O Centro Espírita Assistencial Nossa Senhora da Glória (Ceansg), o centro umbandista mais antigo no Distrito Federal e que fica na Asa Norte, interrompeu os atendimentos religiosos desde que começou a pandemia para proteger religiosos e frequentadores do local. “As características da nossa atividade, com contato físico, poderiam colocar em risco as pessoas”, afirma o ogã Edson Muniz, liderança do grupo. Mesmo com as atividades suspensas, os representantes do centro decidiram manter obras sociais.
“A nossa obra social é a criação da creche Sarema e está mais focada em uma entidade assistencial que foi criada há alguns anos”, afirma Édson Muniz. A creche Sarema é o principal projeto social do Ceansg. Ele explica que o prédio já está construído e precisa apenas da mobília e documentação para começar a assistência. A intenção é atender ao menos 250 crianças.
A creche terá a missão ainda de prestar assistência a gestantes e carentes, promover educação básica com apoio pedagógico e cuidados com crianças com idade até seis anos. Mas a prestação de serviços não ficará restrita à infância, já que prevê realizar orientação vocacional para adolescentes e até atividades culturais.
“Está precisando apenas mobiliar e terminar alguma papelada para nós fazermos o convênio que já está engatilhado com o GDF, para atender em média 250 crianças. É um prédio muito bonito, vai ter entrada própria, pelo outro lado, ali pela W5, mas, enquanto isso, nós continuamos nosso trabalho assistencial, inclusive agora na pandemia. Já distribuímos muitas cestas básicas, muitas outras coisas apesar de nós não estarmos trabalhando nos nossos rituais normais”.
Estrutura do centro. Imagem: reprodução.
Durante a pandemia
O projeto da creche é um sonho desde 2001. Mas, após a chegada da covid-19 no Brasil, o centro espírita também trabalhou para ajudar famílias atingidas. “Já distribuímos muitas cestas básicas, muitas outras coisas apesar de nós não estarmos trabalhando nos nossos rituais normais”.
“Depois da decisão da diretoria do Centro de que pararíamos as atividades, nós fomos prorrogando e prorrogando até que chegamos a conclusão de que, nem se houvessem novas regras, nós reabriríamos”. Por enquanto, o Ceansg não tem data para retornar as atividades.
“Nós percebemos que a nossa reserva de caixa, em termos financeiros, só suportaria mais um ou dois meses. Então, veio a ideia de fazer a vaquinha virtual”. Edson afirma que a vaquinha ultrapassou o que tinham estabelecido como valor máximo, portanto, depois da prestação de contas o centro vai bem e não voltou a enfrentar crises.
O também Ogã Luis Henrique Castro diz que, com o auxílio das redes sociais, a futura volta das atividades do centro podem trazer uma maior proximidade dos frequentadores. “Na minha visão, o futuro do centro é tentar atrelar a tecnologia à aproximação das pessoas, a tecnologia atrelada à religião.”
A inauguração
Segundo Edson Muniz, o Ceansg foi inaugurado a partir da reunião de um grupo em 1965. “Inicialmente, eles se encontravam na casa de um, na casa de outro, até que, no final dos anos 60, resolveram tentar uma coisa que ainda era possível aqui em Brasília: a doação de um terreno para se fazer a sede do centro. Ali eles tentam essa doação, não conseguem”. Eles escolheram um terreno entre a 711 e 911 Norte.
“Mas o sonho foi concretizado em um “barraquinho” em 1971.” Em 1974, um grupo de irmãos fundadores resolveu se unir e quitar todas as parcelas restantes daquele financiamento. Viemos trabalhando com o nosso ritual, que mudou muito pouco desde então, nesse 55 anos, praticando a caridade, a assistência social que foi uma das primeiras missões nossas”. Desde então, trabalham ininterruptamente desde o dia 23 de abril de 1971.
“Até que essa pandemia veio nos paralisar os trabalhos como nós vínhamos fazendo. Nós não paramos de trabalhar, apesar de tudo”.
Edson Muniz explica que, quando há trabalhos abertos, a despesa média mensal gira em torno de R$ 17 mil a R$ 20 mil. “A gente conta com três funcionários, todos com carteira assinada, todos com os devidos tributos pagos. Nós contamos com o abastecimento da cantina também, que é um custo administrativo altíssimo. Com essa pandemia, nós tivemos que obrigatoriamente reduzir alguns custos administrativos sem a demissão de nenhum funcionário e hoje a nossa despesa média está em torno de R$ 9 mil a R$ 12 mil, porque nós também temos obrigações a cumprir em relação à nossa religião também com o pagamento de funcionários e reformas, pois o prédio é de 1989.
Confira trechos da entrevista
Quais obras sociais o Centro oferece?
