Em busca de famílias: entidades no DF ampliam significado do acolhimento

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Histórias de abandono, negligência e violência chegam diariamente ao Instituto do Carinho, entidade que tem 11 anos de existência e está  localizada em Ceilândia Norte. O abrigo, que atua em parceria com o governo, atualmente está com 37 crianças,  é uma das 15 instituições de acolhimento da capital e já recebeu 312 meninas e meninos.

De recém-nascidos a jovens de 17 anos de idade, que foram afastados de suas famílias por medidas protetivas, determinadas judicialmente, em resposta a violações de direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entre as trajetórias, há aquelas também de famílias que não conseguiram cuidar ou proteger as crianças. 

Fazem parte de seus muros brancos o Lar Bezerra de Menezes, fundado em 2011, e a Casa do Carinho, que recebe crianças portadoras de síndromes raras que não podem deixar seus leitos, fundada em 2017. Juntas, as duas casas formam o Instituto do Carinho.

Além do acolhimento, a instituição desenvolve projetos sociais como Criança do Futuro, que recebe a comunidade da Ceilândia e oferece aulas gratuitas de futebol, música, balé e capoeira. 

A porta de entrada para o acolhimento é, via de regra, pelo Conselho Tutelar, que apura as denúncias, que no DF pode ser realizada através do Disque 100, de forma anônima. O poder judiciário e o Ministério Público atuam ao gerir o sistema de acolhimento e executar as medidas protetivas do artigo 101 do ECA, além de fiscalizar o bom uso da lei. 

Só então, após decisão judicial, o jovem é encaminhado ao Acolhimento, que fica responsável por, além de apresentar para as crianças e adolescentes os conceitos de uma vida dentro do cumprimento legal de seus direitos, e oferecer a elas o acesso à educação, saúde e lazer, as reinserir à sua família de origem ou encontrar um novo lar para elas.

“É obrigação. Está na lei que deve haver a tentativa de reinserir a criança na família”, explica o psicólogo Patrick Maciel, que tem 27 anos e já passou um pouco mais de dois deles trabalhando no Instituto do Carinho.

“Quando as crianças vêm para cá, o nosso trabalho é fazer um estudo com as famílias. Cuidar da criança é cuidar da família”, completa. 

De acordo o profissional, é papel das Unidades de Acolhimento ensinar, estudar e trazer os familiares para dentro do contexto de cumprimento de direitos, para que a reinserção seja positiva. Entretanto, quando o Instituto não consegue contato efetivo e o trabalho não resulta em melhora e mudanças dos padrões de violação de direitos, a partir do acompanhamento judicial, é determinado o cadastramento do jovem na adoção e a sua inserção em uma família afetiva substituta.

A assessora jurídica da área de psicologia da Defensoria Pública do DF, Ana Maria Mendes, explica ainda que o papel da Instituição que acolhe crianças e adolescentes possui pilares de proteção aos mais vulneráveis. “O psicólogo precisa entender a demanda que a criança está trazendo e o contexto que ela vivia e por que foi encaminhada para o acolhimento”.

A partir dessa realidade, ocorre o levantamento das necessidades para que as crianças entendam o que está acontecendo,  gerenciando os possíveis traumas que as criança carregam e esclarecer e orientar os jovens e seus familiares”, pontua a psicóloga.


Lar Bezerra de Menezes

Atualmente o Instituto do Carinho abriga 37 crianças, o que significa cerca de 92,5% da capacidade, que é de 40 crianças e adolescentes, 20 vagas para cada Casa. Dos 0 aos 10 anos, elas são recebidas no Lar Bezerra de Menezes.

Hilda Montalvão De Brito, que atua como mãe social desde a construção do espaço, conheceu o Instituto através do anúncio de um jornal e viu ali uma oportunidade de deixar o seu currículo. Ela diz que a história dela e a do Lar se misturam. “Minha filha cresceu aqui, junto comigo e com eles”, conta. 

A jornada de trabalho de Hilda é de 24 horas de trabalho por 72 horas de descanso. “A gente fica o dia e dorme aqui também, quando dá para dormir a gente dorme. Cochila… agora com as recém-nascidas que a gente tá tendo, a gente cochila! Porque de 3 em 3 horas… elas são um reloginho certinho!”

Encaminhadas para o Instituto já com os seus nomes no cadastro de adoção, das três recém-nascidas citadas pela mãe solidária, duas possuem 15 dias e uma delas, um mês de vida, apesar de ser a menor do trio, por ter nascido prematura. 

Elas chegaram ao Instituto com sete dias e Hilda e as outras mães sociais são, até o momento, as únicas referências maternas para elas. Mãe solidária há 12 anos, Hilda diz cuidar das crianças como se fossem dela, mas apesar da dedicação das cuidadoras do Lar Bezerra de Menezes, elas ainda possuem outras 15 crianças em responsabilidade. 

“São duas cuidadoras por turno aqui, elas não podem ficar com o bebê no colo o tempo inteiro. Um bebê precisa ficar no colo, ele tem que ficar em uma relação simbiótica com a mãe dele, que é a mãe protegendo, a mãe cuidando”, avalia o psicólogo Patrick Maciel.

Quarto que 7 meninos dividem                                                     11 meninas dividem o quarto

De acordo com o profissional, quando as crianças chegam ao Instituto muitas delas não entendem a razão de estarem ali.

