“Tá vendo aquele edifício, moço?”; conheça histórias de quem ajudou a erguer Brasília

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Foi com apenas 18 anos que Eurípedes Menezes saiu de Goiatuba (GO), onde trabalhava na lavoura dos pais, com apenas um amigo para trabalhar na construção de Brasília. “As principais avenidas aqui de Brasília eu ajudei a construir tudo em cima de máquina”.

Hoje, aposentado, aos 83 anos, relembra que foi no boca-a-boca da cidade que o jovem Eurípedes se sentiu motivado a ir até a nova capital.

“A gente tinha vizinho que ia trabalhar em Brasília e quando vinham visitar a família comentavam, foi um amigo que me convidou pra vir pra cá, aí eu vim com ele”.  

Sonho na década de 1950

O sonho de se mudar para a nova capital era algo que a maior parte dos brasileiros tinham em mente. Em 1957, chegaram os primeiros trabalhadores, chamados de candangos, atraídos pela chance de um novo começo.

Segundo divulgou o site do governo, foram 256 os primeiros migrantes e em sua maioria nascidos no Norte e no Nordeste do país. 

Retirantes chegam para trabalhar na construção da nova capital, em janeiro de 1958. Foto: Arquivo Público do DF

Com a intenção de ter melhores condições de vida, muitos trabalhadores de diferentes Estados partiram em direção ao Centro-Oeste. O aumento de migrantes na região cresceu rapidamente, a demanda por comércio, serviço e infraestrutura crescia na mesma proporção.

Em 1969, Brasília tinha nove anos desde a sua inauguração, naquela época o favelamento já era um problema discutido pelo governo. 

O número chegava a 79.128 favelados, 14.607 moravam em barracos. Por esse motivo foi criada a Campanha de Erradicação das Invasões – CEI, projeto do então governador de Brasília, Hélio Prates, que iria transferir essa população para os arredores da capital, na região conhecida hoje como Ceilândia.

Atualmente Sol Nascente, região que até pouco tempo atrás fazia parte de Ceilândia, é considerada a maior favela do Brasil. Os mesmos que levantaram Brasília com as próprias mãos foram excluídos da população considerada nobre. 

O começo de tudo 

Eurípedes trabalhou durante três anos operando máquinas, em 1958 sua jornada como operário começou. Ele dormia em um acampamento de madeira. Os quartos eram ocupados por beliches que acomodavam os candangos e as refeições eram feitas na cantina em que a companhia oferecia.

O candango recorda que chegou até a cidade sem saber como operar as máquinas, começou como ajudante e foi fazendo amizade com um grupo de operadores em que passou a operar também.

As oportunidades eram poucas. Era na calada da noite quando a chefia não estava por perto que os amigos ensinaram Eurípedes a operar. 

Embora a construção fosse uma oportunidade melhor de trabalho do que a lavoura, muitas vezes a carga horária do trabalho passava de 20 horas, as horas de descanso eram escassas e a saudade da família frequente.

“Naquela época a gente trabalhava direto. Na maioria das vezes, 24 horas por dia, então você não tinha folga e muitas vezes nem o final de semana… me incomodava muito a falta da família, eles  ficavam em outro Estado”. 

O acampamento era formado apenas por homens, e as viagens eram frequentes.

O idoso que já passou por muitas construtoras conta que a vida de operário o impedia de formar uma família. Foi em 1962 que ele decidiu sair da empresa e formar uma família na cidade dos sonhos.

“Em 1962, eu resolvi deixar a companhia porque a gente mudava muito, elas transferiam você e você tinha que ir junto com ela e se não quisesse mudar tinha que pedir demissão… eu casei em 1964 ai eu parei de trabalhar com máquina porque eu não quis mais viajar”.

Foi no ano de 2000 que ele se aposentou, atualmente mora na área rural localizada na Ponte Alta do Gama. A vida que leva hoje foge completamente dos altos padrões do Plano Piloto, área que ajudou a construir e que possui um dos maiores índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de Brasília.

“Hoje eu vivo tranquilo graças a Deus a aposentadoria é pequena mas dá para levar, eu acho que o governo deveria pagar mais para o caso de aposentado porque o valor é muito baixo né? e a correção não compensa.” 

“Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?”

Pedreiro em atividade

Antônio Matias da Silva Araújo, de 55 anos, mora em Brazlândia e explica que aprendeu a trabalhar como pedreiro desde jovem com o pai. Ele tem quatro filhos. O mais velho é pedreiro também. Mas uma das filhas foi para o curso de pedagogia.

A diária de um pedreiro na região onde ele mora costuma ser R$ 150 para 8 horas trabalhadas já em lugares como Plano Piloto, Park Way e Lago Norte e Sul a diária está em torno de R$ 200.  

“A renda de um pedreiro dá pra sobreviver né? não dá pra ter uma renda assim não, tem mês que é bom você ganha 3 mil. Tem mês que você ganha menos. Se eu não trabalhar, não ganho nada. Tem mês que só entra 1.500”

“Sempre tem alguém que acha que é melhor que todo mundo, né? Sempre tem gente que trata você mal, isso é até normal nesse meio, tem lugar que você trabalha e a pessoa não dá nem água pra você beber”.

Conheça histórias de pioneiros de Brasília

“Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?”

Essa reportagem é inspirada na música Cidadão de Zé Ramalho

Zé Ramalho- Cidadão

Por Cecília Ledo

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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