Edson Muniz: Atualmente a nossa principal obra social é a criação da creche e está mais focado em uma entidade assistencial que foi criada há alguns anos, que é a Sarema. Essa obra social hoje está bastante focada em um prédio bem grande que nós fizemos no nosso terreno. Está precisando apenas mobiliar e terminar alguma papelada para nós fazermos o convênio que já está engatilhado com o GDF, para atender em média 250 crianças. É um prédio muito bonito, vai ter entrada própria, pelo outro lado, ali pela W5, mas, enquanto isso, nós continuamos nosso trabalho assistencial, inclusive agora na pandemia. Já distribuímos muitas cestas básicas, muitas outras coisas apesar de nós não estarmos trabalhando nos nossos rituais normais.
Normalmente, quais são as dificuldades enfrentadas no centro?
Edson Muniz: Já há alguns anos não temos nenhum tipo de dificuldade. Nós conseguimos viver muito limitados à nossa média de ganhos, pois foi assim que nós fomos construindo o prédio da creche, e agora estávamos em uma campanha para compra do mobiliário da creche. Tem diversas exigências para cuidar de crianças. As exigências do governo são imensas. Uma creche não é uma coisa simples. Tudo para um centro espírita é mais difícil, mas vamos conseguindo, estamos conseguindo. Esperamos que no início do ano que vem, a gente não tenha que tornar a pedir auxílio para nos manter.
Qual foi o motivo da interrupção das atividades do centro?
Edson Muniz: “Nós paramos tão logo houve o grande alerta da pandemia. Houve uma verificação fácil de que nosso modo de trabalhar, nosso ritual, não comportaria um isolamento. Nem mesmo com as regras que vieram depois, que permitiam que centros religiosos pudessem abrir, elas não seriam possíveis dentro da nossa forma de trabalhar, porque há um contato físico.
Depois da decisão da diretoria do Centro de que pararíamos as atividades, nós fomos prorrogando e prorrogando até que chegamos a conclusão de que, nem se houvessem novas regras, nós reabriríamos. Nós percebemos que a nossa reserva de caixa, em termos financeiros, só suportaria mais um ou dois meses. Então, veio a ideia de fazer a vaquinha virtual. Fizemos um cálculo orçamentário de que ficaríamos fechados até fevereiro e chegamos a um valor de 96 mil, porém, com a ampla divulgação, chegamos a 101 mil. Ai paralisamos, porque o compromisso era fazer até os 96 e passou muito, então fizemos a prestação de contas e estamos vivendo financeiramente disso.”
Quando vocês pretendem voltar?
Edson Muniz: “A nossa paralisação não tem previsão de volta, até que nos sintamos efetivamente seguros de poder voltar ao nosso ritual, que não tem como ser diferente.”
Como o senhor vê o futuro do centro?
Luis Henrique Castro: Com essa pandemia, foi a realidade de todos nós a reinvenção de alguns padrões que às vezes foram perdidos, os resgates familiares, os resgates religiosos foram cada vez mais intensos. O nosso primeiro passo foi a criação e extensão das redes sociais. O centro não tinha Facebook, tinha um site básico e não tinha uma página no Instagram. Com a pandemia, criamos uma página no Instagram e reformulamos o nosso site. Isso foi uma coisa que aproximou as pessoas e foi o que fez com que a nossa campanha se difundi-se tão rapidamente. Na minha visão, o futuro do centro é tentar atrelar a tecnologia à aproximação de pessoas. É a tecnologia atrelada à religião.
O centro já foi vítima de algum preconceito?
Edson Muniz: Abertamente não. A gente tem que pensar que o centro já tem cinco décadas. Nós viemos logo do pós-guerra, muita coisa tinha mudado. Nós nunca sofremos abertamente, nós nos instalamos ali naquele terreno bem antes dos nossos vizinhos, até de casas e apartamentos, onde não tinha água, luz, ou esgoto. Talvez pelo nosso comportamento, pela nossa discrição, ter placa na porta como centro, mas não por nos escondermos. Isso nunca nos incomodou e também nunca deixou de fazer encher a nossa assistência desde o tempo do barraco. Tivemos o juizado de menores, nos anos 70 ou 80, reclamando que tinham crianças ali à noite e perguntavam coisas como “Vocês já passaram na missa das 20h?” e eu lembro de um cara falando uma vez “Ah, mas é diferente!”, e eu disse “Olha, é uma igreja como outra qualquer.”. O preconceito, a gente sabe que existe, mas nunca fomos assediados de uma forma mais agressiva.
Com reportagem de Ana Beatriz Queiroz, Evellyn Luchetta, Geovanna Bispo, Isabela Serednick e Juliana Graça
Imagens: Ana Nascimento
Supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Cláudio Ferreira