“É difícil…elas acham que é culpa delas, mas a gente tenta explicar e com o tempo elas vão sentindo um cuidado diferente. Aqui elas tem rotina, elas comem bem, vão para a escola, tem a roupinha delas, então, mesmo que elas não queiram estar aqui, vão de certa forma gostando de uma parte do acolhimento. Mas sempre tem a parte que elas não gostam, porque estão longe das pessoas que elas conhecem e que fazem parte da vida”, explica Patrick Maciel.

 “Acho que elas passam a amar estar aqui, porque elas têm cuidados, mas todo mundo quer uma família. É importante entender que se você nasce em uma situação e você é sempre tratado daquela forma, para você aquilo é o normal. Você não tem outra referência. Quando a criança começa a ter outra vivência ela começa a entender por que que ela foi tirada da família”, completa.

A advogada Ana Maria Mendes ressalta que o acolhimento, apesar de ser uma medida protetiva excepcional, onde a criança passa a ser protegida e a receber cuidados, não é o meio mais favorável para ela estar. De acordo com a psicóloga, é na primeira infância que as questões neuropsicológicas, intelectuais e sociais são formadas e, por isso, as crianças necessitam de uma representação familiar, onde pode ser reconhecido o seu papel. 

“Permanecer no acolhimento não é benéfico por conta da formação da personalidade e por elas já terem saído de um contexto de violência. Eles estão ali, sim, sendo cuidados, porém, eles necessitam de um espaço família. Apesar da necessidade do acolhimento para a segurança dessa criança, não é o lugar ideal para o seu desenvolvimento”, explica a advogada

O psicólogo Patrick Maciel, desde o início, já havia demarcado o tom da conversa: “nenhuma criança ou adolescente pode viver bem em condições de institucionalização”. Segundo ele, por mais que na Casa os direitos delas sejam cumpridos, em hipótese alguma deve existir a compreensão de que aquele é o melhor lugar do mundo para as crianças.

O melhor lugar do mundo é uma família bem estruturada, adequada, que cuida bem da criança, que a ama. Eu acho que certas vezes, em certos casos, é até um alívio ir embora”, opina Patrick.

De acordo com a lei nº 13.509, “a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não pode ser prolongada por mais de 18 meses, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária”. A advogada Ana Maria Mendes explica que existe um ponto fundamental que ultrapassa a lei: os casos que não estão dentro do perfil de adoção nacional.

Cuidados especiais

Das 37 crianças do Instituto, 19 delas fazem parte da Casa do Carinho, que acolhe crianças portadoras de síndromes raras que não podem deixar seus leitos. “

São perfis muito delicados. As pessoas que estão na fila para adotar normalmente não querem crianças com perfis especiais. São muito raros os casos. Então são crianças que ficam muito tempo e não tem previsão de saída. Nesses casos, por mais que fira o direito deles, não tem como eles saírem. Fere mais o direito deles se a gente largar no nada, do que ficar aqui sendo bem cuidado”, explica Patrick, que atua como psicólogo das duas casas.

Um desses adolescentes espera por um lar desde 2014 e, por estar perto da maioridade, possui um destino incerto. “A gente não sabe para onde ele vai depois daqui, porque não pode colocar o acolhimento de criança e adolescente junto com adulto. Provavelmente ele vai para um lugar que acolha adultos ou o nosso presidente vai pensar em alguma coisa… Nem que construa um quartinho para ele, mas ele definitivamente não pode estar no mesmo local que as crianças e adolescentes que estão em acolhimento”, compartilha Patrick Maciel.

 Para o psicólogo esse é um dos casos que mais o toca. “O caso dele é muito marcante. Ele sobreviveu a um acidente com 14 anos, ele podia ter morrido. Em termos chulos ele tomou uma porrada muito forte na cabeça e perdeu parte do cérebro e a partir disso perdeu a movimentação do corpo. Ele está virando adulto, está no cadastro, mas não existe perspectiva nenhuma de ser adotado”, desabafa o psicólogo.

O grupo que compõe a segunda Casa possui entre 0 e 17 anos e além daquelas que aguardam uma adoção, que pode nunca vir a acontecer, alguns deles possuem família em cidades do entorno do DF, que, por não possuírem condições de mantê-las, as crianças e adolescentes são institucionalizadas. 

A Casa do Carinho funciona com o cuidado home care, uma modalidade de atendimento de saúde que prevê a continuidade do tratamento de forma domiciliar, através de uma equipe multidisciplinar com estrutura especializada e protocolos de segurança. Nos leitos, cada morador recebe os cuidados e o carinho de um profissional exclusivo, 24 horas por dia, sete dias por semana.

 “A gente faz uma escuta, tentamos conversar e entender como eles se comunicam também. Tem crianças que a família tem dificuldade para manter a visitação constante, então a gente senta com as crianças, do ladinho delas, e explica. Mas eles têm um acompanhamento, as próprias cuidadoras que tão ali com eles também conversam muito, dão atenção, carinho. É um trabalho muito humanizado”, conta Patrick Maciel.

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Entidade promove programas de acolhimento infantojuvenil – Agência de Notícias CEUB (uniceub.br)

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Serviço:
Conselho Tutelar – Telefones 3213-0657, 3213-0763 ou 3213-0766, ou ainda de forma online, pelo e-mail cisdeca@sejus.df.gov.br

Instituto Carinho

QNN 5, Conjunto M, Casa 16, 72225-063, Ceilândia Norte

Telefone: (61) 99963-5551

Email: contato@institutodocarinho.org.br


Por Madu Toledo (texto e fotos)
Supervisão de Vivaldo de Sousa e Luiz Claudio Ferreira

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