8 de Março: Mulheres cientistas brasileiras relatam obstáculos do meio acadêmico

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

“Não é do interesse de ninguém você ser uma cientista enquanto você é mãe”. O desabafo é da pesquisadora Camila Infanger, de 37 anos, mãe de duas crianças e atualmente na finalização de um doutorado na área de ciência política. A dificuldade em seguir no campo de pesquisa por mulheres não é exclusividade dela. Uma das desigualdades trazidas à tona no 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, é a desigualdade de espaço no meio acadêmico. Atualmente, de acordo com o CNPq, as mulheres constituem 43,7% das pesquisadoras, mas ocupam menos cargos de liderança, cerca de 39%, segundo pesquisa realizada pela Grant Thornton.

Outro desafio enfrentado pelas mulheres no Brasil é a remuneração. Segundo levantamento da consultoria IDados com base na pesquisa nacional por amostra de domicílio do IBGE de 2021, mulheres recebem cerca de 20% menos que homens, mesmo quando se compara trabalhadores com o mesmo perfil de escolaridade.

Maternidade

No caso de Camila, ela entende que existe interdições na área de pesquisa brasileira. Ela relata a pouca abertura para mulheres cientistas. “Na academia não tem um apoio real, as pessoas são individualistas, são normas ocultas que ninguém fala. A academia é tão conservadora que ela entende que é papel só da mulher a criação dos filhos.”

Laboratório da Universidade de Oxford, que produz o imunizante AstraZeneca. Foto: Divulgação/Universidade de Oxford

A pesquisadora lamenta a dificuldade de conciliar os estudos do mestrado e do doutorado com as tarefas da maternidade. “Meu trabalho acadêmico foi muito fragmentado, mas ainda estudava muito para o processo seletivo do doutorado. A prova de doutorado da USP, que foi online por causa da pandemia, eu tive que parar para amamentar, minha filha só tinha 3 meses.”

“As mulheres são socialmente criadas para estarem sempre atreladas a cuidados reprodutivos, essas atividades não são remuneradas ou são muito mal pagas. Para atingir a docência acadêmica você precisa ter lançado muitos artigos, ter feito muitas viagens, se as mulheres estão amarradas ao trabalho doméstico elas têm menos tempo para desenvolver pesquisas próprias e publicar artigos”, explica a pesquisadora Laira Tenca, estudiosa de gênero e política da Universidade de Brasília.

A pesquisadora ainda destaca a dificuldade de expor as situações de preconceito. “A academia é um espaço pequeno que se sustenta por micro relações e micro poderes, fazer denúncias ou comprovar discriminações de gênero é algo muito difícil e que envolve muitos riscos no final das contas.”

Rede Brasileira de Mulheres Cientistas

Na tentativa de compreender os efeitos da pandemia nas mulheres pesquisadoras, nasce a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas em 2020. Juliana Arruda, de 45 anos, reitora de assuntos estudantis da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, e atual coordenadora da rede, explica a ideia por trás do coletivo.

“Surgiu na época da pandemia, quando se tornou muito latente a questão contra a ciência e isso deixou todas nós [colegas cientistas] muito angustiadas de de repente voltar ao momento que a vacinação era questionável. Então, essas mulheres, de vários lugares do Brasil, começaram a se juntar e fazer ações para destacar a importância das vacinas. (…) essas primeiras mulheres do projeto então pensaram em uma carta, uma carta proposta, que convidaria outras colegas para participar dos debates.”

Juliana contextualiza que houve adesão à carta que, em poucos dias, já tinha alcançado 3.000 mulheres. “Juntamos essas pesquisadoras que acreditavam nessa proposta de que mulheres pudessem se amparar na ciência, que as mulheres pudessem fazer junto ciência e que a gente pudesse estimular meninas na ciência”, explica a cientista.

A proposta da RBMC é de um repositório de pesquisas e de debates de gênero nas instituições de ensino superior do país. A rede, que procura a divulgação científica de mulheres pesquisadoras, realiza também notas e campanhas para a criação de debates relevantes. “Para quem tá fazendo ciência, para quem está na academia pesquisando, não faz sentido se a pesquisa não consegue chegar no grande público, não faz sentido se isso não for divulgado e se a gente não consegue falar em diversas linguagens com pessoas diferentes.”

Campanhas e Integrantes

“Atualmente estamos com a campanha assédio zero que surge apartir de uma percepção que muitas colegas cientistas desistem ou são impedidas de progredir por conta do assédio sexual ou moral”, explica Juliana acerca do tema da nova campanha organizada pela rede brasileira de mulheres cientistas.

A campanha, que funciona por meio de lives salvas no youtube, pretende debater todas as nuances do assédio no meio acadêmico, mas também capta outras mulheres cientistas que sofreram algum tipo de violência. Como foi o caso de L.B. de 40 anos, professora efetiva de universidade federal, que decidiu se juntar à rede após se identificar com a campanha. “Eu sofri assédio pelo meu orientador de mestrado, ele me agarrou a força e me beijou, mas o que me chocou mais e me fez participar do projeto foi o assasinato e estupro de uma discente aqui no campus da universidade”.

LB relata que trabalhar em coletivos como a rede e grupos de trabalho ajuda a preservar sua autonomia e segurança no meio científico: “Quando a gente fala sobre violência é muito importante que a gente aja coletivamente porque é muito mais fácil combater uma pessoa só do que um coletivo. Participar da rede freia violências, mexeu comigo, não mexeu só comigo. Mexeu comigo, mexeu com todas”, defende a professora.

A data

8 de março é marcado internacionalmente pela luta feminina por direitos iguais. A data que, é muitas vezes confundida com festa, foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 e, mesmo com muitas divergências sobre sua verdadeira origem, carrega a importante história de mulheres operárias em busca da emancipação feminina.

Por Juliana Sousa
Supervisão de Katrine Boaventura

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress