A ditadura militar, iniciado com o golpe de 1964, terminou há 34 anos, porém, ainda está presente na memória de muitas pessoas. Para as mulheres da época, com o patriarcado firmado no poder, era ainda mais difícil seguir a luta pelos direitos femininos. Desmotivadas, muitas mulheres deixaram de lutar e só seguiram a maré da sociedade totalmente censurada.
“Isto (o regime militar) nos tirou o direito de escolha”, afirma a professora Camila Tasso. Para ela, a preocupação com o civismo era grande, o ensino era rígido para todos. Camila estava em São Paulo na época, e relata que as escolas eram bastante visitadas pelos militares.
Entretanto, Camila relata “Sou fruto dessa época” e diz que aprendeu muito com os acontecimentos do regime militar. A professora considera que a democracia alterou o rumo da decadência do país. “Todos temos a preferência de decidir. Se errarmos, tomaremos melhores decisões. Se acertarmos, reforçaremos nossa decisão, mas tendo a liberdade de decidir.”
Na visão de Deia Felício dos Santos, 80 anos, o golpe militar foi um abalo, pois na época o marido, Carlos Murilo, era deputado e foi cassado. “Foi um choque para nós. Mudamos para Belo Horizonte. Tivemos que começar a vida outra vez. Havia uma impressão ruim, pois pensavam que tínhamos feito alguma coisa. Na escola dos meninos, as pessoas queriam saber o porquê.”

Dentre as recordações da época, Deia relatou que a princípio foi duro, pois as pessoas não podiam sair na rua falando e gritando. Após um período que começou a ter mais movimento. De acordo com ela, foi ruim para todo mundo, principalmente para quem participava do governo, pois perdia o cargo. “Vinha aquela linha dura, cassava um, cassava outro, prendia. Então nós vivíamos naquele pavor, não de ser cassado, mas de ser preso, pois não havia uma razão exata, eram pessoas que eram políticos e eles cismavam.”
No dia em que o marido foi cassado, ela se recorda que foi um susto para eles. “Lembro que estava no salão, em Belo Horizonte, quando ouvi no rádio. No meio da lista apareceu o nome do meu marido. Foi um susto para nós. Não fomos perseguidos, mas nos sentíamos assim, devido a coisas que aconteciam, restrições, até porque tinham muitas pessoas, inclusive conhecidos nossos”, relata Deia.
“Luta, substantivo feminino”
O livro “Luta, substantivo feminino” publicado em 2010, organizado pelos jornalistas Tatiana Merlino e Igor Ojeda é uma compilação de histórias de mulheres que foram torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura. Reúne os registros de vida e morte de 45 mulheres e 27 depoimentos de sobreviventes. Foi uma parceria feita com a editora Casa Amarela, que não existe mais, e a Secretaria de Direitos Humanos. O acesso às histórias foi possível devido a indicações do movimento de familiares e de mulheres que lutaram contra a ditadura e continuam na luta na área dos direitos humanos.
A jornalista e coeditora do livro, Tatiana Merlino, relata que mudou a percepção quanto ao tema, pois percebeu que na época havia uma tentativa de destituir a mulher do seu lugar feminino, de mãe e mulher. Havia um ódio da ditadura às mulheres que foram à luta, como se estivessem invadindo um espaço que não lhe pertenciam. “A tortura tinha um recorte de gênero. Usaram de violência sexual e contra a maternidade, as crianças eram levadas para os órgãos de repressão. Tinha uns requintes de crueldade e ódio contra as mulheres, como se aquele lugar de luta não pertencesse à elas”.

Dentre os depoimentos contidos na publicação, a jornalista revela que os relatos que incluem violência sexual são devastadores. “Eu como mulher eu fiquei muito mal, principalmente durante o período de coleta e edição dos depoimentos, ficava sempre pensando, não conseguia dormir. Tem relatos de mulheres que foram colocadas nuas com vários homens em volta, rindo e colocando a mão nos seios”.
Produzida por Ana Luísa França e Beatriz Artigas
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira