Trabalhadores de aplicativos do DF denunciam vulnerabilidade

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Estudo aponta que quase 60% dos motoristas e entregadores de aplicativos no Brasil já sofreram algum tipo de violência

Reprodução/Agência Brasil

“Estava apenas aguardando uma corrida, como qualquer outra, e então vivi o pior momento da minha vida”, relata Jhony Charlies Gonçalves do Nascimento, 22 anos, ex-funcionário de um aplicativo de corrida. Em fevereiro deste ano, Jhony foi alvo de injúria racial e ataques verbais por uma passageira no Distrito Federal. As agressões o levaram a buscar terapia e a deixar seu emprego. Motoristas e entregadores de aplicativos, como o Jhony, estão sujeitos a condições de trabalho precárias. Além das adversidades trabalhistas, os profissionais estão expostos a vários tipos de ataques. 

O relatório “Caminhos do Trabalho 2023”, divulgado em agosto de 2023 pelo Ministério do Trabalho em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), revela que quase 60% dos trabalhadores de aplicativos no país já sofreram algum tipo de violência durante a jornada de trabalho, sendo 18% casos de racismo ou violência de gênero.

Em Brasília, houve uma crescente de ataques contra prestadores de serviço de aplicativos após a pandemia da Covid-19. Dados divulgados em 2020 pela Secretaria de Segurança Pública apontam que, em média, a cada 82 horas, um desses trabalhadores é vítima de latrocínios, agressões e sequestros relâmpagos. Comparado aos anos anteriores, a ocorrência desses crimes aumentou 181%, de 38 casos para 107. 

Casos na capital 

Caio Rafael Carvalho Rocha, 33 anos, é entregador de aplicativo desde 2019. O trabalhador expõe ter sido humilhado por uma moradora de Ceilândia ao não subir até o apartamento para realizar a entrega. “Ela jogou a comida em mim dizendo que eu era obrigado a subir até o apartamento para realizar a entrega. Me senti muito humilhado, eu deveria possuir alguma dignidade sendo trabalhador”, relata. Caio Rafael chegou a realizar uma denúncia, encaminhá-la à Polícia Civil e alertou os seus colegas de trabalho por meio de grupos de WhatsApp. O entregador conta que até hoje não recebeu nenhuma indenização ou auxílio.

No caso de Jhony, ele foi abordado pela polícia no mesmo dia da agressão: “Eu, sendo um jovem negro, os policias já chegaram me apavorando, perguntando até de quem era o veículo”. O ex-motorista gravou os ataques racistas e apresentou a verdadeira versão aos policiais. A partir da testemunha de um morador de rua, que assistiu à situação, a agressora foi identificada e presa em flagrante, porém liberada no dia seguinte. E, assim como seu colega de trabalho, não recebeu amparo da plataforma e aguarda algum tipo de justiça. “O aplicativo não fez nada, não recebi nenhum tipo de indenização ou auxílio e ainda estamos esperando pelo dia da audiência”, expõe.

Em abril de 2023, uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, no Brasil, 1,6 milhão de pessoas trabalham como entregadores ou motoristas de aplicativos. A maioria desses trabalhadores são jovens, pretos, com baixa escolaridade e renda familiar inferior a dois salários mínimos.

Como a maioria dos profissionais não possui apoio necessário das plataformas que trabalham, muitos buscam apoio de colegas que sofrem das mesmas condições. Assim surgiu e cresceu a Associação de Trabalho e Assistência aos Motociclistas do Distrito Federal (Atam-DF). O vice-presidente da associação, Abel Santos, conta que teve a ideia para fortalecer a relação entre os trabalhadores em 2019, após um amigo ser vítima de racismo em Águas Claras enquanto trabalhava: “Ele foi fazer uma entrega e uma moradora o chamou de macaco. Falou que, por ele ser pobre, era obrigação dele atendê-la da forma que ela queria.” 

Além de acolher os trabalhadores, a Atam-DF participa dos principais debates de regulamentação. Hoje a associação possui dois projetos de leis dentro da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Um deles propõe a ‘faixa azul’, que permite o motociclista transitar e se organizar no trânsito, que busca evitar acidentes e proteger melhor os motociclistas. O segundo é a proibição de entrada e subida aos condomínios, tanto horizontais como verticais. “Chegou a ter moto destruída, agressão física, verbal, racismo, homofobia. Tudo isso já aconteceu no DF por o entregador não querer subir e o cliente descer e descontar a raiva em cima do trabalhador”, conta Abel. 

O dirigente também observa que, nas áreas onde as pessoas possuem um poder aquisitivo maior, é onde ocorrem as maiores agressões verbais: “Te julgam por conta da aparência, pelo que você está vestido.” Os entregadores não só sofrem na hora da entrega, mas durante todo o processo que envolve. “Tem muitos restaurantes em que as pessoas são ignorantes, donos de restaurantes que cometem racismo, homofobia e classismo”, diz Abel.

Ele ainda relata o que acontece quando um motofretista morre: “Para a despedida do ente querido, é necessário fazer uma vaquinha, porque, muitas vezes, a família perde a pessoa que a sustentava e não tem condições de custear os gastos de um enterro. Você vê que o INSS e o IFood não amparam, esse seguro do aplicativo não funciona, não tem esse retorno”, explica.

Segundo o colaborador, a associação tenta orientar o motorista com ações como acionar um órgão de segurança pública e fazer um boletim de ocorrência. “Com a nossa parceria com a Comissão de Direitos Humanos, a gente consegue fazer com que o órgão cumpra pelo menos o protocolo da lei. Fazer a investigação e encaminhar para a justiça da forma correta”, detalha. 

Falta de vínculo trabalhista

Em uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Motociclistas do DF (Sindmoto-DF) em 2020, os funcionários de aplicativos apontaram as desvantagens de trabalhar nas plataformas de entrega e as justificativas que obtiveram maiores índices foram: humilhações durante o expediente, ausência de direitos, sentir suas vidas colocadas em risco e baixa renda considerando o tempo de trabalho. 

Segundo o advogado trabalhista, Paulo Roberto de Castro Filho, as plataformas não possuem vínculo jurídico trabalhista com os funcionários de aplicativos. “Isso significa que esses entregadores e motoristas trabalham sem qualquer direito reconhecido. Eles não possuem férias, nem décimo terceiro, e se sofrerem um acidente ou alguma agressão, eles simplesmente ficam sem receber nada”, conclui. 

Abel Santos, em 2021, sofreu um acidente enquanto estava em serviço e, desde então, não se recuperou totalmente. “Um garoto de 18 anos me jogou do outro lado da pista do Pistão Norte. Minha moto deu perda total. Por não estar com EPI (Equipamento de Proteção Individual) adequado, que seriam as luvas, rompi parcialmente o tendão da mão e consequentemente perdi a qualidade de força. E o pior é que na ocorrência e no boletim do Samu não constava acidente de trabalho. Só um acidente de trânsito”, relata o vice-presidente da Atam-DF.

Antes desse ocorrido, Abel também trabalhou como motorista de aplicativo de corrida, mas em 2020, foi assaltado enquanto estava em serviço e parou de trabalhar para a plataforma pela própria segurança. “Foi uma das maiores e mais traumatizantes tipos de violências que eu já sofri. Tanto que daquele dia em diante eu já não quis mais rodar em aplicativo como motorista.  Por estar dentro dessa luta, acompanhei todos que morreram na mesma situação. Naquele mesmo ano, teve um colega que pegou a corrida em Águas Claras e o mataram na Estrutural, também teve um colega que morreu em Planaltina. Na hora me veio à mente justamente aqueles dois casos. E aí eu larguei e fiquei só na moto.” 

Por Amanda Canellas, Catharina Braga, Maria Clara Abreu e Maria Eduarda Fava

Sob supervisão de Isa Stacciarini

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