Escritoras em Brasília: engajamento, feminismo e força literária

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Tornar cada página uma mensagem de luta, de representatividade e de força contra o machismo. Mulheres escritoras no Distrito Federal escrevem como ideal de vida.  Uma das representantes desse movimento literário é a brasiliense Patrícia Colmenero, 31 anos. Ela lançou o primeiro romance independente em 2012 “Porque até a morte terei fome” (com apoio do Fundo de Apoio à Cultura). Desde lá, não parou mais.

 

 

“A mulher é o cerne do meu trabalho. Me inspira muito as mulheres que eu convivo, as mulheres da minha família, minhas amigas”, afirma. Os temas estão relacionados à independência feminina, tanto econômica e social, quanto emocional. O crescimento também é relatado no trabalho literário da escritora, a transição para a fase adulta e lidar com as responsabilidades e liberdades torna o conteúdo ainda mais variado.

A segunda obra da autora foi realizada com mais oito mulheres. Trata- se de um conto que abrange assuntos diferenciados, mas com um mesmo foco: a mulher. Assuntos como domésticas, assédios, prostituição dividem a atenção dos leitores para vários aspectos vistos na sociedade. O conto apresentado por ela é “Santa Felicidade”, inspirada pela mãe que sempre batalhou e cuidou da família, a personagem vive uma experiência espiritual em um supermercado.

 

 

Clarice Lispector, Simone Beauvoir, Hilda Hilst são algumas inspirações que norteiam projetos da escritora, ela relata que o movimento internacional “#readwoman” e aqui no Brasil, “#leiamulheres” tem a proposta de reunir interessados por leitura e literatura, uma vez por mês, a fim de lerem livros de mulheres.

Patrícia fundou, com as amigas, o movimento “Leia poetisas”, no início realizado mensalmente onde conheceu a literatura das poetas Matilde Campilho e Emily Dickinson. Segundo ela, é importante conhecer o trabalho de outras mulheres que ainda  são minoria no mercado literário e isto está diretamente ligado com a construção social.

“Se você for ver estatísticas em qualquer grande editora, você vai perceber que as mulheres não passam de no máximo 30% dos autores publicados”. Ela ressalta a importância de ter encontros para ler livros e discutir o espaço de fala das mulheres. “O homem sempre tem o poder de fala, seja no boteco, seja na feira literária, tem que criar um programa político para isso senão só nos resta invisibilidade”.

 

Cotidiano feminino

A professora de literatura e escritora Sandra Araújo, 44 anos, pesquisou escritoras na tese de doutorado em 2015 na PUC Minas e se inspirou nas autoras Adélia Prado e Circe Maia, que escrevem de modo semelhante, abordando o cotidiano e assuntos de interesse para ela.

O começo da escrita de Sandra se deu de maneira despretensiosa. Estudou língua portuguesa por amar literatura e letras, no doutorado em Belo Horizonte precisava se deslocar frequentemente e se distanciar do marido e dos filhos, momento nostálgico em que encontrou na poesia um conforto e desabafo.

A amiga Leila Ribeiro a chamou para ser colunista do site “sala” e postar poemas, crônicas do cotidiano feminino, então começou a participar de concursos, antologias em que foram selecionados poemas publicados pela editora Vivara do Concurso Nacional “novos poetas”. Já participou de três edições de concursos e em 2012 foi sua primeira aparição, onde seu poema foi selecionado em meio aos  2.500 de candidatos, ele ficou entre os 120 e isso a chamou muita atenção.

Após esse acontecimento, ela decidiu levar adiante a ideia de escrever em redes sociais, primeiro no Facebook e depois no Instagram. “Eu comecei a ver que os poemas tinham impacto sobre as pessoas que estavam me seguindo e elas começaram a gostar, comentar e começaram a me incentivar, isso me motivou muito, comecei então a postar dois, três poemas em um dia”.

O livro de poemas “Casa de vento” da autora será lançado em abril deste ano. Sandra ressalta que as pessoas sempre acham que ela está se auto retratando nos  poemas, em “Antônio” ela relata a vida de uma professora que é apaixonada por um professor da mesma instituição e as pessoas sempre a questionam se o marido tem conhecimento dos trabalhos. “Se fosse um homem falando de várias mulheres, ninguém iria perguntar se a esposa sabe, a poesia fala de tudo, não necessariamente da minha vida (…) me sinto muito feliz de ver que os estudos e que também as escritoras estão conquistando espaço, aparecendo na mídia, ainda que seja visto por algumas pessoas de forma preconceituosa. As mulheres, nesse mercado, têm crescido muito”.

 

 

                             

 

 

 

 

 

 

 

“Admiro toda mulher que consiga publicar, dialogar de maneira eficaz com seus leitores e se manter forte no mercado literário”. Essas são as palavras da escritora, jornalista e atriz Isabella de Andrade autora do livro “veracidade”, publicado em 2015. A brasiliense diz que achou inusitada a naturalidade do caminho que levou a publicação do primeiro livro impresso.

“Foi um sonho muito gostoso de se realizar, depois da publicação me vi de repente inserida nas feiras literárias da cidade, conheci melhor o circuito, o mercado, os autores em constante produção. Do lado negativo, infelizmente ainda me surpreendo com a dificuldade dos leitores em se abrirem para autores novos e não consagrados. A preferência pelos grandes clássicos e grandes editoras ainda é extremamente forte, então é muito difícil vender livros, mas resistimos”, afirma.

De acordo com a Isabella, a melhor forma para alguém começar na escrita atualmente é fazer produção circular na Internet, procurar por pequenas editoras de qualidade que estejam abertas aos novos autores, ler muito e acompanhar as tendências de publicação de cada lugar. A essência literária, respeitar o próprio estilo e a pulsão natural que cada um tem, nunca devem ser abandonados “minha expectativa é de que o número de leitores aumente no país, fazendo a produção literária girar cada vez mais e confesso que sou otimista. Gosto de pensar que é possível alcançar esses leitores aos poucos, com incentivos, programas de leituras, debates, livros para todos os gostos”, conclui.

O site “OCiclorama” é um espaço que a autora criou para dialogar sobre livros, autores e exercitar um pouco mais a escrita livre fora do jornal. Ela acredita fortemente nos espaços online com possibilidade de divulgação.

Confira um trecho do livro:

Você de dia, Clarissa, seus olhos preguiçosos/            

cheios de vontade de me provocar.                                                                        

Você nas tardes, aquele riso cansado,  e sua pele que me abraça até sufocar.  Você de noite, Clarissa/ aquele respiro calmo, uns olhos mansos de quem carregou meu sossego.”

 

Influência afro-brasileira

“Fico muito feliz de encontrar mulheres que vão em busca de nosso trabalho, isso nos alimenta” essa foi a declaração da escritora e primeira negra a se formar em artes cênicas na Unb, Cristiane Sobral, 44 anos.

A carioca mora em Brasília desde da década de 90 e fundou a “Cia de Arte Negra Cabeça Feita”que completa neste ano, vinte anos, além de ser professora de teatro na Secretaria de Educação. Começou a publicar no ano 2000, ano em que conheceu Conceição Evaristo, também escritora, e hoje participam de vários eventos de literatura afro-brasileira  pelo país.

Confira alguns dos poemas da autora:

Navio Negreiro

Até quando os nossos meninos pretos mortos / Sem chinelos, pés tortos / Até quando nossas mulheres/Arrastadas/Pelo capitão do mato destruídas/As famílias/ Até quando o meu pão será com moedas /Até quando veremos as quedas?/Nossos gritos são abafados pela TV/Onde a gente não se vê.

Porque alguns são mais iguais que outros

Nós / As mulheres sem mundo / Estamos condenadas a ganhar a vida /Com nossos quadris / Nós/As mulheres sem mundo/ Vivemos por um triz/Na beira da estrada onde nosso corpo/

Costuma ser marcado por mais uma cicatriz /Ensopada de dor/ Nós/ As mulheres sem mundo/Exibimos o desespero/Em nossas vistas cansadas/Escorre há tempos o sangue

a seiva dos filhos/Dos frutos/Daqueles que nunca pudemos parir/Nós/As mulheres sem mundo/Queremos gritar/Mas como?/ Fomos mutiladas pelo algoz mais vil/Vendemos barato/Sorrisos fáceis/Momentos fúteis/Nós/As mulheres sem mundo/ Exército de reserva da humanidade / Não temos direito ao exame de corpo e delito/Ninguém há de escutar o nosso grito/Nem ao menos temos voz.

A inspiração para escrever aconteceu em um episódio cruel: “Quando quis interpretar uma princesa em uma peça da escola e a professora disse que eu tinha que fazer papel de bruxa, ali percebi que precisava escrever histórias a partir do ponto de vista de uma mulher negra. Escrever e reescrever.” A mãe, Marina Sobral, Carolina Maria de Jesus e a mãe de santo Mãe Berenice são as maiores influências para a escritora.

Cristiane Sobral publicou cinco livros: “Não vou mais lavar os pratos”, “Espelhos miradouros dialéticas da percepção”, “Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz”, “O tapete voador” e “Terra negra”, que teve um grande destaque na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Agora, ela está produzindo o primeiro livro para crianças, a publicação da dissertação de mestrado e também a peça de teatro “Uma boneca no lixo” que está completando vinte anos em 2018.

 

Blogs para mulheres

Três blogs literários brasilienses criaram, em 2016, o projeto Literatura Por Mulheres, que tem o objetivo de dar ênfase ao gênero na literatura. A iniciativa funciona com uma mesa de bate-papo, que possui a escritora e funcionária pública Patrícia Baikal, 36 anos, como mediadora e outras três escritoras escolhidas por intermédio de uma enquete nas redes sociais. Normalmente realizado em março para celebrar o mês da mulher.

“Como escritora, posso falar o quanto é difícil fazer literatura no Brasil. O evento é muito importante para movimentar o cenário cultural de Brasília, levando novos debates sobre como fortalecer a literatura local e nacional”, afirmou Patrícia Baikal.  O projeto não é fundado apenas por mulheres. O jornalista brasiliense Luciano da Silva Vellasco, 28 anos, é um dos organizadores e percebeu a necessidade de criar visibilidade ao trabalho das escritoras em um mercado editorial majoritariamente masculino.

Escritoras

 ​A jornalista e escritora carioca Kássia Monteiro, 28 anos, começou a carreira literária em 2013, quando participou do projeto Línguaventuras, junto com a prefeitura de Bogotá (na Colômbia). A jornalista ficou entre os finalistas do “Prêmio SESC-DF de crônicas Rubem Braga”, em 2012.

Além disso, já ministrou oficinas literárias na Universidade de Brasília e na Feira do Livro de Brasília.  Ela é autora dos contos “Capeta” e “Amor Nos Tempos da Artrose”, ambos publicados. Kássia Monteiro fez, no primeiro livro, uma releitura do clássico “Senhora”, de José de Alencar. O livro tem o nome de “Soberana – A Ascensão Da Rainha de Marte”, que tem a intenção de conquistar o público jovem.

​A assistente social piauiense, Lorena Nery Borges, 30 anos, desde pequena escreve poemas como passatempo. No ano de 2016, participou dos bastidores de eventos literários, momento em que decidiu voltar a escrever e criou a página “Nas EntreLinhas da Lo Amor”, no Facebook, para publicar os poemas que redigiu. A assistente social já escreveu contos, mas possui afinidade com as crônicas que escreve para a página na internet, que tem o nome do primeiro livro dela, ainda não publicado impresso. Ela tem a participação em livros com poemas de outros autores. Entre as obras, estão “Antologia Acolha o Pólen da Vida 1”, “Amores em Metamorfose” e “Antologia Café e Prosa”.

Por Rayssa Brito

Colaborou Júlia Fagundes

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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