O cuidado e a intimidade entre o casal Sasha, de 23 anos, e João Pedro, de 22, são perceptíveis na forma carinhosa como falam sobre a vida rotineira. A moça tímida com cabelos na altura do ombro e uma franja que cobre os olhos se senta e pede para não gravar a conversa. Não forcei e anotei tudo que ela dizia. “Eu comecei a me relacionar muito nova, acreditava que era amor, mas depois entendi que eu só gostava delas, sentia admiração”, afirmou.
ABC do amor
Para a estudante Sasha Mila, a palavra amor não tinha tanto efeito e demorou a ganhar um significado. Uma das memórias mais longínquas para ela em relação ao amor foi justamente durante a separação dos seus pais, quando tinha apenas 3 anos. “Como pessoa autista, os sentimentos sempre foram confusos para mim, eu escutava ‘Você sabe que a gente te ama muito né?’, mas para mim era equivalente a “Vai chover”, algo natural e sem muita explicação”, relata a estudante. “A minha mãe não amava o meu pai, ela permaneceu no relacionamento só pelo sentimento inicial e, quando viu, não sabia como terminar. Ela é muito racional e tem uma tendência a desmerecer sentimentos. Acredito que isso me afetou ao me relacionar com as pessoas”.
Na infância, tudo é novo, temos o nosso primeiro contato com o mundo e suas complexidades, como o amor. De acordo com a psicóloga Ana Laís de quê, os primeiros anos são essenciais para a formação da identidade e formulação do que é o amor. “Trazendo para a psicanálise, o nosso primeiro amor é a figura materna. É a partir daí que aprendemos o que é o afeto, o primeiro ser que entra em contato com a gente. A construção do eu vai surgindo a partir do que essa pessoa está me passando. Se a relação que temos dentro de casa não é muito receptiva, é agressiva, vou entender que esses sentimentos representam o amar, ou talvez nem compreenda que o amar exista”, explica a psicóloga.
Foi nos desenhos animados que Sasha construiu memórias positivas em relação ao amor, como no filme A Pequena Sereia. “As personagens falavam sobre lutar por amor e, quando via a minha família, não entendia esse sentimento”, afirma Sasha.
A psicóloga explica que, como seres identitários, a nossa visão e percepção são produtos dos espaços e das pessoas que somos expostos ao longo da vida. “A gente absorve o que tem no nosso contexto e repete. Inicialmente, os nossos pais são os nossos únicos modelos. Quando a criança vai para escola e entra em contato com diferentes formas de ser, a criança tem esse choque cultural”, destaca a psicóloga.
A visão do que é amor também pode influenciar na forma como nos tratamos. “A autoestima pode ser considerada um tipo de amor, porque o ato de amar tem haver com o respeito que temos com a gente, como que nos tratamos. O amar é o respeito, há muita coisa dentro do amar, é subjetivo”, comenta a profissional.
Autoestima
A especialista enfatiza que a forma como nos enxergamos influencia em nossas vidas. “A nossa autoestima também vai construir a nossa identidade. É como nos identificamos e como conseguimos ter segurança em relação ao outro”, explica.
De acordo com Ana Laís, esse choque de crenças e ideais é importante para o nosso desenvolvimento de identidade. Essa ideia é reforçada principalmente na adolescência, que é quando estamos construindo essa identidade e a reforçamos por afinidade e sintonia em grupos sociais.
Uma pessoa com a autoestima alta, é uma pessoa que se valoriza e que cuida de si. Segundo a psicóloga, a estima de si pode ser considerada amor próprio. Para Sasha, o percurso até conquistar esse amor foi longo, principalmente por não se identificar com o papel que a sociedade impôs a ela.
“Desde pequena, vi a minha avó e a minha tia se vestindo, colocando maquiagem. Sempre quis entrar naquele papel mas sempre fui reprimida na escolha do que vestir. Aos poucos, eu comecei a me reprimir também, acreditava que os meus sentimentos estavam errados. Eu me olhava no espelho e não me reconhecia, tinha a sensação de estar presa no meu próprio corpo. A puberdade me aterrorizava”. Aos 18 anos, ela não se abria para as pessoas e tinha dificuldade em sentir. “Eu não tinha vontade de viver dessa forma”, revela Sasha.
O sentimento consumiu Sasha ao ponto de não se permitir sentir outras coisas e não ter vontade de viver. Adiante de mais um evento traumático e se encontrar em um limbo constante, foi o amor próprio que a fez agir. “Eu me assumi para os meus melhores amigos, pesquisei e, enfim, fui no ambulatório trans para receber o tratamento que eu merecia. Depois de me aceitar e transicionar, senti que realmente tirei um tempo para explorar a vida”.
As amizades são um aspecto essencial para nós seres sociais, e, para Sasha, elas foram essenciais para a reafirmação da identidade dela. “O que me ajudava era o amor que recebia dos meus amigos, nenhum deles me repreendeu, não criticaram e isso me ajudou no meu próprio amor”, relata ela.
Primeiros amores
Os primeiros relacionamentos são impactantes e também fazem parte da base do nosso entendimento do que é amor. Estas relações foram importantes para que Sasha se posicionasse no mundo e o impacto disso também se refletiu na compreensão de sua identidade .
“Hoje eu me identifico como uma mulher trans bissexual. No início foi confuso, cheguei a namorar um amigo aos 16 anos e sentia algo de errado, mas não compreendia. Depois de transicionar, pude perceber que entrava em conflito com a minha identidade de gênero e eu era colocada no papel social masculino”, destaca Sasha.
É difícil identificar o amor na juventude, mas para Sasha foi ainda mais complexo por conta do conflito interno que passava. “Eu confundi por muito tempo o amor por admiração, e uma certa inveja. Me forcei a permanecer em relacionamentos com outras mulheres por conta desse sentimento vazio”, observa. No último relacionamento antes de sair do armário, Sasha teve uma relação de cumplicidade com a namorada. “A família dela era muito agradável e foi assim que entendi o que era estar com pessoas que gostam de sua companhia”. Quando se assumiu uma mulher trans, Sasha relata que terminaram de forma amigável. Ela ajudou Sasha muito no processo de transição, até na compra de roupas novas. Apesar do posicionamento carinhoso da ex-namorada, o sentimento não se estendeu à família dela. “A família tentou ser o mais compreensiva possível, mas infelizmente eram muito conservadores e não houve bem essa aceitação”.
Como explicou a psicanalista Ana Laís, a família, as amizades, grupos sociais e a mídia são os fatores que influenciam na formação de identidade própria. Atualmente, Sasha encontrou na não-monogamia espaço para criar conexões sem o receio de se ver presa a uma única pessoa.
Por isso, quando Sasha conheceu o seu atual namorado, João Pedro Medeiros, os dois tiveram liberdade para se apaixonarem da forma que eles desejavam. “Eu queria explorar outros sentimentos, explorar a minha sexualidade e isso me ajudou a me entender melhor”, explica Sasha. Essa dinâmica permitiu que Sasha se conectasse com Viviane, sua namorada.
As dores
Sasha diz que nunca sofreu violência dentro de seus relacionamentos, mas isso não a impediu de sofrer preconceito. “Foi um comentário que, na hora, não entendi o peso que tinha. Mas sinto que tive muita sorte em comparação com as experiências das minhas amigas”, conta. “Ao conversar com outras pessoas trans, é muito difícil ter uma relação de respeito, principalmente com pessoas cisgênero”, diz Sasha.
Em 2022, o STJ determinou que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) também deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgêneras. O Brasil carece de dados oficiais sobre casos de violência doméstica contra mulheres, apesar de ser o país que mais mata pessoas trans ou pessoas de gênero diverso no mundo. Essa informação corresponde a dados coletados pela rede de organizações Transgender Europe, em 2023. Segundo o relatório, quase todas as vítimas foram mulheres trans, o que aponta uma tendência da violência voltada a esse grupo.
Conforme explicita Tony Bezerra, doutore em sociologia e pesquisadore com foco na população LGBT+, as mulheres trans estão ainda mais vulneráveis do que as mulheres cisgênero. “Essas mulheres não somente sofrem pelo machismo mas também pela transfobia. Por serem marginalizadas, elas estão mais suscetíveis a sofrer essa violência”, afirma.
Samba e amor
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O relacionamento mais duradouro de Sasha é o que ela tem com o ilustrador João Pedro. Os dois se conheceram em fases diferentes, mas a comunicação foi essencial para que os dois se entendessem. “Ele sempre foi compreensivo comigo e respeitava as minhas necessidades. Tínhamos uma base fundada na responsabilidade afetiva e a comunicação tornou tudo mais fácil”, relata.
