Reportagem em cordel: o beco do Bruno

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Pessoa famosa?

Empresário da região?

Por que tanta gente cerca esse caixão?

O velório de Bruno estava cheio

Quem via de longe não sabia

Que foi da rua que ele veio

12 de julho de 2024

O enterro do homem de 41 anos

Que dormia num beco

No chão duro e seco

Que dormia na rua

À luz da lua

Na rua da quadra 45 do Gama

Quem cuidava dele era cada vizinho

Comida, cobertor, banho e até pijama

Bruno Ricardo da Silva  

Não se sentia tão sozinho

Ali todo mundo conhecia o Bruno

Na sapataria de Daniel Ernesto

Bruno tomava banho

E conversava por horas

Eles eram companheiros

“Ele me contava das histórias dele”

 “Que batiam nele na rua”

“E que sempre era demitido dos empregos”

Álcool e drogas faziam Bruno ficar perdido no mundo

E às vezes até agressivo

Se viciou quando os avós morreram 

E caiu num sofrimento profundo

Ficou sem casa, sem família

Só um tio, o Eurico

Que vinha pra ajudar

Trazia sabonete pra ele banhar

Comida e até dinheiro

E quando o tio não vinha

O sabonete quem dava era a Saló

O sabonete, o desodorante

E até a Ceia de Natal

Saló, a dona do armarinho da rua

Da janela no apartamento dela

Ela via o beco do Bruno

E lembra daquela panela

Que já deu cheia de comida

Na ceia de Natal

Ela lembra dos pedidos do rapaz

“Tia Saló, eu tô com fome”

 “Tia Saló, quero um abraço”

E ela dava o que ele queria

Abraço ele também pedia

A todos os vizinhos

Ser amado é o que queria

Mas a rua é o que preferia

Nunca aceitou projetos solidários

Casas de recuperação

E nem a loja do seu Daniel

Em frente ao armarinho,

A casa de Margarido

Quem guardava os documentos de Bruno

Dava pão e dinheiro

Desde que não fosse pra bebida

Daniel, Margarido e Saló

Os vizinhos

Eles viram Bruno crescer

Quando morava na rua de traz com os avós

Não queriam para ele aquele fim

Valdete, a dona do churranquinho,

Também queria ajudar

Ela fez Bruno ganhar um troquinho

Por vigiar os carros no estacionamento

De gorjeta em gorjeta

60 reais

De moeda em moeda

A felicidade daquela noite

Dia 27 de abril de 2024

“Ele trabalhou o dia todo”

“Conseguiu 60 reais”

“Veio me mostrar todo feliz”

Com 60 reais no bolso

A alegria de um novo emprego

A vontade de comemorar com uma cerveja

Pulou, saltitou e andou 2 quilômetros

No dia que fez dinheiro

Em meio ao delírio da alegria

Em meio a tanta euforia

O farol de um carro chegou perto demais

Bruno foi atropelado

Com o bolso cheio de 60 reais

Bruno foi para o hospital

Internado por 44 dias

E todo dia era igual

Fila para visitá-lo

Aquele homem que morava na rua

Agora queria ser visto

Mas estava com os dias contados

Depois da visita do tio Eurico

Bruno morreu

Na 45, tudo virou um breu

O velório foi lotado

Mas o beco estava vazio

Mas nunca deixaria de ser dele

Para sempre,

O beco do Bruno

Leia a história de Bruno também em prosa

Por Milena Dias

Fotos: Agência Ceub/Arquivo

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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