O mês de abril é marco para o emprego doméstico no país. Há seis anos, era aprovada (no dia 3) a lei que equiparava os direitos dos trabalhadores domésticos aos dos demais. A chamada PEC das Domésticas é uma conquista que proporcionou mudanças significativas às trabalhadoras brasileiras desse setor. A mensalista Aparecida de Souza, 43, é uma das profissionais que trabalhou normalmente no dia 3 de abril com garantias legais de ter todos os direitos adquiridos.
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Antes da mudança da lei, atuou três anos como diarista. Ela prestava serviço duas vezes por semana e chegou a trabalhar em 18 casas por mês. Após um tempo, percebeu que não valia mais a pena trabalhar daquela forma. O principal motivo que a fez querer mudar foi o recolhimento do INSS, um direito que não tinha como diarista.
Mas passou a ter mais segurança garantida por lei. Uma delas foi a redução da jornada de trabalho que passou a ser de 44 horas semanais, além disso, a exigência do pagamento da hora extra. Em 2015, esses direitos foram ampliados. O recolhimento do FGTS e o pagamento de seguro-desemprego passaram a ser obrigatórios.
Em razão de todas essas melhorias e vantagens, o número de mensalistas com carteira de trabalho assinadas ainda cresce, apesar de ser baixo em comparação com as outras áreas. Muitas delas, até deixam de ser diaristas para trabalharem como mensalistas. Segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Distrito Federal é uma das regiões brasileiras com menor número de empregados sem carteira assinada. 18,9% de pessoas ocupadas de 14 anos ou mais de idade não possuem carteira de trabalho assinada no setor privado no DF.
Carteira de trabalho
A pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) mostra que, de mil pessoas, o número de trabalhadores domésticos com carteira assinada cresceu de 45 em 2017 para 51 no último trimestre do ano de 2018. Aparecida já tem quatro anos de carteira assinada e não pretende voltar a trabalhar como diarista. Segundo ela, o principal benefício que o trabalho formal proporcionou foi a garantia por lei dos direitos trabalhistas, como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e seguro-desemprego que não tinha antes. “Trabalhei um tempo sem carteira assinada porque ganhava mais fazendo diária, mas prefiro meu trabalho agora, pois tenho mais segurança trabalhista”, relatou a mensalista.
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A empregadora de Aparecida, Maria Régia Caetano, 40, contou que sempre assinou carteira de todas as empregadas domésticas que trabalharam para ela. Segundo a advogada e também bancária, assinar a carteira traz mais segurança para os empregadores também. “Segurança jurídica, tranquilidade, responsabilidade compartilhada com o governo são alguns dos benefícios que eu como empregadora de mensalista com carteira assinada tenho”, reconheceu. Maria Régia acredita que a única desvantagem é a financeira, pois têm os impostos, seguro e as demais taxas que oneram o contrato de trabalho da empregada doméstica.
Apesar de algumas desvantagens, ela não pretende deixar de assinar a carteira da mensalista. “As penalidades impostas pela legislação são piores que as desvantagens”, acrescentou. Segundo Maria Régia, apesar das melhorias, as domésticas ainda enfrentam dificuldades trabalhistas também, como a limitação de seguro- desemprego, que é restrita a três meses, e falta de pagamento do abono PIS. “Para o empregador, o governo poderia aumentar o valor a ser dedutível no imposto de renda e para as empregadas, ele poderia criar um sistema onde eles fizessem jus ao PIS”, complementou.
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Desrespeito
Luciene Moreira, 45, é diarista há seis anos, mas já trabalhou como mensalista com carteira assinada. Segundo ela, trabalhar fazendo diárias nunca foi uma opção, mas uma necessidade do momento. Tomou essa decisão devido a um desentendimento com o empregador que assinava sua carteira na época. Luciene descobriu que ele nunca pagou o INSS, um direito garantido por lei. Depois do ocorrido, ela pediu demissão e como não conseguiu nenhum emprego como mensalista, decidiu migrar para o mercado de diaristas. Hoje, ela ainda pretende voltar a trabalhar com a carteira de trabalho assinada, mas com tudo conforme a lei. “Quero muito ter minha carteira assinada, mas com pessoas responsáveis. Carteira assinada tem muita vantagem hoje”, revelou.
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Para a diarista, a principal desvantagem de não ter a carteira de trabalho assinada é a insegurança. “Já trabalhei com dois patrões por sete anos. Eu fazia diária duas vezes por semana na casa deles e não tive direito a nada só porque eu era diarista. Já as pessoas com a carteira assinada têm férias, décimo terceiro, PIS dependendo do tempo e folga semanal”, desabafou. Atualmente, Luciene está com dificuldade de encontrar emprego para trabalhar como diarista, e esse é mais um motivo que a faz querer entrar para o trabalho formal novamente.
Apesar da carteira assinada proporcionar benefícios tanto para o empregador, quanto para a empregada doméstica, eles ainda enfrentam diversos desafios. A auxiliar de escritório, Alessandra Rosa Assunção, 47, já empregou uma mensalista por seis anos, mas, há aproximadamente cinco anos, dispõe apenas dos serviços de uma diarista uma vez por semana. Para ela, pagar uma diarista não é mais vantajoso mas, o problema são os custos para manter uma empregada doméstica registrada. “Acrescentam-se ainda os valores elevados para custear o transporte diário. Infelizmente, pesa muito no orçamento”, lamentou.
Segundo Alessandra Assunção, a nova legislação, apesar de beneficiar as empregadas domésticas, acabou afastando uma parcela dessas pessoas do trabalho com a carteira assinada devido ao elevado custo para o patrão. “Como a situação financeira da maioria das famílias no país não anda muito equilibrada, acabamos escolhendo o funcionário que cabe no orçamento. Dessa forma, as domésticas que perderam seus empregos fixos, caíram na informalidade, trabalhando com diárias e sem nenhum direito trabalhista além do valor da diária e passagem’’, declarou.
Direitos garantidos pela PEC das Domésticas
Legislação
A advogada de direito trabalhista, Larissa Martins, acredita que mesmo com a série de benefícios provenientes do registro na carteira de trabalho, o grande número de empregadas domésticas que ainda opta pelo trabalho informal é pelo desconhecimento da lei trabalhista. “Esse fato, infelizmente, representa a realidade de uma parcela das empregadas domésticas do Brasil, que, por vezes, são privadas de seus direitos pela falta de conhecimento”, lamentou. Além disso, segundo ela, isso pode ocorrer também porque a empregada é funcionária de mais de um empregador simultaneamente e quer ter mais “liberdade”.
Segundo a especialista, o registro na carteira de trabalho é muito importante, pois além de regulamentar a situação funcional do empregado, dá a ele o sentimento de proteção jurídica, uma vez que assegura uma jornada de trabalho digna, remuneração especificada mediante registro, recolhimento dos devidos benefícios, dentre outros direitos que são assegurados ao trabalhador. “A carteira assinada proporciona não só ao empregado, mas também ao empregador uma série de benefícios, todos em decorrência da formalidade. Ou seja, o fato de “assinar a carteira” gera uma série de direitos e deveres que dão respaldo e segurança para ambas as partes do contrato”, explicou.
Embora seja possível destacar as mudanças e melhorias realizadas até então, ainda tem de se considerar que empregadas domésticas enfrentam dificuldades por causa da informalidade e da mudança da legislação. De acordo com a advogada, algumas lacunas ainda geram certa insegurança ao trabalhador, como o FGTS da categoria que ainda é menor do que o referente a outras profissões, o registro do horário de trabalho ainda é realizado somente por poucos empregadores, o registro de empregados domésticos na plataforma eSocial ainda é algo alheio ao conhecimento de muitos trabalhadores e outros.
Uma das principais queixas das empregadas domésticas decorre da falta de controle da jornada de trabalho, o que gera uma gama de ações trabalhistas para o recebimento de horas extras. Há, ainda, diversas dúvidas a respeito das verbas rescisórias. “Para evitar situações dessa ordem, é recomendável que a empregada doméstica tenha acesso à informação e à legislação pertinentes, para que possa sanar qualquer dúvida e que tenha mais segurança jurídica”, esclareceu a advogada.
“Necessário”
Segundo a presidente da Associação Brasiliense das Empregadas Domésticas do DF e do Entorno, Samara Regina da Silva, após a aprovação da PEC das Domésticas, mais trabalhadoras do lar começaram a tomar conhecimento e exigir os direitos garantidos por lei. Grande parte delas procuram o sindicato para se informarem. Samara acredita que a formalização do trabalho é algo mais do que necessário, é um direito que todas as empregadas domésticas precisam lutar. “O sindicato ajuda essas trabalhadoras com a conscientização da real necessidade da formalização e com a distribuição de cartilhas”, acrescentou.
Por Carolina Monteiro
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira