Detento morre dentro da Papuda e família denuncia espancamento; secretaria nega

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Na manhã da última segunda-feira (30), por volta das 6h40, Cleiciano das Neves Dantas, de 22 anos, foi encontrado inconsciente dentro de uma cela no Centro de Detenção Provisória (CDP), no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal.

Complexo Penitenciário da Papuda. Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Policiais penais que faziam plantão prestaram os primeiros socorros e acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que chegou ao local minutos depois e confirmou o óbito. A causa da morte ainda está sendo analisada oficialmente, mas para os familiares, os sinais de violência no corpo falam por si.

“Estava todo roxo. A boca, as axilas, os joelhos, os pés. Não foi só uma morte. Foi espancamento, foi tortura”, denuncia Débora Balbino Soares da Silva, de 28 anos, companheira de Cleiciano há cinco anos e mãe dos dois filhos do casal, um bebê de seis meses e um menino de dois anos. A reportagem teve acesso aos registros fotográficos feitos pela companheira durante o velório da vítima.

Segundo Débora, o jovem enfrentava transtornos mentais graves, como depressão e surtos psicóticos, desencadeados após a morte do pai de Cleiciano. “Ele via o pai falecido, gritava, se machucava. Já tinha tentado se matar em casa. Buscamos ajuda e ele foi diagnosticado com depressão, ansiedade e outros transtornos”, afirma.

A prisão de Cleiciano ocorreu durante um desses episódios. De acordo com a mulher, ele saiu de casa em surto e atirou uma pedra contra uma viatura da Polícia Militar. “Ele precisava de tratamento, não de cadeia”, lamenta.

Sem visitas. Sem notícias. Sem socorro.

Durante os dois meses em que esteve detido, Cleiciano não estava autorizado a receber visitas, o que era tratado como uma forma de castigo para o detento. A mãe não conseguiu concluir o cadastro exigido. Débora, por sua vez, tinha uma medida protetiva contra ele, fruto de episódios agressivos, que, segundo ela, estavam associados à condição psiquiátrica. “Ele nunca me bateu. Só quebrava as coisas. Eu tive medo e pedi a medida. Depois entendemos que era tudo consequência da depressão.”

Na manhã em que morreu, o sistema indicava que Cleiciano havia sido transferido do castigo para uma cela comum. Nesse mesmo dia, a notícia chegou à família: ele estava morto. O corpo só foi recolhido à noite. Para Débora, o tempo de silêncio diz tanto quanto os hematomas.“Eles disseram que ele passou mal. Mas o corpo dele mostrava outra coisa. Ele entrou andando e saiu morto.” relata a companheira que registrou em fotografias os machucados no corpo de Cleiciano.

O que diz a Seape/DF

Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) informou que Cleiciano foi encontrado inconsciente por policiais penais, após outros custodiados chamarem por ajuda. “Foram iniciadas manobras de reanimação até a chegada da equipe do SAMU, que constatou o óbito”, diz o comunicado. A Seape afirma que não foram observados sinais aparentes de lesão e que não houve relato de confronto com policiais penais.

O caso foi registrado na 30ª Delegacia de Polícia de São Sebastião, e um Procedimento de Investigação Preliminar (PIP) foi instaurado. A Seape também informou que, no dia da morte, Cleiciano ocupava cela coletiva e estava apto a receber visitas, mas que nenhum dos visitantes cadastrados havia concluído presencialmente o processo de habilitação.

A Secretaria de Justiça e Cidadania do DF (Sejus-DF) também foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até a última atualização da matéria.

Indignação

A morte de Cleiciano gerou comoção entre familiares e movimentos de defesa dos direitos humanos.

“Ele foi preso, sim. Mas entrou vivo. Andando, respirando, falando. E saiu morto”, mensagem que circula em grupos de WhatsApp e redes sociais.

O grupo “Justiça por Cleiciano”, criado no WhatsApp logo após o sepultamento, já reúne mais de 300 integrantes, entre mães, esposas e familiares de detentos do DF. A mobilização articula o envio de denúncias à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF).

Por Ana Tominaga

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress