Racismo em sala de aula: especialistas afirmam que etnocentrismo na educação repercute no dia a dia

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No Distrito Federal, em 2022, foram registrados 618 casos de injúria e 23 de racismo. É o que informa a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal. Estes dados são os mais recentes registrados e foram atualizados no dia 8 de fevereiro de 2023.

Foto: Juca Varella/Agência Brasil

Um desses casos foi da professora Edmar Sônia, do centro de ensino médio 9 em Ceilândia, que em março deste ano, foi vítima de racismo de um dos seus próprios alunos que a presenteou com uma esponja de aço.

Outros alunos da turma acharam graça da situação e alguns não concordaram com a atitude do colega, mas estes eram minoria naquele momento.

A professora busca desconstruir a postura dos alunos e testemunha que familiares indicam que a responsabilidade de educar deveria ser da escola.

“Ninguém nasce racista ou machista. Até o momento, como professora, busco desconstruir essa ideologia de visão que os jovens ainda praticam na sociedade”

A professora de ensino médio, Edmar Sônia, diz que há uma perpetuidade da herança escravista presente na sociedade:

“Penso que a herança da escravatura é perpétua, pois os negros e índios foram libertos, mas sem terras e sem direitos para viver com dignidade.

Logo, essa “libertação” trouxe desigualdades herdadas desde aquela época, como por exemplo: financeira, segurança, moradia, educativa e as diferenças elencadas ao período da escravatura”.

Casos como o de Edmar Sônia servem de exemplo para mostrar que nem mesmo dentro da sala de aula as pessoas estão livres dessa atitude e comportamento criminoso além de ser muito triste e vergonhoso uma professora, uma profissional que se encarrega de capacitar seus estudantes para vida em outras profissões, ser atacada dessa maneira em seu próprio ambiente de trabalho.

A conselheira tutelar, também vítima de racismo no DF, Marlla Santos, diz que há um racismo estrutural na educação e que, hoje em dia, há um estranhamento por parte da sociedade quanto à atitude das pessoas negras não aceitarem mais certas brincadeiras.

“Há um ódio muito grande à população negra, pois há um racismo estrutural enraizado na educação, na nossa vivência e na forma de tratar as pessoas e quando nós de pele preta não aceitamos mais os mesmos apelidos e brincadeiras, traz um estranhamento para a sociedade”.

Conselheira Tutelar, Marlla Santos- Foto: Instagram/@marllaangelica

Marlla Santos sofreu racismo ao chegar do trabalho em frente ao portão de sua casa quando um grupo a abordou. Eles começaram a atacar a conselheira tutelar com vários xingamentos racistas.

O seu filho Pedro Isaac, de 17 anos, ouviu os gritos e foi averiguar o que estava acontecendo e ao tentar defender a mãe. Pedro foi agredido com um soco por um dos homens. Marlla Santos diz que sempre orienta o seu filho diante dos perigos que rondam a sociedade.

“A mulher preta quando tem um filho preto já ensina o seu filho a não andar com capuz dependendo do horário da noite, pois pode ser abordado e quando isso ocorre, é necessário que ele esteja portando a identidade e que não reaja a nenhuma abordagem”.

Ela ainda acrescenta que possui medo das abordagens policiais muito mais do que de ser assaltada na rua e não sabe se esse pensamento um dia terá fim.

“Por mais incrível que pareça a mulher preta acaba educando o seu filho a ter muito mais medo de uma abordagem do que ser roubado na rua e eu fico me perguntando até que ponto nós vamos ter esse tipo de pensamento” .

A conselheira tutelar, Marlla Santos, disse que não existe outra solução para frear esse crime que não seja um número maior de políticas públicas que também contribuam para o empoderamento da mulher negra, além das mães solo e homens. Ela ainda acrescentou que as punições para crimes de racismo serão temidas de fato quando houver um conhecimento melhor por parte de mulheres e homens pretos, advogados, além de um rigor maior nas leis.

Marlla Santos ainda relata sentir-se incomodada com o fato de muitos pensarem que pessoas negras são todas iguais, sem que levem em conta as diferentes personalidades e jeitos.

Ela conta a respeito de uma situação que a fez ficar inconformada com a falta de noção de colegas do trabalho. Marlla estava em atendimento telefônico em sua sala quando uma mulher negra entrou sem dar qualquer tipo de satisfação, o que deixou a conselheira tutelar indignada.

“Eu estava no telefone atendendo uma pessoa quando eu me deparei com uma mulher preta na minha porta e que já chegou sentando na sala e eu não estava esperando ela. Quando o atendimento acabou fui checar com as funcionárias o motivo de terem deixado ela entrar, além da mulher ter dito que era a minha prima, acharam ela parecida comigo”.

A situação a deixou extremamente chateada com o fato das funcionárias do lugar terem deixado a mulher entrar na sala simplesmente por ter pele igual a da conselheira tutelar, sem a menor preocupação e cuidado em apurar se realmente se tratava de uma parente de Marlla, levando em conta apenas a cor da pele.

Na política esse problema segue sendo alvo de diversas discussões. Em janeiro de 2023 a lei 7.716 que prevê punição para crimes de racismo, foi atualizada aumentando o grau das consequências para as injúrias raciais. Embora as punições tenham aumentado, ao que tudo indica, não está surtindo o efeito desejado. No mesmo período em que essa lei foi modificada , Marlla foi vítima de racismo em sua casa, mostrando a necessidade de que haja muito mais do que atualizações nas leis.

Diante disso, o Diretor de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Silva, falou que as punições para crimes de racismo com o auxílio das leis, quando postas em prática diante da sociedade, são a melhor forma de combate a essa problemática, pois fazem com que os agressores sintam o peso do preconceito e de suas consequências.

“A melhor forma de combater os crimes de racismo e impedir que eles se repitam é punindo, é fazer com que as pessoas que cometem esses crimes sintam no bolso, do ponto de vista da legislação. Digo que não é admissível em pleno 2023 que a gente ainda veja esses casos de preconceito, discriminação e violação de direitos humanos”.

O diretor do Ministério da Igualdade Racial ainda disse que aos olhos do governo não houve um aumento alarmante dos casos de racismo no DF e acrescenta que as pessoas nos dias de hoje tem se conscientizado mais a respeito da importância das denúncias, além de haver uma procura e um acesso maior de mecanismos de acolhimento por parte das mesmas.

Diretor do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Silva- Foto: Twitter @yyyurisilva.

No que tange a política e ao combate às injúrias raciais, Irapuã Santana, bacharel em direito e trabalhou como assessor de gabinete no Supremo Tribunal Federal em 2018, conta que embora nunca tenha sofrido racismo durante o período em que passou no STF, percebeu estranhamentos por parte dos outros colegas.

“Durante boa parte dos meus serviços prestados para o STF eu fui a única pessoa negra ali e existia um estranhamento devido a probabilidade, se você tem de 100 pessoas só um negro é muito provavel que as outras pessoas pensem que aquele único negro não é um assessor”.

Irapuã ainda acrescenta que antes de julgar procurou sempre se colocar no lugar do outro, pois a ideia de ter um colega negro em um cargo como assistente de gabinete não é normal aos olhos de profissionais que trabalham no STF, lugar que possui uma predominância de políticos brancos.

Irapuã Santana, ex-assessor de gabinete do STF. Foto: Divulgação/ Boletim da Liberdade.

O estranhamento é algo frequente na sociedade, quando se trata de uma pessoa negra, a tendência é que duvidem constantemente de sua capacidade, do seu cargo e até mesmo da sua renda. Ao se recordar de uma abordagem policial sofrida, o professor de história da escola Seb Dínatos, Arthur Marques , relata que ao contar que era educador , os policiais exigiram uma comprovação de que esse era realmente o seu cargo.

“ Me recordo de uma abordagem que aconteceu quando eu estava voltando de uma prática de esporte e ao entrar no meu carro, dois policiais me abordaram e perguntaram qual era o meu cargo. Quando falei que era professor me exigiram de documentos comprobatórios até mesmo o valor do meu salário”.

Arthur Marques, professor de história- Foto: Arquivo pessoal

Escute um pouco mais sobre a visão do professor Arthur Marques sobre o racismo:

O professor de história acrescentou a essa fala, de forma pertinente, ao abordar sobre a visão preconceituosa de muitas pessoas acharem que todos os negros são iguais sem levar em conta quem são de verdade. Arthur afirma que essa generalização é algo que entristece e ainda que esse tipo de preconceito é reforçado muito por parte da mídia.

“Em pleno século 21 ainda termos esse olhar determinista e essa segregação racial é algo muito triste e isso mostra o desconhecimento massivo por parte da população, que é reforçado muitas vezes pelos veículos de mídia que representam a África e a negritude como um todo de forma homogênea”.

Arthur contou que muitas das vezes em que aborda sobre a história da África com riqueza de detalhes em sala de aula os estudantes ficam impressionados, pois muitas informações são novidade para eles.

“O que me incomoda não é o grito dos maus, mas os silêncio dos bons”

Martin Luther King Jr

O representante da ong DACOR, Vidal Mota Junior, abordou sobre a educação anti racista e seus desafios. Ele afirma que é necessário que haja nas escolas professores que tenham conhecimentos sobre a África, sua história e também que haja o rompimento com o senso comum de que não há racismo no Brasil.

“Acredito que para que haja uma educação anti racista o primeiro ponto é a presença de professores com conhecimentos profundos sobre a África e sua história, além disso é necessário que rompamos com o senso comum de que somos uma democracia racial”.

Representante da DACOR, Vidal Mota Junior. Foto: Arquivo pessoal

A organização não governamental, DACOR, por meio do âmbito digital, tem como objetivo ajudar no combate ao racismo promovendo uma série de ações sobre essa problemática para um público em geral. Segundo Vidal Mota Junior, além do objetivo principal da DACOR, nos últimos tempos a ong tem promovido cursos, feito Podcast e acrescentado várias informações importantes nas redes sociais sobre o racismo para que ele seja reconhecido como um problema que gera um profundo impacto na vida das pessoas.

Vidal Mota Junior diz que é necessário que haja uma conscientização maior por parte das pessoas que deve começar principalmente nas escolas e segundo o representante da DACOR, o etnocentrismo ainda presente no ambiente escolar precisa ser superado através do conhecimento por parte da ancestralidade do Brasil.

“É preciso que haja uma conscientização maior das pessoas acerca desse tema, pois a nossa educação nas escolas ainda possui uma forte presença etnocentrista e isso precisa ser superado. É necessário que haja conhecimento das matrizes africanas, da ancestralidade do país”.

“Nós devemos como sociedade ter uma postura intolerante à aquilo que é intolerável”.

Arthur Marques, professor de história.

Por Gabriel Romeiro

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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