Rosineide Caxiiana caminha devagar, mas com firmeza. Seus pés conhecem o chão de terra batida do território Caxiiana-Tunayana, no Pará, e agora tocam o asfalto quente de Brasília.
No rosto, a pintura vermelha carrega mais do que cor: carrega história, território, memória e luta. Seu território ainda não é oficialmente reconhecido pelo Estado.
O processo de demarcação caminha a passos lentos e, recentemente, foi judicializado pelo Ministério Público Federal. Mas Rosineide não veio sozinha.
Ela foi uma das milhares de mulheres indígenas que chegaram à capital federal para participar da IV Marcha das Mulheres Indígenas, realizada entre os dias 5 e 7 de agosto no Eixo Cultural Ibero-Americano (antiga Funarte), com o tema “Nosso corpo, nosso território: somos as guardiãs do planeta.”

Na manhã de quarta-feira (7), as participantes da Marcha seguiram em caminhada até a Praça dos Três Poderes, onde entregaram ao Congresso Nacional a Carta dos Corpos-Territórios em Defesa da Vida.
O documento é um manifesto contra os constantes ataques aos direitos indígenas e ambientais e uma exigência de respeito à vida, à terra e às ancestralidades.
“Meu nome é Rosineide Caxiiana. Eu estou vindo do território Caxiiana-Tunayana, do território Wayamu. A importância de a gente estar aqui é para somar com as mulheres, lutar pelo nosso direito e pela demarcação do nosso território”, afirma.
“A gente quer nosso território de volta, que sempre foi nosso, dos nossos avós. Estamos aqui para continuar essa luta”, completa Rosineide, que integra a delegação do Pará com o apoio da CEPIPA (Comissão dos Povos Indígenas do Pará).
Entre as tantas vozes que ecoavam pela Esplanada, a de Célia, do povo Cricati, também se ergueu com força e simplicidade. Vinda da aldeia São José, no município de Montes Altos (MA), ela enfrentou três dias de estrada para chegar à Marcha com seus filhos e companheiras de luta.

“Rapaz, nós estamos por aqui pelo nosso direito de ter nossa terra, logo a demarcação. Nós queremos o território, né? Para nós terem a nossa demarcação mesmo. É sobre isso, essa causa”, afirma.
“Eu vim com meu povo, com as meninas. Meus meninos tão lá, mas eu vim com meu povo, tudo. Demorou uns três dias pra chegar aqui.”
Momento decisivo
O ato das mulheres indígenas ocorre em um contexto político delicado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou mais de 60 itens do PL 2.159/21, conhecido como “PL da Devastação.”
Aprovado pela Câmara dos Deputados em julho, o projeto enfraquece as regras de licenciamento ambiental, permitindo, por exemplo, que atividades consideradas de “baixo impacto” ocorram sem necessidade de avaliação ambiental prévia.

Organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas alertam que o PL pode abrir ainda mais brechas para desmatamento, grilagem e invasões em terras tradicionais, ameaçando diretamente territórios ainda em processo de demarcação, como o de Rosineide.
A carta entregue pelas mulheres indígenas denuncia essa e outras ameaças recentes, entre elas, a tese do Marco Temporal, que condiciona a demarcação de terras indígenas à ocupação anterior a 1988. Aprovada pelo Congresso em 2023, a proposta é considerada inconstitucional por juristas e órgãos internacionais.
A Conferência é coordenada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e pelo Ministério das Mulheres (MMulheres), e tem o apoio da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Mais que protesto, a Marcha é também espaço de fortalecimento, formação e memória.
Por Mayara Mendes
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira