A Lagoinha ameaçada do Sol Nascente 

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Foto: Luis Guilherme Telesca/cedida ao Esquina

Escondida entre ruas sem asfalto pelo Sol Nascente (a região com a maior favela do Brasil)  a Lagoinha, uma porção de água cercada de cerrado, é rodeada por casas construídas em território irregular. Uma dessas casas é a da dona de casa que aqui chamaremos de Selma.

Ela diz que ativistas da região têm lutado para preservar a região da sujeira . Eles tentam proteger a natureza em sua volta. Mas a luta não é uma unanimidade porque outros moradores, segundo ela, não têm preocupação ambiental.

“Ali ninguém gosta de mim, por causa daquela lagoa. Porque eu quero proteger. Eles não são a favor. A maioria é a favor de invadir. Fazer o que não presta”, explica a dona de casa.

Selma tem 64 anos e não trabalha mais por conta da idade e de complicações da saúde. Diabetes, pressão alta, problemas na tireoide e fibromialgia são algumas das enfermidades que afligem a vida da mulher.Mesmo assim, ela teve a aposentadoria rejeitada três vezes. Atualmente, Selma vive de outros auxílios do governo e da ajuda dos filhos.

Ela se mudou para a ocupação em dezembro de 2004 e se tornou uma das primeiras moradoras daquela região. “Isso aí só tinha mato. Quando eu cheguei, o mato era alto. Tinha só meu barracão, os outros chegaram depois”, explica. 

Também havia muita água. “Tudo água da Lagoinha”.

A Lagoinha

A água da Lagoinha é classificada, no enquadramento da Bacia dos Recursos Hídricos, como nível II, o menor dentro das classificações. Isso quer dizer que a água, poderia, em tese,  ser usada para consumo, tomar banho, pesca e lazer. A Lagoinha deságua no Rio Melchior, que é classificado como nível IV, o pior na graduação de alarme.

O Tietê do DF, como o Melchior é apelidado, recebe 40% dos esgotos do Distrito Federal e abastece 1,3 milhão de pessoas. O alto nível de poluição e contaminação do rio são problemas ambientais e de saúde pública. As águas não podem ser consumidas e até um curto contato pode trazer péssimas consequências para o corpo humano, segundo o professor de Ecologia, José Francisco. A Lagoinha, limpa, ao alimentar o Melchior, ajuda a melhorar a qualidade do rio. 

Segundo a especialista em educação no meio ambiente, Ivanete Silva dos Santos, que é pedagoga socioambiental, a área em que a Lagoinha se encontra já esteve no mapa de preservação ambiental e proteção de nascentes.

Mas nos anos 1990, quando a ocupação de terras ganhou força no Sol Nascente, isso diminuiu. A região que era composta por chácaras e nascentes de água não foi bem preservada ao sofrer um grande inchaço populacional. 

Clique aqui para saber mais sobre os dados do gráfico acima.

Por isso, ativistas como Ivanete Silva lutam pela regularização da Lagoinha como parque. Sem a categorização formal, não há fiscalização o suficiente do aumento das ocupações. Sem a regularização do parque, a Lagoinha é ameaçada.

“É a nossa riqueza hidrográfica sendo desprotegida”, explica a especialista em educação do meio ambiente.

Ivanete posa para foto em evento da Casa da Natureza, espaço socioambiental localizado no Sol Nascente | Foto: Rebeca Kemilly
Veja vídeo de Ivanete comentando sobre a situação do parque da Lagoinha

Liberdade não fiscalizada

Selma revelou que já flagrou um grupo vindo pegar a água da Lagoinha utilizando um caminhão-pipa. A mulher afirma que todo o procedimento é financiado por uma empresa, e é tudo feito sem qualquer tipo de autorização ou regulamento.

“Eles ‘catam’ a água todinha. Acontece o dia todo. Pegam a água e vendem para lava-jatos, empresas, comércios…”, conta a mulher. Ao fazer isso, quem compra a água consegue um preço mais em conta do que a água encanada.

A dona de casa , que está sempre observando o que fazem com o pedaço de natureza da sua rua, também relata encontrar corpos de animais mortos jogados na terra e na água da Lagoinha. “Uma vez subiu um cheiro terrível. Tinham jogado um cavalo lá dentro, com as patas amarradas e tudo. Ficou um cheiro ruim na região inteira”, contou. 

“Além de jogarem animais mortos, as pessoas também jogam lixo, como pneus. E, nessas circunstâncias, é fácil dar dengue” (tem casos de dengue na região), teme outra moradora da região, Conceição Meirelles. 

Conceição trabalha como cuidadora e mora perto da Lagoinha há oito anos. “Lá era muito cheio de lixo, faziam do lugar um entulho. Fedia demais. Por isso comecei a limpar por conta própria”, explica a mulher.

Crianças brincando no Parque Lagoinha | Foto: Luis Guilherme Telesca/Cedida ao Esquina

Ela começou a fazer a limpeza do lugar sozinha: a cuidadora recolhe o lixo, faz algumas plantações e coloca placas para sinalizar que o descarte impróprio no local é proibido. A moradora tenta compensar a falta da ação do estado no local.

“Mas estou na fé que os nossos governantes passarão a valorizar mais esse espaço aqui”, diz Conceição. 

Vontade política

Para Ivanete Silva, a problemática da Lagoinha depende da “vontade política”. Para ela, é necessária uma fiscalização mais rígida do Instituto Brasília Ambiental (Ibram). “Se a população não estivesse protegendo, o governo já teria aterrado. Tanto que eles (o Ibram) falam que isso aqui (o espaço da Lagoinha) não tem relevância ecológica.”

Ao ser questionada, a assessoria de imprensa do Ibram informou que o órgão não considera a Lagoinha com atributos ambientais relevantes para ser considerada uma Unidade de Conservação. 

O Parque da Lagoinha já foi considerado Parque Ecológico e foi entregue ao Ibram como unidade de preservação. Isso aconteceu quando o instituto foi criado e virou o responsável pela gestão desses espaços, em 2007.

Porém, na época, boa parte do Parque da Lagoinha já tinha sido ocupada. 

Nova classificação

Para o professor de ecologia José Francisco Gonçalves, recategorizar a Lagoinha como parque seria uma medida adequada de resolução desta problemática ambiental. Ao deixar de ser Parque Ecológico, a fiscalização da Lagoinha diminuiu, o que aumentou a degradação. A área é poluída e não recebe os devidos cuidados ambientais necessários para manter a água do local limpa.

Toda nascente, quando degradada, prejudica o fluxo do rio principal, que nesse caso seria o Melchior. “E isso de fato pode vir a ser um problema”, afirma o professor

“O governo tem que vir ajudar. Só a gente não dá conta, não. Mas quando chamamos, ninguém vem. Fazem de conta que não existimos”, lamenta Selma. 

Essa é a grande preocupação dos moradores e ativistas que lutam pela preservação da Lagoinha. “A gente tem a obrigação e o dever de proteger a Lagoinha, que é um espaço hídrico importantíssimo”, explica Ivanete. 

Mas a pedagoga também sabe que interesses maiores vêm antes das necessidades ambientais e sociais de uma população. “Preservar é caro. O meio ambiente não dá dinheiro, ele tira. Ele proíbe a exploração dos recursos. Ele odeia o capitalismo selvagem”, enfatiza.

Foto: Luis Guilherme Telesca/Cedida ao Esquina

Um futuro melhor

Mesmo sem sinais de que o Estado irá voltar os olhos para a Lagoinha, os moradores do Sol Nascente já sonham com um Parque da Lagoinha idealizado. Conceição planeja aumentar a plantação e se vê estendendo redes nas árvores do local. “Vou deitar ali, na sombrinha”.

“Se tudo der certo, a gente vai ter paz. Vai ser bom, vai ficar limpinho. Ali é maravilhoso, vai ser muito valorizado”, conclui Selma.

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress