“Só leis não são o suficiente para combater violência contra mulher”, diz ministra do STM 

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Sociedade patriarcal com pensamentos misóginos e sexistas. Esses são os motivos apontados por Maria Elizabeth Rocha, primeira e única ministra do Superior Tribunal Militar, sobre o porque as leis não são suficientes para combater a violência contra a mulher no Brasil.

“As leis são relevantes na medida em que elas punem o agressor. Mas é preciso antes de tudo investir na educação das novas gerações para combater este mal que infelizmente acontece em todo o mundo”, afirma. 

Assista aqui ao vídeo sobre violência contra mulher

Ela contextualiza que o Brasil é signatário de todos os tratados e convenções de combate à eliminação da violência contra a mulher, da CEDAW , e da convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos

A ministra entende que a pandemia enfatizou a violência de forma dolorosa.  Ela exemplifica que as mulheres encontraram códigos para chamar atenção e pedir socorro. “Elas faziam uma cruz vermelha na mão e apresentavam nas farmácias ou nos supermercados para sinalizar que estavam sendo vítimas de violência doméstica”, explica a ministra. 

Esse sinal foi adotado também em outros países, como na França. “Infelizmente, o racismo, a misogenia, a homofobia, ainda são formas de discriminação que a humanidade tem que combater pra se dizer minimamente civilizada”. 

No Brasil há leis protetivas consideradas de extrema relevância, como a Lei Maria da Penha e a Lei Mari Ferrer , (que foi editada para efetivar o combate à violência institucional). 

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“Imagine só… nós precisamos ter uma lei que combata a violência institucional contra as vítimas e testemunhas de agressões notadamente sexuais”. 

Representação

A ministra Maria Elizabeth Rocha assumiu uma cadeira do Superior Tribunal Militar em 2007. “Eu sou a única mulher do STM e acredito que sou uma voz que fincou a diferença. Por isso é que eu faço questão absoluta de que minha voz seja pelo menos ouvida”, diz a ministra. Ela foi a primeira e única mulher, até hoje, a assumir um cargo naquele tribunal.

 A ministra revela que, por vezes, sente que incomoda com suas posições, mas que acredita que esse seja seu papel dentro da corte como mulher. 

“Meu papel é, sobretudo, abrir caminhos para novas gerações de mulheres que virão depois de mim. Então, eu tenho um compromisso com a sociedade onde eu vivo, com o tempo onde eu vivo e com as novas gerações”. 

Ela brinca que costuma ser um voto divergente da corte, pois depois de tantos anos “batendo na mesma tecla” e falando sobre questões que lhe parecem tão relevantes, muitas vezes os homens ainda subestimam o papel da mulher.

 “A questão de gênero não é ensinada dentro dos quartéis, pela estrutura hierarquizada, porque os regulamentos disciplinares não permitem. Acontece que os regulamentos disciplinares por mais rígidos que sejam, acabam deixando passar violações”. 

Lacunas

Segundo ela, isso se deve ao fato de que as leis têm brechas. Por isso acredita que é preciso que haja alguém que represente quem ainda é minoritário em termos de inclusão. “Nós somos maioria populacional, mas somos minoria em termos de inclusão nos espaços políticos e públicos de poder”. 

“Que alguém diga aos homens, que já estão empoderados há séculos, que é preciso ter um olhar diferente pra questão da violência de gênero”, diz. 

Maria Elizabeth Rocha defende que essa questão demanda um tratamento especializado e que não se pode julgar um feminicídio da mesma forma que se julga um homicídio praticado por um homem contra um outro homem.

Quando se tira a vida de uma mulher simplesmente pelo fato de ela ser mulher e do homem achar que sobre ela, ele detém o domínio e o poder, é diferente de tirar a vida de um outro homem numa briga de bárbaro, por exemplo, num estado de embriaguez, exemplifica a ministra. 

“É preciso que haja uma sensibilidade dos julgadores, tanto militares quanto civis, do crime cometido contra a mulher em razão da sua condição de gênero e dos crimes que são cometidos de uma forma geral. Eles são diferentes e merecem um corte analítico e uma punição diferenciada para o bem e para o mal”, diz. 

Quartéis 

Maria Elizabeth Rocha relata que, apesar de não ser um lugar tóxico, os quartéis ainda não são ambientes acolhedores. A integração da mulher nas Forças Armadas ainda é um processo em construção, devido ao fato dos aumentos de violências contra a mulher, desde que chegou ao STM há 15 anos. 

“Crimes que eu nunca julguei quando entrei no tribunal, hoje eu passei a julgar. Como a questão do assédio moral e do assédio sexual, que passaram a ser mais frequentes (ou pelo menos mais denunciados), mesmo que a corte militar julgue com rigor”, diz. 

A ministra explica que não existe uma legislação específica para o assédio moral, mas que há vários dispositivos que podem enquadrar a violência. Exemplos disso são agressões contra pessoas em posição hierárquica inferior, o que configura o assédio moral porque pressupõe a questão da hierarquização. Outro, também, é a violação ao recato, de soldados filmando mulheres em momentos íntimos e depois compartilhando em redes sociais.

Maria Elizabeth Rocha destaca que as mulheres não podem se intimidar diante de uma sociedade patriarcal, mas também devem se precaver para que esse tipo de agressão não ocorra. Também incentiva as denúncias. 

“A denúncia é uma forma não apenas daquela que é vítima de uma violência se ajudar, mas também ajudar as outras que poderão, diante de um silêncio comprometedor, de um silêncio cúmplice por medo, por receio ou até por vergonha, ser submetidas à mesma forma de agressão. 

Campo político 

No campo político, houve um crescimento de apenas 8% na participação das mulheres em relação a 2019, que era 25% antes disso. De acordo com a ministra, isso se deve às violências simbólicas instauradas na sociedade brasileira. “É preciso que as mulheres participem, que as mulheres votem e fiquem a vontade do estado por meio das leis, por meio das ações públicas do poder executivo, não porque a mulher seja melhor do que o homem, mas porque a mulher tem um olhar diferenciado”, diz. 

“Uma democracia sem mulheres é uma democracia incompleta”, disse Maria Elizabeth Rocha em seu discurso de posse

Ela explica que, em uma sociedade múltipla e multiétnica, é preciso que todos os segmentos sejam representados porque só as minorias sabem qual é a dor da exclusão, da violência e da não inclusão. 

Alteridade é a palavra que usa para a ordem. “Essa é a palavra que vai realmente consolidar o espírito democrático do milênio, ao contrário do que Rousseau propugnava, que todos tinham que se render à vontade geral”.

A ministra defende a paridade, como os argentinos, por exemplo, conseguiram, de ser metade mulher, metade homem, no campo politico. Pois os 30% da Lei do Batom, como é conhecida, onde os partidos eleitorais são obrigados a ter uma cota reservada apenas para mulheres, foram importantes em um primeiro momento, mas se revelaram de uma certa maneira ineficazes. 

Lá, mulheres são trazidas para as coligações e para os partidos políticos apenas para comporem os 30% que a legislação exige. 

“Chega ao absurdo de nós vermos que mulheres que se candidatam tem zero votos. Ou seja, nem elas votaram nelas mesmas. Isso é uma patologia social imensa. E pra piorar a situação, essas mulheres que são usadas entre aspas, como laranjas, para compor chapas e coligações”, explica a ministra. 

Violência simbólica 

Ela cita que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi usado pela ministra como exemplo de uma violência política contra a mulher. Que hoje, inclusive, foi criminalizada e tipificada como crime. 

Brasília – A presidenta afastada, Dilma Rousseff, faz sua defesa durante sessão de julgamento do impeachment no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Não tenho dúvidas, porque o próprio Congresso Nacional havia feito uma análise de que aquelas pedaladas fiscais, a presidenta desconhecia”, diz sobre as motivações que levaram a ex-presidente ao impeachment. 

Para a ministra, o que se verifica hoje também é que a participação das mulheres na política, ela diminui sensivelmente, mesmo com a lei dos 30%. Houve até uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que o fundo partidário tem que ser distribuído proporcionalmente às candidatas mulheres, pois, como conta Maria Elizabeth, os homens se apropriavam dos valores que eram destinados às coligações dos partidos.

“Nós continuamos girando em torno de 10% na representação feminina, tanto no Congresso Nacional quanto nas assembleias legislativas estaduais. Então é lógico que houve um impacto, e um impacto negativo (o impeachment da presidenta Dilma).

 Ela ainda enfatiza que quando se sabe que houve uma manifestação prévia ao próprio voto de impedimento pelo parlamento, que dizia que a presidente não tinha conhecimento dessas pedaladas que eram dadas e mais ainda essas pedaladas fiscais, elas eram dadas também nos governos que antecederam a presidente Dilma e nunca foram questionadas, nem pelo Tribunal de Contas e nem pelo Congresso Nacional. 

“Realmente houve uma misoginia. Eu tenho minhas dúvidas se o presente que estivesse lá fosse um homem, teria acontecido com ele o que aconteceu com a presidente Dilma”.

“A história não caminha em saltos, então ela é um aprendizado”, diz a ministra. Ela argumenta que é preciso se aprender com os erros para que se possa construir uma nação melhor. “Não se pode falar em justiça e fraternidade se não há igualdade entre humanos. Me refiro a todos os segmentos populacionais que infelizmente ainda são discriminados e estigmatizados na sociedade de uma forma geral”. 

Por Ana Clara Neves
Imagens: Vagner Moreira e Alexandre Lopes de Sousa
Edição de imagens: Dener Leon
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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