Movimento de junho de 2013 uma década depois: a ascensão das redes sociais na participação popular 

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Importante ferramenta na organização das Jornadas de Junho, em 2013, plataformas foram fundamentais nas eleições de 2018 e hoje passam por processo regulatório

As redes sociais se estabeleceram como participante ativa e poderosa força de transformação no cenário político brasileiro. O ambiente virtual se tornou lugar para expressar pontos de vista, organizar protestos, promover debates e, consequentemente, modelar a opinião pública. A maneira fácil de difundir conteúdo e engajar pessoas redefiniu a maneira da população participar da política e até mesmo de ser usada por ela.

Na linha do tempo, três momentos se destacam e apresentam as redes como protagonistas para a construção do atual momento político do Brasil. Em 2013, as Jornadas de Junho – nome como foram chamados os atos de rua que ocorreram por todo o país em junho daquele ano – aproveitaram as plataformas para se organizar, marcando dias, horários e locais para os manifestantes se encontrarem.

Manifestantes tomaram a frente do Congresso Nacional em 2013 (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Cinco anos depois, um então deputado que concorria à presidência revolucionou a forma de se fazer propaganda política. Com apenas 8 segundos de horário eleitoral na TV, Jair Bolsonaro apostou nas redes sociais para fazer campanha e foi eleito presidente da República em 2018 com 57,8 milhões de votos, em uma disputa contra Fernando Haddad (PT). 

Mais cinco anos se passaram e, atualmente, em 2023, as redes sociais passam por um momento de avaliação dentro do Congresso Nacional. O PL 2.630/2020, também conhecido como PL das Fake News, analisa a regulação destas plataformas digitais e busca implementar medidas e responsabilidades às grandes empresas para combater as fake news e discursos de ódio.

PL das Fake News é debatida no Congresso (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

De ferramenta para protestos efetivos até massa de manobra para eleger presidentes, as redes sociais se tornaram um meio de participação popular na política, mas também se desenvolveram como um canal de disseminação de notícias falsas e propagação de ódio. Dez anos depois de serem importantes nas manifestações de 2013, o brasileiro ainda vê os reflexos do uso das redes sociais dentro do cenário político do país.

Jornadas de junho e as redes sociais como meio de organização

Em junho de 2013, o Brasil foi palco de grandes manifestações que tomaram as ruas de todos os estados do país. Os protestos inicialmente eram contra o aumento na tarifa do transporte público, mas com o tempo se tornaram uma insatisfação contra o estado político brasileiro, cercado por casos de corrupção, baixa qualidade nos serviços públicos e altos gastos para sediar a Copa do Mundo de 2014.

As jornadas de junho marcaram a história recente da política e do uso das redes sociais. As plataformas digitais desempenharam papel importante para a mobilização e organização dos protestos, com compartilhamento de informações, convocações e atualizações em tempo real sobre o que acontecia. 

Na época, o Valor Econômico divulgou uma consultoria feita pela Serasa Explain para demonstrar em números o poder das redes sociais naqueles atos. De acordo com o estudo, o Facebook teve uma taxa de participação de 70% dos brasileiros com presença no site no dia 13 de junho, apontado como o terceiro pico de participação do ano. Por sua vez, o Twitter contabilizou cerca de 11 milhões de tweets com a palavra “Brasil” e outros 2 milhões citando “protesto” entre 6 e 26 de junho daquele ano.

A psicóloga Hellen Monteiro, atualmente com 27 anos, é uma das pessoas que aproveitou as plataformas para se informar sobre as manifestações. Com apenas 17 anos em 2013, ela estava se preparando para votar pela primeira vez nas eleições do ano seguinte, por isso queria se engajar mais no cenário político de momento. Apesar do receio pela violência muitas vezes exibida pela televisão, as redes sociais apresentaram outra perspectiva e a convenceram de participar dos atos.

“Eu só acompanhava pela TV, porque tinha medo de ir e ser perigoso. Um dia estava no Facebook e vi alguns vídeos de uma manifestação, com várias pessoas falando nos comentários que estavam lá e que tinha sido tranquilo”, compartilha. “Pouco depois, vi uma convocação para um protesto, explicando as pautas, quando seria, a hora e o lugar da concentração. Criei coragem de ir e foi ótimo, a partir disso comecei a ir mais vezes e não me arrependo nem um pouco”, acrescenta.

Jornadas de Junho marcaram o uso de redes sociais em atos políticos (Foto: Jose Cruz/Agência Brasil)

Para Hellen, o compartilhamento de imagens e informações nas redes foi fundamental, tanto individualmente quanto no cenário geral das Jornadas. A psicóloga afirma que as plataformas favoreceram para que as pessoas se conectassem mais e pudessem organizar os protestos de maneira eficiente, principalmente por facilitar que a voz das pessoas tivesse um alcance maior para atingir mais gente.

“Meu Facebook era mais sobre coisas pessoais, mas depois só respirava política. Era muita conversa sobre manifestação, combinando protestos, convidando amigos para ir, conhecendo melhor as amizades feitas na rua. Era ótimo ver mais gente que pensava como você, dava confiança para ir protestar, ver que ninguém estava só”, detalha a psicóloga.

Assim como expressado por Hellen, a presença da política nas redes sociais dos brasileiros pode ser traduzida em números. De acordo com o Datafolha, 46% dos entrevistados compartilham conteúdos sobre o tema ‘eleições políticas’ em seus perfis. Além disso, uma pesquisa do DataSenado aponta que 45% das pessoas consideram informações vistas em alguma rede social ao decidir seu voto. Por fim, o Panorama Político 2022 apresenta que uma a cada quatro pessoas usam as redes sociais como principal fonte sobre política.

Hellen adiciona que, em sua visão, o uso das redes em 2013 desencadeou uma série de fatores no que diz respeito à relação entre a política e essas plataformas. “Acho que a partir dali os políticos passaram a se preocupar mais com o que aparecia nas redes sociais, ao mesmo tempo que as pessoas procuravam as plataformas para saber mais sobre o que está acontecendo. Já faz tempo que isso virou uma realidade, faz parte do dia a dia de todas as redes, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok”, opina.

Eleições de 2018 e a presença de Bolsonaro nas redes

Dez anos se passaram desde que as redes sociais marcaram as históricas Jornadas de Junho de 2013 e tiveram protagonismo no cenário político brasileiro. Ao longo dessa década, as plataformas digitais assumiram um papel cada vez mais relevante no engajamento político e na formação da opinião pública. Em especial o ano de 2018 se destacou como um momento em que as redes sociais foram utilizadas por Jair Bolsonaro, levando-o à vitória nas eleições presidenciais.

Bolsonaro fez forte uso das redes sociais em sua campanha eleitoral (Foto: Presidência da República/Divulgação)

Para o cientista político e professor de direito Alessandro Costa, a associação entre as Jornadas de 2013 e a eleição de Bolsonaro em 2018 pode ser compreendida a partir de uma análise da insatisfação popular que permeou ambos os eventos.

“As Jornadas de Junho de 2013 foram marcadas por uma forte insatisfação da população em relação a diversos aspectos, como a precariedade dos serviços públicos, a corrupção, a desigualdade social e a falta de representatividade política. Os protestos foram uma expressão da frustração e indignação dos cidadãos, que buscavam uma mudança significativa na realidade brasileira”, explica.

Essa mesma insatisfação e o descontentamento persistiram nos anos seguintes, alimentando um ambiente propício para a emergência de novas lideranças políticas e para o crescimento de discursos de combate à corrupção, à insegurança e à crise econômica.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, com discursos que iam contra as instituições oficiais, sejam elas políticas, econômicas ou sociais, reuniu isso ao receio dos brasileiros contra pautas progressistas, conseguiu capitalizar a insatisfação popular e se apresentou como uma alternativa à política tradicional. 

A eleição de Bolsonaro em 2018, portanto, pode ser interpretada como uma resposta a esse sentimento de descontentamento e de busca por mudança que se manifestou nas Jornadas de Junho de 2013. Ele construiu uma sólida base de seguidores nas redes sociais ao longo dos anos, utilizando uma estratégia de comunicação direta e controversa. O ex-presidente explorou temas sensíveis e polêmicos, como a segurança pública e a corrupção, encontrando um público receptivo que estava desiludido com os escândalos políticos, como a Lava-Jato, e buscava soluções radicais.

“Ele, como um político e com um discurso anti-establishment, conseguiu capitalizar a insatisfação popular e se apresentou como uma alternativa à política tradicional. A eleição de Bolsonaro em 2018 pode ser interpretada como uma resposta a esse sentimento de descontentamento e de busca por mudança que se manifestou nas Jornadas de Junho de 2013”, conta o cientista político.

No entanto, Alessandro ressalta que o movimento e a eleição de Bolsonaro representam momentos distintos e complexos na história política do Brasil. “Embora a insatisfação popular seja um elemento de conexão entre ambos, outros fatores, como conjunturas econômicas, alianças políticas e dinâmicas sociais, também influenciaram esses eventos”, define.

(Foto: Isac Nóbrega/PR)

Bolsonaro utilizou o Twitter para ganhar ampla repercussão, mas, ao mesmo tempo, utilizou a rede para disseminar desinformação, como ataques a adversários políticos, em 2018 e 2022.  No entanto, foi através do WhatsApp que ele encontrou uma ferramenta poderosa para a campanha eleitoral. Essa estratégia teve um impacto significativo na formação da opinião pública, influenciando a percepção dos eleitores e contribuindo para a polarização política que marcou as eleições de 2018. 

Terra de ninguém: descontrole e o PL das Fake News

As fake news se tornaram uma preocupação crescente na era da informação digital. Com o avanço da tecnologia e o fácil acesso à internet, a disseminação de informações falsas se tornou rápida e ampla, o que afetou a sociedade. As fake news são notícias falsas ou informações enganosas que são propositalmente divulgadas para manipular a opinião pública, desinformar ou promover interesses particulares. Elas podem abranger diversos tópicos, desde política e saúde até entretenimento e questões sociais. Essas notícias falsas são frequentemente projetadas para parecerem legítimas, utilizando elementos como títulos sensacionalistas, imagens manipuladas e até mesmo fontes fictícias.

De acordo com o especialista em ciência da informação, Rodrigo Lemes, essa grande quantidade de fake news se deve à forma como as próprias redes sociais administram o fluxo de publicações. “Existe uma liberdade em certas redes sociais, como o Twitter e o Telegram, que muitas vezes podem ser prejudiciais para a formação de opinião popular como um todo. Falta um controle maior por parte dos administradores dessas plataformas. Você percebe que muitos indivíduos sentem que podem postar absolutamente qualquer coisa nas redes sociais e não haverá nenhuma consequência”, analisa.

CPI das Fake News investiga a divulgação de notícias falsas nas redes sociais (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Daí surge o termo “Terra de Ninguém” em relação à internet. O termo surgiu como uma metáfora para transmitir a ideia de que a internet é um espaço não regulamentado ou sem controle adequado, onde se é “livre” para dizer e fazer o que quiser

Diante disso, deu-se início a uma mobilização governamental para combater as fake news, o PL 2.630. Entre outros pontos, o Projeto de Lei busca regulamentar a disseminação de informações falsas, aumentar a transparência nas plataformas online e promover a educação midiática. Ainda assim, o PL também gera discussões sobre o equilíbrio entre combater a desinformação e preservar a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.

“Existe um ponto que nós temos que prestar atenção também. Existe uma linha tênue entre controle e censura, não se pode confundir alguém que tem um objetivo por trás da divulgação de falsas informações e alguém que é apenas ignorante sobre o assunto”, afirma o especialista.

Por Arthur Ribeiro, Gabriel Soares e Ravenna Alves

Supervisão de Isa Stacciarini

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