No coração do continente gelado, um grupo de pesquisadores brasileiros planeja protagonizar um feito inédito: realizar a primeira missão espacial simulada do Brasil na Antártica.
Batizada de “Shadows of Shackleton”, a iniciativa, prevista para o verão antártico de 2026, contará com 25 dias de isolamento total em uma expedição científica e simbólica, que une tecnologia, treinamento extremo e comunicação pública.
Exposição da Aero Space Gyn na Campus Party Brasília. Foto: Riânia Melo
Missões
As missões análogas são expedições realizadas em locais da Terra que possuem semelhanças físicas com o espaço. Nessas atividades, são simuladas situações do que pode ocorrer com os astronautas e pessoas que querem ir ao espaço.
Durante a palestra no Campus Party Brasília, a engenheira biomédica Lorrane Olivlet, líder do projeto, explicou que essas expedições são essenciais no treinamento dos participantes.
“Essas missões preparam as pessoas para os desafios reais que vão encontrar no espaço, sejam físicos, psicológicos ou técnicos. É um treinamento integral que não pode ser substituído por laboratório ou computador.”
Existem duas estações de missões análogas no Brasil. A primeira é o “Habitat Mart”, que fica localizada em Caiçara do Rio do Vento, a cerca de 50 km de Natal (RN).
Esse ambiente semi-árido e rochoso simula as condições que são compatíveis com as de Marte.
Brasília
Já a segunda está em Brasília. Chama-se Wogel e o seu foco maior é mais educacional.
O Wogel é a primeira estação análoga móvel, o que o torna mais fácil de posicionar em outras localidades para fazer diferentes tipos de estudos.
No mar
Um outro local em que são feitas essas missões análogas é no mar aberto. Existem cursos de mergulho, como o “open water diver” e o módulo avançado “nitrox diver”
Essas atividades colocam os participantes em situações de pressão, desconforto e risco real que encenam acontecimentos que podem ocorrer também no espaço.
Sob condições adversas, simularam falhas no respirador, desalojamento de máscara e emergências subaquáticas, tudo para preparar os sentidos e o psicológico para situações de alto estresse.
Troca de conhecimento
Lorrane também adiciona a importância da comunidade e colaboração nacional na realização do projeto.
“O que move essa jornada é a troca de conhecimento. Ninguém chega ao espaço sozinho, e aqui no projeto. Cada um ensina e aprende, o que torna essa missão não só possível, mas inovadora”, exalta.
Lorrane Olivlet na Campus Party Brasília. Foto: Riânia Melo
Simbologia
Com cinco continentes representados, incluindo América do Sul, América do Norte e Europa, a missão deve ocorrer no Glaciar União, próxima ao Monte Vinson.
A equipe principal será composta por oito integrantes, incluindo uma médica especializada em ambientes extremos.
Nome do projeto
O nome do projeto homenageia o explorador Ernest Shackleton, cujo navio Endurance naufragou nas águas antárticas no início do século 20.
Depois de ficarem presos no gelo por dois anos, Shackleton conseguiu, heroicamente, levar todos os 28 tripulantes de volta em segurança, um exemplo de liderança e resiliência.
Para a pesquisadora, além dos sucessos, a missão demonstra a necessidade da democratização ao acesso à ciência e tecnologia.
“Queremos que o Brasil inteiro veja que a ciência espacial não é coisa de poucos. Cada pequeno passo, cada teste e cada erro é uma contribuição para todos, da escola pública à universidade”, ressalta.
Inspirados por essa jornada, os idealizadores usaram o nome “Shadows of Shackleton” não apenas como tributo, mas como analogia científica: a cratera lunar de mesmo nome, parcialmente permanentemente iluminada e com possíveis depósitos de gelo, espelha simbolicamente os segredos da Antártica.
Objetivos
O projeto é estruturado objetivos de inspirar jovens para ciências espaciais, testar tecnologias para inclusão de experimentos acadêmicos de outras universidades, desenvolver protocolos de segurança e saúde conduzidos por psicólogos, médicos e especialistas em ambientes extremos e produzir comunicação pública com uma websérie, a ser divulgada nas redes sociais dos participantes (como @loliblet) e no perfil oficial da missão (em modo incipiente).
Segundo a cientista, trata-se de um esforço genuinamente brasileiro, feito com espírito explorador e compromisso científico.
“Mais do que os resultados técnicos, o que esperamos é inspirar uma geração que entenda o valor da exploração, da colaboração e do sonho. Porque só assim a ciência realmente avança.”
Público vibra durante palestras da Campus Party Brasília. Foto: Maria Paula Valtudes
Como participar
O grupo abre espaço para colaborações de áreas diversas: psicologia, TI, robótica, audiovisual, apoio técnico e logística.
Os interessados podem se inscrever via Instagram @shadows_of_shackleton futuros comunicados e recursos estarão disponíveis por lá.
Os equipamentos incluindo o traje espacial fornecido por fabricantes da agência Roscosmos ainda estão em fase de definição.
Na medida em que as parcerias se consolidam, a previsão é que a expedição ocorra entre o fim de 2025 e o início de 2026, com adaptações possíveis conforme a logística.
Desafios
Desde já, a exploração já se provou ser algo algo complexo. “A logística é um pesadelo, a burocracia atrasa e os recursos são limitados”, diz a cientista.
Ela enfatiza, no entanto, que há dificuldades como logística remota, custos elevados, complexidade ambiental com clima extremo, burocracia e necessidade de articulação entre instituições acadêmicas e governamentais.
Ano que vem
Apesar disso, os organizadores mantêm o otimismo e a líder aponta que a missão pode estar mais próxima do que nunca.
“2026 é a previsão, mas estamos preparados para adaptar. Nosso time já inclui pessoas com experiência antártica e estamos firmando parcerias para viabilizar a missão”, reforça.
Inspiração
Para encerrar sua apresentação, Lorrane compartilhou uma citação de Van Gogh que ecoou como um mantra da missão:
“Eu não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar.”
SERVIÇO
Projeto: Shadows of Shackleton
Equipe: Oito integrantes + equipe de apoio remoto
Como acompanhar/colaborar: Instagram @shadows_of_shackleton
Leia mais sobre a Campus Party
Por Riânia Melo, Maria Eduarda Barros e Maria Paula Valtudes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira