Coronavírus nas aldeias: pesquisadora indígena lamenta morte de anciões na Amazônia

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“Infelizmente nós estamos perdendo muitos anciões. E isso tem nos afetado muito, porque, culturalmente, nossos anciões representam os saberes. Eles são detentores de uma cultura milenar, de uma cultura que precisa ser passada de geração em geração. A cada vez que um ancião morre é como se alguém da nossa família morresse. Eu sinto como se estivesse perdendo um pai ou uma mãe”. O testemunho é da geógrafa Márcia Kambeba, que vive em Castanhal (PA), sobre as mortes de lideranças indígenas em todo país.

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De acordo com Márcia Kambeba, o Covid também tem afetado financeiramente as comunidades. “Muitas comunidades vivem do turismo e muitos indígenas vivem dos artesanatos vendidos nas cidades. Outro ponto é a alimentação dessas pessoas, a caça se tornou difícil, já que as pessoas doentes não tem força para caçar ou pescar.”

A pesquisadora, que desenvolve trabalhos de valorização da cultura indígena no Brasil e no exterior, analisa que há uma falta de reconhecimento da cidadania dos povos e da cultura indígena no país. “A cada vez que eu saio do Brasil, vejo como os outros países compreendem melhor, que o próprio brasileiro, a importância dos povos indígenas em seu território”.

Márcia Kambeba, mestre em geografia. Foto: Facebook da pesquisadora /Arquivo pessoal

Outro desconhecimento, na opinião da mestre em geografia é com relação ao respeito aos biomas, e ao equilíbrio ambiental e climático.  “Brasil precisa entender e valorizar o pouquinho de sangue indígena que corre nas suas veias. o Brasil precisa sentir orgulho de falar que faz parte de um dos países com o maior número de indígenas e de línguas indígenas. Nós, brasileiros, não queremos aprender a falar tupi, muito menos aruaque, mas lá fora eles tem interesse. A verdade é que a gente só dá valor como brasileiro quando a gente perde, perde pro povo lá de fora.”

Diferença de números

Segundo dados coletados pelo Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, em todo Brasil cerca de 12.048 indígenas foram contaminados com o novo Coronavírus e o número de óbitos já chega a 446. Em contrapartida, segundo números oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), os casos são 8098 e 184 óbitos. 

Bancos de apoio à sobrevivência indígena.

Essa diferença de 3950 casos e 262 mortes se deve, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ao critério de contabilização utilizado pela Secretaria. “A Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde é responsável por contabilizar os casos de Covid-19 entre indígenas, tem um critério que, para nós é excludente: apenas registram casos de indígenas aldeados – ou seja, aqueles que estão em territórios tradicionais. Indígenas que moram em contexto urbano e são atendidos pelo SUS não entram na conta da Sesai.”

Além de excluir os indígenas que moram fora das comunidades, a Sesai, ainda segundo a Apib, também deixa de lado os povos que não vivem em terras demarcadas. “Outro problema grave é a ausência de dados sobre indígenas que vivem fora de terras indígenas homologadas, o que inclui tanto citadinos como populações que guardam a finalização do longo processo de demarcação de suas terras.”

No momento, de acordo com o Comitê, os povos indígenas apresentam maior vulnerabilidade frente a pandemia, já que, as condições sociais, econômicas e de saúde são muito diferentes dos não-indígenas. “Os povos indígenas são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não indígenas, o que amplifica o potencial de disseminação de doenças. Condições particulares afetam essas populações, como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja pela distância geográfica, como pela indisponibilidade ou insuficiência de equipes de saúde. O subsistema do Sistema único de saúde criado para atender a saúde indígena sofre com a falta de estrutura e de recursos para tratamento de complicações mais severas, como a covid-19.”

Em nota, a Sesai negou que exista subnotificação dos casos e óbitos, já que, os indígenas que vivem em centros urbanos devem ser contabilizados pelas secretarias estaduais e municipais, não constando no levantamento de dados realizado por eles. A secretaria ainda afirma que desde janeiro vem elaborando documentos técnicos para orientar os povos, gestores e colaboradores sobre medidas de prevenção e de primeiros atendimentos em casos de Covid-19 e que já foram enviados 789 mil insumos para 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) para auxiliar no combate ao vírus.

Por Geovanna Bispo

Supervisão Luiz Cláudio Ferreira

Foto: Marcelo Camargo – Agência Brasil

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