Este ano é o primeiro em que o Dia da Consciência Negra é considerado feriado nacional, embora a data já esteja no calendário oficial desde 2011. A redação do Enem, aplicada em 3 de novembro, colocou em debate a importância da discussão em torno da cultura afro.
A prova teve como enfoque o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Em escolas públicas e particulares a educação antirracista tem sido debatida em um modelo de método de ensino mais inclusivo e que incentiva a mudança de comportamento de estudantes e educadores dentro e fora de sala.
A educação afrocentrada, como é chamada, propõe uma mudança de perspectiva, em que a escola se torna um espaço ativo de combate às desigualdades e ao preconceito, construindo uma cultura de valorização e respeito.
Mesmo com a Lei 10.639/11, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, ainda existe uma resistência para a abordagem desses conteúdos. Segundo pesquisa do Instituto Alana, 71% dos municípios brasileiros não cumprem a lei e a especialista Gina Vieira destaca essa dificuldade:
“Temos um ambiente escolar ainda muito autoritário, obsoleto, que não permite que o jovem conheça a sua história fora dessa lógica racista. Quando ele começa a estudar a história do país, ele se vê representado reduzido no lugar de escravo”, ressalta.

No ponto de vista do jovem negro João Pedro Fraim, a cultura racista nunca foi abordada de maneira coerente e o universitário precisou ter iniciativa para começar a fazer os debates. “Passei por quatro escolas particulares, do fundamental até ao meu terceiro ano, tive três professores negros, mas nunca tive contato com as minhas raízes, apenas por conta própria. Coloquei como grande objetivo da minha vida tratar o racismo como ele deve ser tratado. Como uma violência, como um crime”, reforça.
Atitudes racistas
Essa proposta já chegou aos jovens de todas as idades. É o que a professora Edmar Vieira, vivenciou em sala de aula, após a repercussão do caso de racismo na qual foi a protagonista. O caso aconteceu dia 8 de março de 2023, em Ceilândia, quando um aluno deu para a professora uma esponja de aço, em uma atitude de fazer uma associação com características afrodescendentes.
“Foi tudo tão surreal, mas não dei tanta importância à primeira, para ser bem realista.Por parte dos outros estudantes, entretanto, se sentiram ofendidos, alguns ficaram até chorosos na época.”
A desigualdade racial no Brasil é uma questão enraizada em séculos de escravidão, exclusão e preconceito. Hoje, a educação antirracista surge como uma das estratégias mais eficazes para combater as manifestações de racismo e para promover a igualdade. A professora Edmar destaca que vem estimulando rodas de conversa dentro de sala de aula, sempre procurando abordar assuntos como o papel da mulher e da pessoa negra na sociedade.
Dia da Consciência Negra
Neste ano, que é o primeiro do feriado nacional da Consciência Negra, a especialista Gina Vieira ressalta que a data permite lembrar que ainda existem obstáculos e índices altos de mortalidade e de violência da juventude negra. ‘’Nós ainda temos altos índices de violência policial contra a população negra e ainda amargam os piores índices em relação à escolarização, então é por isso que devemos celebrar a conquista do 20 de novembro”.
Ela crítica e destaca que o Brasil é um país que está marcado por tensões raciais, por motivos de mentiras que foram contadas com o intuito de coibir que o país vive em uma democracia racial “Está cristalizado, sedimentado, em Casa Grande Senzala, essa ideia de que o Brasil é um país que vive uma democracia racial, que as relações raciais são pacíficas, essa é uma mentira que nos foi contada até com o intuito de coibir. Se não há uma atenção racial no Brasil, não há porque lutar por igualdade. E a realidade é que o país está profundamente marcado por tensões raciais.”
Um dos desafios em que o racismo estrutural está presente é que os povos africanos não entrem em universidades ou que tenham educação básica. ‘’Dessa forma, o primeiro desafio é compreender a magnitude da tarefa de falar sobre ensinar a cultura africana como parte da educação anti-racista”, ressalta Gina.
A professora ainda destaca que a data permite lembrar de todas as conquistas dos negros e que eles aindam continuam lutando por direitos. “20 de novembro é uma data que nos permite lembrar que nós conquistamos a lei e que devemos continuar lutando, porque ainda há muito o que avançar.”
Tema da redação do Enem
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que foi aplicado em 3 de novembro, lançou luz ao debate sobre a consciência da cultura afro. A professora Gina Vieira, porém, questiona a surpresa que o tema teve na sociedade, pois, para ela, é um assunto que deveria estar presente no dia a dia. “Eu nem consigo mensurar a importância do tema da redação do Enem, porque é o exame que vai definir o futuro de milhões de jovens. Quando o Enem estabelece como tema a importância de conhecer a cultura africana e afro-brasileira, ele reverbera o que está na legislação há mais de 20 anos, então não era nem para causar surpresa nas pessoas”, reforça.
O universitário João Pedro Fraim chama atenção para episódios em que a educação reproduz o racismo na sociedade. ‘Querem mudar o mundo pela educação, mas nunca é questionado que a educação, às vezes, reproduz racismo. Exclui, divide, deseduca e desumaniza. Não é uma educação. Nosso projeto além de debate sobre termos acadêmicos e ser extremamente teórico, a gente também faz um barulho de contestação institucional, de questionar mesmo. Prezamos sempre pela diversidade”, pontua.
Por Ana Luisa Oliveira, Diller Abreu, Isadora Carmona, Laura Cunha e Luisa Mello
Sob supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira