojas fecharam”
“Agora, queira ou não queira, Brasília depende da W3. É um ponto de referência e a única avenida (desse modelo) de Brasília”, termina o empresário.
Alternativa de revitalização
Em 2002, o então governador, Joaquim Roriz – que iniciava seu quarto mandato – fez um concurso nacional para a revitalização da avenida W3. Grandes escritórios de todo o Brasil concorreram, num total de 28 inscritos. Somente em Brasília foram 14 escritórios e equipes de universidades.
Esse concurso pretendia fazer aquilo que o Metrô não fez: verticalizar e assim “revitalizar pela expansão imobiliária”, com a criação, através do concurso, de “uma nova W3”. Para que isso fosse possível, o governo Roriz queria mudar Brasília, focando em um crescimento vertical na W3.
O vencedor do concurso foi a equipe liderada pelo professor de projeto arquitetônico Frederico Flósculo, formada por 12 psicólogos sociais. “Essa proposta era a única que não verticalizava a avenida W3, ou seja todas as outras tinha como proposito construir edifícios” afirma o arquiteto.
“A nossa proposta era centrada na revitalização através de um corredor cultural, que seria formado por instituições de todo o mundo. Essa ousada iniciativa seria feita em articulação com o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) e com iniciativas fiscais e gerenciais do Governo do DF, de forma paulatina, seguindo uma fórmula de sucesso que revitalizou extensas áreas em Bilbao, Barcelona, Paris, São Francisco, Nova York”, explica o professor Flósculo.
Os comerciantes seriam sistematicamente apoiados, com linhas especiais de financiamento e com o apoio de uma equipe pública especializada na gestão empresarial, na arquitetura empresarial, no sucesso empresarial, num programa de revitalização pelo empreendedorismo – que seria exemplo para a sua reprodução em todos os bairros da cidade. A proposta vencedora teria baixíssimo custo para o governo e constituiria a maior escola de administração de negócios diretamente voltados para a revitalização urbana, do Brasil.
“A proposta vencedora desagradou profundamente o governo e seus aliados do setor imobiliário, pois o governo considera que a única revitalização possível ocorreria pela verticalização da avenida W3”.
Por Artur Vieira
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira