Jornalismo de combate à desinformação

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Informações circulam em alta velocidade pela internet, sejam elas necessárias e verdadeiras ou até mesmo não confiáveis.
O enorme volume de informações sobre um assunto se multiplica de forma exponencial, em um curto espaço de tempo e está dificultando a busca por fontes íntegras e confiáveis. Este fenômeno está sendo chamado de infodemia e acontece devido a manipulação de fatos e dados com intenções duvidosas, que acabam por ocasionar o compartilhamento de desinformação, que se espalha como um vírus.

 

O MUNDO EM NOSSAS MÃOS

Vivemos na era digital, uma fase marcada por avanços tecnológicos que facilitam a comunicação ao redor de todo o mundo, por meio da Internet, com alcance mundial. Estamos conectados, imergidos em um mundo de informações que surgem sobretudo, a todo momento, por intermédio do compartilhamento de opiniões e conteúdos de diversos tipos, a partir do ponto de vista cultural, social e político. Nunca, em toda a história humana foi tão fácil saber como vivem os povos do Saara ou quais são os costumes de uma comunidade no interior da China, o que o presidente dos Estados Unidos está propondo ao seu país ou qual o regime político de Dubai, qual a eficácia de uma campanha de vacinação ou qual é o verdadeiro efeito das falas de um líder político durante um período crítico para a sociedade. Para ler sobre isso e muito mais, é necessário apenas ter acesso à internet. É possível pesquisar sobre países, planetas, curiosidades, mistérios, teorias, sentimentos e sensações.  Além do que mais puder imaginar. Em um piscar de olhos, é possível receber uma avalanche de informações sobre um mesmo assunto, com os mais variados tipos de opiniões, centenas de imagens, vídeos e explicações. 

O mundo digital possui enorme velocidade e capilaridade e é capaz de revolucionar fluxos econômicos, sociais, culturais, políticos, dentre outros a cada instante, por meio desse processo de integração das informações. No entanto, esse espaço virtual pode desinformar as pessoas que mergulham nas plataformas digitais. Essa enorme fluidez de informações potencializa o deslocamento da realidade e gera um distanciamento dos fatos a partir do momento que não há conhecimento sobre a origem de um conteúdo ou quem vai ler o que foi publicado. Há muitas pessoas leigas criando controvérsias, gerando e repassando informações sobre assuntos que não entendem e que não servem como fontes.
A desinformação já é uma característica robusta nas mídias digitais, é frequente e faz parte do cotidiano de todos nós. Os temas que chamam a atenção da opinião pública e geram audiência estão sempre, inevitavelmente, acompanhados de negacionismo e sensacionalismo e acabam circulando pelas plataformas digitais com a finalidade de corroborar certezas ou desconstruir fatos históricos e científicos.


“Quem foi afetado pela desinformação, não necessariamente busca ou até mesmo acredita na checagem dessa desinformação. Só publicar o desmentido de uma desinformação não basta. É preciso fazer com que essa checagem chegue nas pessoas afetadas, o que é muito difícil.” Luiz Fernando Menezes

 De acordo com o estudo “Iceberg digital”, desenvolvido pela Kaspersky, empresa global de cibersegurança que analisou os países da América Latina, 62% dos brasileiros não conseguem reconhecer uma notícia falsa e, dentro deste número, apenas 2% nunca ouviu falar em desinformação. 

 

 

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PERMANECE ÍNTEGRA

Quando questionados sobre a liberdade de expressão, que envolve o direito de se expressar livremente sobre qualquer assunto, Sérgio Ludtke e Edgard Matsuki são verificadores de notícias e concordam que não há qualquer intervenção na livre expressão do indivíduo que dissemina desinformação na internet. Ambos afirmam que a checagem confronta a desinformação e mantém um ambiente informativo saudável que mantém a credibilidade, tanto das agências de checagem, quanto do jornalismo. 

“Nós não intervimos no direito de expressão, mas precisamos checar para manter um ambiente informativo mais saudável. Ao investigar um determinado conteúdo, sempre procuramos quem o espalhou, para que essa pessoa possa defender sua publicação ou fazer algum tipo de correção ou retratação.” Sérgio Lüdtke

 

SÓ ACREDITO VENDO

Essa expressão popular no Brasil já não pode mais ser levada a sério. Muitas vezes, o que está sendo visto, não é verdade e nem considera a realidade dos fatos. A desinformação no mundo virtual acontece desde o início dos anos 2000, quando a internet se popularizou e se tornou um instrumento de uso massivo. 

