Perfil: prostituta faz “gestão da imagem”

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Nina é nome artístico criado para tentar ser diferenciada e atender clientes de forma personalizada na cidade de Uberlândia. Ela se apresenta como “especialista em entretenimento masculino”

Confira vídeo feito com a entrevistada

 

Uberlândia (MG) – O “cantinho da Nina” é um flat cheio de sensações. Quando se para diante da porta para tocar a campainha e ouvir o convite dela para entrar, o primeiro despertar dos sentidos. Música, na maioria rock romântico, alta o bastante para notar a melodia pelo lado de fora. Dentro, o som não é suficiente para atrapalhar a conversa. A cozinha diante da porta já permite aos mais nervosos tomar um copo d’água. As cortinas e as luzes acrescentam o vermelho e outros tons quentes ao local. Tudo estrategicamente elaborado.

 

 O cômodo é dividido com a sala, onde o escritório dela ocupa um espaço enxuto com um armário tão pequeno que não chama a atenção do sofá azul para duas pessoas. Se apertar, é possível acomodar três. Apesar de discreto, os atentos notarão a organização do escritório. Planejamento de horários distribuídos na parede traz pista da habilidade em gestão com números e tabelas. Em cima da mesa, escudos de clubes que ela gruda no corpo, faz imagem e publica no site que administra como estratégia de marketing. Essa é apenas uma das formas. Uma parede com uma porta separa a entrada do quarto. Lá se encontra uma cama de casal com lençóis vermelhos que toma o quarto inteiro. O criado-mudo ao lado da cama tem a gaveta permanentemente aberta com as embalagens de camisinhas expostas. A gaveta é cheia. Tudo planejado para que Nina receba os clientes. Prostituição, de acordo com ela, não é o termo adequado. Para o trabalho que ela diz gostar, existe outra forma de “vender”.  “Eu sou puta mesmo”.

 

nina
Nina oferece canetas para os clientes

Nina não é o nome real. Como ela tem dois filhos na escola, não quer que o título real, nem o rosto, sejam publicados. A forma de ser chamada, porém, não é a única coisa inventada de Nina. Carla (nome substituto), a pessoa por trás do negócio, trabalha o que ela chama de versão puta dela como uma personagem. No blog O Cantinho da Nina, ela faz uma postagem por dia na qual descreve alguns encontros com os clientes e também dicas sobre sexo. Carla chama de clientes, mas Nina, no blog, designa os parceiros como “pervertidos”. Nos textos, Nina descreve as diferenças de cada um deles e como o sexo diverge entre eles. O erotismo predomina. A ideia é excitar e envolver para angariar mais “pervertidos”. Basta um programa para que o cliente seja tido como “oficializado” e ganha uma caneta como lembrança.

 

Clientes

 

O diferencial que Carla vê no serviço que provém é a forma como Nina se apresenta ou age de cliente para cliente. Com alguns, se mostra mais tímida, com outros é mais provocante. Ela diz que eles não compram apenas o sexo com ela, mas uma namorada por um momento. Às vezes é ruim. Carla, assim como todo mundo, também tem dias ruins. Nesses, ela afirma, é mais difícil lidar com alguns clientes. Situação realmente ruim teve apenas uma vez. O cliente estava esquisito e não rolava química. Ela teve que pedir para ele sair, mas nada mais sério que isso. Os “pervertidos” normalmente se dão bem com ela.

 

ninaAlguns chegam a levar presentes, o que a Nina adora. Carla analisa como se referisse a outra pessoa. “A Nina é puro ego. Não tem nada de Id ou Superego nela”. O raciocínio freudiano tem razão, Carla estuda psicologia. Não apenas isso. De acordo com ela, pra manter a profissão adequadamente, dedica entre 10 e 12 horas por dia. Além dos atendimentos, tem que criar conteúdo para o site, com pelo menos um texto por dia. Fotos, twitter, facebook, postagens dedicadas aos campeonatos de futebol (atualmente, é possível acompanhar os horários dos jogos do brasileirão em fotos com os escudos dos times distribuídos pelo corpo da Nina) e, principalmente, contato tomam conta do tempo de Carla. O telefone toca constantemente por conta de whatsapp, torpedos sms ou ligações. Após responder três mensagens seguidas ela diz “Não repara, não. Meu celular é tipo telefone de puta” e ri do próprio humor. A rotina é pesada. Precisa cuidar dos dois filhos, estudar na faculdade e manter o cantinho. “Não me pergunte como eu consigo. Eu não faço ideia” ela resume após explicar o esforço necessário.

 

Plano de carreira

 

De acordo com os cálculos de Carla, ela já realizou aproximadamente 2271 atendimentos nos três anos de carreira como garota de programa até o dia da entrevista. O número aumenta a cada dia de atendimento. Ela supõe que entre 40 e 45% destes são de clientes que retornavam. Os números demonstram como ela cuida meticulosamente do serviço como negócio. Se a figura Nina é peça fundamental de um marketing de atendimento aos clientes, o trabalho é gerido como um empreendimento. Carla considera os horários que renderão mais, entrega três canetas personalizadas para os “pervertidos” e já planeja fazer anúncio em comércios locais. Quando tem algum tempo de sobra, diz, precisa produzir. Não consegue ficar parada. Calcula os gastos com manutenção das mídias, do flat onde atende e dos produtos que usa para balancear com o lucro.

 

“Não tem como se aposentar nessa profissão”, fala antes de explicar que o trabalho é temporário. Carla planeja “fechar” o cantinho da Nina em três anos. De acordo com ela, vai estar velha para o trabalho e para manter o corpo. Quando começou, colocou silicone nos seios, levantou um pouco a nádega e fez cirurgia na barriga e no nariz. “Eu tinha um corpo de mãe de dois filhos. Não sei como os clientes me queriam. Acho que era o diferencial do meu atendimento” analisa sobre a forma como Nina lida com os clientes. Com 29 anos (começou com 26), ela se arrepende de ter iniciado tão tarde. Se estivesse mais jovem teria aproveitado melhor. Porém, reflete que não teria o conhecimento de gestão para tocar o empreendimento. Ainda assim, prevê que pode sair do ramo mais cedo. Basta que a procura dos clientes acabe ou que alguém conquiste o amor dela. Carla não acha que é possível um relacionamento romântico ao mesmo tempo que se mantiver na profissão.

Por Vinícius Brandão

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