Porém, quando ainda estavam se conhecendo, um episódio de ansiedade de João Pedro fez com que ela questionasse tudo. “Fiquei em choque porque achei que estávamos bem. Fui para o fundo do poço e cheguei a pensar que nunca ia conseguir ter um relacionamento realmente bom, até por ser trans”, desabafa. Agora, o relacionamento transmite segurança para ela. “Construímos o relacionamento a base de confiança, comunicação e amor. Por mais que entremos em conflitos, sabemos que vamos nos comunicar independentemente”, destaca.
Com Viviane, seu outro relacionamento, os sentimentos são mais enigmáticos. As duas se conheceram no final de 2022 mas seguiram como amigas até agosto deste ano. Por serem duas mulheres trans, as vivências as ajudaram a se conectarem mais intimamente. Entretanto, o que deixava a relação conturbada eram a falta de comunicação e a insegurança.
“Sempre fui uma pessoa mais rebelde que não gostava de controle. Já ela sempre foi o tipo de pessoa que deixava os outros ditarem o que fazer. Quando nos conhecemos, ela me viu como exemplo e isso a incentivou a começar a transição”. Mesmo com as dificuldades, elas conseguiram ultrapassar as barreiras e hoje se fazem presentes uma para a outra. “Voltamos a sermos amigas porque ela dizia que não sentia mais nada por mim, mas, quando voltamos a nos encontrar percebemos que gostávamos de estar em uma relação juntas. Viviane é uma pessoa muito carinhosa e disponível para me ajudar com qualquer problema ou dificuldade”, observa Sasha.
A autoconfiança
Outra experiência de amor de uma pessoa trans é da estudante de design Astrid Brito, 22. Ela é segura de si e fala com convicção da sua visão politizada sobre a vida. O sorriso solto, as tatuagens e a forma como ela fala transmitem tal confiança. Para ela, o amor é um sentimento muito complexo e que ela demorou a ter uma noção clara sobre. “A primeira ideia do que seria amor surgiu para mim quando começaram a aparecer as paixonites, mais ou menos com uns 10 anos, e comecei a ver as pessoas de forma diferente”, ela explica. Quando falamos de amor, o primeiro exemplo que buscamos é na relação de nossos pais, mas, como muitas pessoas, Astrid não teve esse modelo. Por crescer com os pais separados, a noção que ela tinha de amor não era associada a eles.
Astrid se mostrou decidida desde muito jovem. Até no aspecto da transgeneridade, ela relata que nunca foi uma “descoberta”. A partir dos 11 anos, ela arranjava desculpas ou até manipulava para que pudesse entrar em brincadeiras de maquiagem e, quando conseguia, ficava eufórica.
Na puberdade, o processo se tornou mais interno e introspectivo. Somente após os 18 anos que ela começou a se declarar publicamente como uma mulher trans e começou o processo de hormônios aos 20. “Para mim, eu meio que sempre soube. Não existia muita dúvida no meu processo. O que me incomodava era a disforia. Aos poucos fui explorando termos, caminhos e encarando mil barreiras, mas persisti mesmo assim”.
O amor está nas entrelinhas, ele surge na vida de diferentes formas, e cada pessoa sente e recebe de acordo com as suas vivências. Como uma travesti, Astrid expõe que o sentimento e o ato de amar são completamente diferentes quando se é ou não assumidamente uma pessoa que foge dos padrões de gênero.
“Tudo muda com você, as pessoas, a sociedade e a forma como te tratam. Você fica objetificada, o amor vira um vazio. Você vai ser emocionalmente excluída da vida das pessoas, é bizarro”. Todavia, ela não sente que a transição modificou a forma como se relaciona com as pessoas. “Foi até engraçado, tiveram pessoas que ficaram muito mais felizes depois que me assumi. Outras pessoas, que já pareciam emocionalmente distantes, se afastaram e eu pude entender porque nunca consegui me conectar com elas.
Astrid só conheceu o amor depois de ter se assumido, em 2020. “Quando se desenvolve um amor próprio muito forte, você consegue ver o amor em outros lugares, sabe? Entender o que é melhor para você”. Antes de se abrir para o mundo, ela duvidou de conexões genuínas. Depois dela seguir com a decisão, ela experienciou uma explosão emocional muito grande.
“Em questão de afetos, parece que você está em uma frequência diferente das outras pessoas. É um sentimento que compartilho com as minhas amigas trans e é diferente, principalmente para quem toma hormônio. Parece que você ganha novas emoções, tem muitas camadas”.
Amar é um ato político
Apesar de ter demorado para descobrir o sentimento, Astrid vive pelo amor. A sua paixão por conexões e a sua identidade confluem na filosofia de vida dela: a não-monogamia. Para ela, a monogamia não é somente um estilo de relacionamento, mas uma cultura que a exclui e hierarquiza as relações.
“Os meus relacionamentos sempre estiveram atrelados ao fato de eu ser travesti. Eu sempre questionei muito as coisas da vida, e comecei a estudar sobre. É uma estrutura em que estamos inseridos em que é difícil de pensar diferente. Amar duas pessoas é algo inexistente e impossível na monogâmica. Percebi que não tem espaço para mim na monogamia”. Ela percebeu que era uma forma de relacionar que faz sentido e que expressa muito bem o que sentia.
Sociólogue, Tony Bezerra esclarece essa percepção de Astrid. “A monogamia é uma construção social, feita pelo patriarcado com o objetivo de controlar as mulheres heterossexuais”. Nesse entendimento, os homens submetem esse controle da exclusividade sexual das mulheres para que as crianças que vierem a gerir tenham os mesmos genes que seus “maridos”.
“Dentro das concepções religiosas judaico-cristãs ocidentais, a mulher não é vista como um sujeito de direitos. Na ideia nacionalista, principalmente na visão fascista-nazista, a mulher tem o papel de reprodução e do cuidado. Ela é o útero da nação. É o dever da mulher casar, ter filhos e cuidar deles”. Na sociologia, a monogamia está vinculada a um sistema de controle. A não-monogamia pode parecer algo novo mas não é.
Tony explica que a monogamia não só implica nas relações sexuais, mas também nas relações sociais. A ideia da não-monogamia é exatamente de não ter uma hierarquia entre uma relação e outra. “É um tópico que parece ser recente mas é encontrado em diversas culturas, como em sociedades indígenas, onde é uma prática comum. Não existe a exigência de que tenha a paternidade configurada como exclusiva”.
Entre os diversos questionamentos que Astrid teve, um deles foi a existência do ‘Amor romântico’, o que, hoje em dia, é um grande mito para ela. Na percepção dela, não há diferença entre o amor que você sente pela sua amizade de anos, que ultrapassa qualquer tempo de um relacionamento e pelo amor da sua namorada.
“Não faz sentido comparar, o amor é amor, é um sentimento. Você tem as intensidades, os títulos e as ramificações que você coloca nele, mas não existe essa separação. Ao falar ‘eu te amo’, isso demonstra a carga de sentimentos que eu sinto e quero dar. Não vou dizer que te amo como amizade, amo você e pronto”. O argumento de Astrid se vale da estrutura esperada dentro da monogamia, em que a prioridade de uma pessoa deve ser com quem se relaciona romanticamente, seguida pela família e depois seus amigos. Para ela, tudo está equiparado no mesmo nível de amor.
Futuros amantes
Além disso, como uma travesti, Astrid enxerga o amor monogâmico como uma pirâmide de sentimentos que não engloba uma pessoa que foge dos padrões de gênero. Em sua visão, nesse padrão de relacionamentos, uma pessoa trans permanecerá na categoria de amizade.
“Não vejo uma relação em que uma pessoa trans ocupe esse local de prioridade na sociedade, e nem me interesso por isso. Não é um posto que me comporta, sou uma pessoa muito livre e doida”. As risadas de Astrid contagiam o ambiente. A liberdade para se conectar com alguém é algo muito precioso para ela. A individualidade é outro aspecto que a atrai na não-monogamia.
“Eu gosto de viver as coisas e pronto”. Ela diz que não vai se prender e nem tentar se fundir a uma pessoa. “A não-monogamia te dá autonomia nas relações, te faz pensar na forma que você quer se relacionar. Algumas pessoas dizem que é um espectro, mas eu discordo, é um termo guarda-chuva para infinitas formas de se relacionar, são pessoas desapegadas à rótulos”.
A forma como Astrid se relaciona mudou a ótica da vida dela. Ela desenvolve a forma como as relações dela irão se desenvolver. “Meu panorama é que tem um pedacinho de mim em cada pessoa e as relações se desenvolvem de formas diferentes. No fundo, eu virei essa sopa gigante de coisas e pessoas que passaram na minha vida”.
Nessa perspectiva, não existe pessoa que a conheça mais do que outras, porque cada um representa uma parcela da vida dela.
Apesar de não gostar muito de rótulos, Astrid sente que, por ser uma travesti, existe um peso social que não deve ser ignorado. A atual namorada dela, Vitória, é chamada assim por conta do afeto que elas sentem, não pelo posto.
“Muitas pessoas trans e travestis sofrem com os parceiros que não tem a coragem de assumir uma relação desta para o mundo. Por isso, decidimos nos chamar de namoradas, não é um termo que representa exatamente quem somos mas sintetiza bem para que as outras pessoas entendam”.
Quando Astrid conheceu Vitória, as duas já se declaravam não-monogâmicas. As duas se conectaram e seguiram o curso do relacionamento, sem o peso de nomenclaturas. A naturalidade da relação foi tanta que elas nem tinham uma data comemorativa, então Vitória criou uma. “Nós somos amorosas e pacientes, respeitamos os limites de cada uma. Se uma está sobrecarregada e precisa ficar distante, nos damos esse espaço. A nossa relação é muito boa e leve, passamos muito tempo juntas, confiamos muito uma na outra, só não somos uma unidade”. Quando as duas saem juntas para um evento, as pessoas as elogiam. “Muitas pessoas me falam ‘Gosto muito do seu relacionamento porque dá para ver que vocês são duas pessoas diferentes!’. Por mais que a gente saia juntas, nós valorizamos o tempo que passamos com as outras pessoas com quem temos muito menos convivência”. O amor delas não tem regras e nem acordos. Elas vivem, amam, beijam quem quiserem, brigam e se resolvem, como qualquer casal. “Ela me traz compaixão, paciência, que me escuta e expõe as fragilidades dela”.
Relacionamentos
Por seguir o estilo de vida dela, Astrid sente que passa por dificuldade para se fazer compreendida por outros. Muitas vezes cria respostas padrão para não ter que se desgastar e explicar coisas que são simples para ela. “É como se você tivesse ido a outro planeta e voltado, as pessoas te olham diferente e você só tem outra forma de pensar”. Apesar das dificuldades, ela encontrou um modo de interpretar o amor de um jeito que não conseguia antes. “Eu só compreendia como um sentimento intenso e que não é algo que se vê. Era como cozinhar sem saber a receita, você mistura e torce para que dê certo. Hoje em dia eu tenho a percepção de que sei desenvolver melhor as minhas relações”.
Quando se fala sobre dinâmicas diferentes dos relacionamentos “tradicionais”, um ponto comum que surge é o ciúmes. E Astrid vê como um exemplo perfeito de um dos assuntos que as pessoas devem refletir e tomar atitude para resolver. “O maior problema da sociedade moderna é o ciúmes. Não é culpa do seu parceiro, é um sentimento seu, é a prova de que há insegurança na relação por conta de algo que não está sendo expressado”, fala com sarcasmo e até uma certa raiva. Para ela, esse entendimento das emoções é algo que ela amadureceu por ser uma travesti. “Uma das coisas quando se é trans, é de aprender a ler as pessoas muito bem emocionalmente. É uma habilidade que você precisa desenvolver até como forma de sobrevivência”.
Na vida de Astrid, o amor se manifesta em vários aspectos. Ela construiu um grande círculo de apoio que se faz presente sempre que possível. Entre as personagens importantes para ela, está sua mãe. Como uma travesti, não é uma relação comumente associada a carinho, mas as duas são unidas. Em eventos em que pessoas tentaram ofender Astrid de forma equivocada, as duas não deram importância e riram. “Temos uma relação muito leve e de companheirismo”.
Com o restante da família, para ela foi uma questão de saber quais batalhas escolher. Alguns relacionamentos estão presentes, como o da sua irmã mais nova, mas outros são inexistentes, como com o seu pai e todos da família dele.
Essencial
Para Sasha, o amor que sente em suas relações românticas é essencial em sua vida, mas ela lembra justamente de suas amizades. “Eu sinto amor quando as minhas amigas me dão conselhos e me mostram autoconfiança, sem medo de se expressarem. Elas me dão conselhos e me fazem lembrar dos meus pontos positivos”. Ao compreender o que é o amor, ela busca novamente em mídias audiovisuais a referência. “Em um episódio da série Doctor Who, um dos personagens comenta ‘O amor é uma promessa, não somente uma emoção. Você estará disponível para a pessoa e dedica tempo a ela’. Essa fala define muito bem como eu vejo o amor”.
Em contraponto, Astrid vê o amor de forma bem poética e filosófica. O amor é uma coisa linda e complexa. “O amor é que nem a água, tem em todo lugar. Eu quero me transbordar de amor, não que me complete, porque sou completa por si só. O amor é muito quente, intenso, é carinho, bondade e dedicação”.
Por Amanda Canellas
Sob a supervisão de Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa
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