As mídias digitais estão no topo da lista de meios de comunicação que disseminam desinformação. O imediatismo ocasionado por essas páginas possuem a capacidade de atingir milhares de pessoas de diferentes idades, opiniões e lugares em um curto espaço de tempo. Devido a esse turbilhão de informações ou peças desinformativas que passam por nossos olhos, quase metade das pessoas entrevistadas dizem que se informam somente neste tipo de canal e se contentam com a informação recebida, mesmo que não exista qualquer credibilidade na origem do conteúdo. 

Autoral

Em 2019, a Agência de Comunicação Edelman publicou os resultados de seu tradicional estudo “Trust Barometer” e constatou que, no Brasil, 52% dos entrevistados possuem dificuldades para confiar nas informações que circulam nas mídias sociais, sobre o tema da pandemia. Essa pesquisa ainda aponta uma maior confiança na imprensa com uma porcentagem de 59%. Quanto ao compartilhamento da desinformação e de sua checagem, apenas 10% dos grupos que compartilham uma notícia fraudulenta, compartilham também a checagem. 

 

Fonte: Trust Barometer, Ano: 2019.

O estudo apontou que 89% das pessoas entrevistadas sabem que é preciso ouvir mais os cientistas e menos os políticos. Outra questão relevante abordada neste estudo, são os porta-vozes confiáveis no Brasil e, no quesito sobre confiar em “uma pessoa como você” repassando uma informação, 79% dos interrogados responderam que confiam na informação recebida. Esse ponto da pesquisa expressa um grave risco na luta de combate à desinformação, pois demonstra a força que as bolhas sociais, geradas pelos algoritmos das mídias digitais possuem. Portanto, fica claro que o debate de temas relevantes à opinião pública está parcialmente guiado por robôs que acabam limitando o conhecimento do usuário somente ao que é pesquisado, lhe interessa ou conforta.

Para Luiz Farias, professor associado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), mesmo que veículos de comunicação jornalísticos sejam acompanhados nas mídias sociais, os filtros fazem com que determinados conteúdos passem longe do conhecimento do internauta. Para ele, as plataformas de mídias sociais não devem ser fonte de informação, pelo menos não a única e muito menos, a principal. 

O professor ainda comenta que as bolhas sociais fabricadas pelos algoritmos são como ampolas e deixam o cidadão fora do contexto da realidade, introduzindo nos usuários de mídias sociais enormes doses de desinformação. E alerta que a educação digital deve crescer, para aumentar o espectro do universo virtual. 

“O que está acontecendo é uma ultra espetacularização nas redes. O negacionismo cruzado com o sensacionalismo é um ingrediente altamente tóxico que gera uma sensação de realidade falsa.” Sérgio Amadeu

 

QUESTÕES PRECISAM DE RESPOSTAS VERDADEIRAS

É neste momento que o trabalho das agências de fact-checking se faz extremamente necessário, construtivo, proveitoso e frutífero. A repórter Priscila Pacheco, da Agência de Notícias Aos Fatos, que realiza o trabalho de checagem, explica que as etapas para checar uma peça de desinformação envolvem muitos questionamentos que precisam de respostas, a fim de verificar aquele fato noticiado, e alerta que é muito importante avaliar os pontos sensacionalistas de um conteúdo que não possui qualquer base científica, sem bibliografia e referência. 

O jornalista verificador de conteúdo faz uma varredura diariamente nas mídias sociais para ver as informações que estão circulando nessas redes, o que está “viralizado” e o que está sendo sugerido pelos leitores para que seja verificado. Cada agência utiliza uma espécie de etiqueta para classificar os conteúdos verificados, como por exemplo “Falso”, “Distorcido”, “Sem contexto”, “Verdadeiro”, “Verdadeiro, mas”, “Exagerado”, “Subestimado”, “Contraditório”, “Boatos”, dentre outros. As principais ferramentas utilizadas pelas agências para checar informações são as fontes de dados, principalmente do governo, além de estudos e relatórios produzidos por instituições de referência e universidades. E, ao publicar uma peça verificada, todo o caminho feito para chegar a essa verificação é exposto ao leitor, apontando os sites e dados que foram utilizados para atestar a veracidade ou a falsidade de uma informação. 

Gilmar Lopes, é fundador do primeiro site de combate às fake news do Brasil, o E-Farsas, que surgiu em 2002. Ele explica que a ideia do site é tentar usar apenas a internet para confirmar ou desmentir as histórias que nela circulam e afirma que, basicamente, tudo o que tem disponível na web é suficiente para verificar um fato. Gilmar conta que ao checar uma informação, é necessário se livrar de qualquer viés, sem acreditar na verdade ou na mentira daquele fato, estando isento de ego e opinião para apurar e publicar as informações. 

O grande diferencial do jornalista que trabalha em uma agência de checagem, é que ele não cria pautas sobre novos assuntos factuais, como um jornalista de redação faz. O checador de fatos realiza apuração de uma notícia que já circula na internet. Para Gilmar, o jornalismo precisou aprender a usar a internet, assim como os internautas ainda estão aprendendo. Isso acometeu diversos sites de notícias representados por grandes veículos de comunicação que deveriam ter credibilidade e acabavam envolvidos em desinformações que surgiam no universo virtual. 

“Se uma desinformação faz com que pessoas agridam determinada pessoa por ódio, isso pode ser considerado calúnia, difamação. Se nosso trabalho de checagem evita esses cenários, ele está, sim, contribuindo para um debate mais limpo.” Luiz Fernando Menezes

Nas entrevistas para esta reportagem especial, os checadores de notícias foram unânimes em afirmar que uma desinformação é prontamente identificada quando há falta de fontes confiáveis, estudos que não expõe suas fontes, erros de português, chamadas sensacionalistas e escassez de detalhes. E afirmam que nesta luta de combate à desinformação, é preciso estar munido do uso de fontes originais, com credibilidade e transparência. Além de listar referências ao leitor, para que ele mesmo possa aprender o caminho de verificação feito pela agência. 

“O desmentido nunca tem a mesma força dos boatos. O boato tem um milhão de compartilhamentos, o desmentido tem mil.”  Gilmar Lopes

As agências de checagem permitem ao leitor aprender sobre o trajeto de investigação em busca da verdade, dando acesso ao conteúdo de apuração e links que deixam claro como e porque a investigação sobre aquela desinformação se iniciou. Para Sérgio Ludtke, jornalista e editor do Projeto Comprova, é importante que a verificação traga contexto, mostre quem está se beneficiando com aquela peça de desinformação e afirma que essa exposição não evita novos ataques, mas destrói argumentos que contrariam a verdade. Para o jornalista, as agências fazem alertas à sociedade e são parte da solução, mesmo que não consigam diluir o problema de conteúdos falsos, por completo.

Numa pesquisa realizada por meio de enquete, com respostas simples de afirmação ou negação dentro da minha mídia social particular, com 480 pessoas de 20 a 45 anos, de classe média e classe alta, 92% responderam que sabem o que é desinformação, enquanto apenas 8% desconhecem esse termo. No entanto, ao serem questionadas sobre o que é uma agência de verificação de notícias, 59% responderam desconhecer esse tipo de jornalismo e 41% responderam que conhecem. Já quando perguntados se confirmam a veracidade das notícias sociais que lêem em suas mídias sociais, 56% disseram buscar fontes mais confiáveis, enquanto 44% disseram que não checam os conteúdos que lêem dentro dessas mídias. Veja: 

Autoral

Ao que podemos concluir com a pesquisa acima, as agências de checagem ainda são pouco conhecidas entre o público geral, seja pelo usuário das mídias sociais ou pelos leitores de grandes veículos de comunicação on-line. E, no entanto, possuem um papel essencial para a sociedade, como um todo. 

Por isso, divulgar na sua rede virtual peças informativas de agências de checagem acaba por colaborar com o conhecimento pessoal de cada indivíduo, podendo agregar no melhor funcionamento de uma sociedade democrática. A cada pessoa que se habitua em visitar sites de agências de checagem de notícias, haverá uma pessoa a menos para repassar uma peça desinformativa que prejudica a sociedade, bem como mais solicitações de verificação a essas agências. 

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Por Renata Goretti

Com supervisão de Mônica Prado

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