Sistema de cotas raciais completa 20 anos, mas luta contra racismo é diária

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A estudante Renata Rodrigues, de 22 anos, se emocionou mais ainda ao ver seu irmão chorando, quando ambos viram o nome dela na lista do curso de ciências ambientais. Uma vitória tão importante para ela, como pessoa preta que depois de muita dificuldade, conseguiu, através do sistema de cotas, ingressar na universidade.

De acordo com o último levantamento do Decanato de planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional, no primeiro semestre de 2021, constavam 2.337 cotistas negros.  

No caso de Renata, a entrada na universidade foi um importante passo, segundo acredita, não apenas para ela, mas, para todas as pessoas negras que têm o racismo tão presente em suas vidas. 

O racismo não era um assunto recorrente na casa dela. Mas, não é porque não era falado, que não havia esse tipo de violência no dia a dia dela e dos irmãos.

Ela recorda que o irmão sempre era parado pela polícia, e levava os chamados “baculejo”, que são as abordagens, seu irmão sofria com frequência.

“Meu irmão por ser mais escuro sofreu mais. Sempre  levava bacu da polícia, tinha muitos apelidos e quando era criança minha mãe pegou ele passando talco no corpo dizendo que queria ser branco”, lamenta a estudante. 

Ela diz que também chegou a sofrer racismo. Não com tanta violência, mas ainda assim de forma que traduzia a violência sofrida por negros diariamente no Brasil, mesmo com pessoas de pele mais clara.

Mas, seu cabelo sempre foi muito volumoso e isso, muitas vezes, é visto como sinal de desleixo. Então, ela fazia vários penteados, até poder chegar na idade de poder alisar. 

Ela passou a perceber o racismo estrutural quando começou a trabalhar, e notar como as pessoas no ambiente de trabalho a olhavam e a tratavam. Um deles já chegou a fazer comentários racistas para ela, e chamá-la de “piolhinho” por conta de seu cabelo. Ele só parou quando uma pessoa da gerência do local chamou a atenção dele. 

Estudo

Renata conta que é uma pessoa introvertida, e quieta, e essas são algumas características que compõem a personalidade dela. Segundo ela, por isso até hoje ela ainda não tenha sofrido com nenhuma falta de oportunidade por sua cor.

Renata conta que a quantidade de oportunidades para pessoas brancas é maior sim, e isso é muito mais visível com a quantidade de pessoas pretas na periferia.

Ela mesma, por exemplo, fazia um cursinho gratuito, através de uma ONG, e sentia dificuldade para se locomover até lá porque o governo demorou muito tempo para liberar seu passe estudantil.

Assim, é possível ver a importância das cotas raciais para as pessoas negras, pois grande parte delas vêm da periferia. 

Rotina

Renata trabalhava na época e gastava R$ 11 de ônibus todos os dias para se locomover, saía de casa às 6h e chegava às meia-noite.

Sempre disseram que ela devia fazer medicina, por isso, ela tentava, mas sempre era muito comparada com quem estudava o dia todo e, por isso desanimou de tentar entrar para o curso.

“Me comparava com as pessoas que estudavam 24 horas por dia, comigo que trabalhava em tempo integral e não tinha tempo para os estudos”, conta Renata. 

Ela ainda lembra e se orgulha de dizer que estar na Universidade é muito importante para ela, a mãe dela não conseguiu terminar os estudos, então Renata faz pelas duas.

“Ter conseguido esse espaço é um orgulho para mim e para minha mãe. Sei como nós mulheres precisamos nos esforçar ainda mais para conseguirmos nosso objetivo,  é um esforço que farei por mim e pela minha mãe”.

Renata explica que escolheu esse curso depois de muita desânimo com o Prouni. Como ela trabalha em período integral, o curso noturno que mais chamou a atenção dela foi esse, assim ela foi surpreendida por conseguir passar, através do sistema de cotas, para a universidade pública

No ano de 2018,  quando ainda era uma garota, ela estudou em um cursinho tradicional de Brasília, que seu pai pagava com sacrifício.

No mesmo ano, ela conseguiu uma bolsa no programa do Prouni, na Universidade Católica de Brasília para medicina veterinária, mas seu pai por ser autônomo não conseguiu as documentações necessárias e ela desistiu da tão sonhada graduação . 

Após muita insistência de seu avô e a pressão para fazer uma faculdade, Renata conta que se inscreveu em ciências ambientais na Universidade de Brasília pelo sistema de cotas, e até havia esquecido disso quando no primeiro semestre de 2021, seu irmão chorou de felicidade ao ver o nome de Renata na lista.

Assim, ela entendeu a importância que o sistema tem para pessoas , pois os dois foram os únicos da família que conseguiram entrar em uma universidade pública.

No ano de 2003, o sistema de cotas foi inserido na Universidade de Brasília (UnB), e já no ano seguinte deu a oportunidade de 366 pessoas negras ingressarem na faculdade e adquirirem a oportunidade de estudar.

“Vi que eu não era branca”

Geovana Carneiro de Melo, de 25 anos, também é uma mulher afrodescendente, e diz que demorou a de fato se ver como uma pessoa preta. No Ensino Médio, foi quando ela passou a estudar mais sobre o assunto. 

“No ensino médio eu comecei a pesquisar mais, vi que eu definitivamente não era branca porque eu passava por coisas as pessoas brancas não passavam e porque eu nunca tinha me entendido como branca”. Ela entende que antes não se via como negra. 

Ela sentiu que precisava se esforçar mais do que as pessoas brancas para ser reconhecida. Geovana divide que, desde o primeiro semestre, ela já procurava estágio. “Eu sabia que eu ia ter que ralar mais para todo mundo para chegar no objetivo que eu queria, eu tinha que me desdobrar para curtir a faculdade para construir o meu currículo para que quando eu fosse concorrer com um deles eu tivesse a vantagem de ter um currículo bem melhor sabe”, conta Geovana com pesar. 

Dados da pesquisa Avaliação das políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil: resultados e desafios futuros mostram que em 2019, 36.607 alunos ingressaram na universidade pelo sistema de cotas em 2019. A política pública colaborou para que 87% dos negros ingressassem na Universidade. 

Geovana também explica sobre a visão dela sobre as cotas , não somente raciais mas também de escolas públicas e diz que pela diferença racial entre as escolas públicas e privadas ser muito grande, as cotas trazem sim uma possibilidade dos alunos concorrem para a vaga de forma igual.

 A estudante entende que não se trata apenas de uma questão de reparação histórica, mas para uma questão de reparação social”. “Mesmo com todas as desigualdades há um ensino de qualidade e um ensino superior público de qualidade da forma que essa pessoa possa concluir sua faculdade possa dar uma nova perspectiva de vida pra família, posto ali se formar e possa realmente mudar tanto a trajetória de vida dela quanto dos seus”, explica. 

Por Malu Castro

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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