Amar a si mesma em primeiro lugar é considerada uma ação de autocuidado nesses dias em que as redes sociais estão povoadas de declarações de amor de casais. Há quem celebre o Dia dos Namorados com um buquê de amor próprio e quem viva o 12 de junho sem a pressão do “felizes para sempre” a dois.
“Passei anos me colocando em segundo plano, vivendo para o outro, apagando minha luz. Hoje, meu maior romance é comigo mesma”. É assim que Ana Luiza Ferreira, 34 anos, mãe solo de um menino de cinco, define sua nova fase.
Depois de um casamento conturbado, Ana fez da solitude (amor a ficar consigo mesma) um caminho de cura. “Neste Dia dos Namorados, eu me presenteei com uma tatuagem. Foi minha forma de marcar na pele o compromisso comigo mesma”.

“Bombardeio”
Como Ana, muitas pessoas estão reinventando o conceito de estar só. Segundo o psicólogo Rafael Meireles, especialista em relações afetivas, o problema não é a data em si, mas a forma como ela é “vendida”.
“A sociedade nos bombardeia com a ideia de que estar só é sinônimo de fracasso. As campanhas publicitárias invisibilizam quem está solteiro, em luto ou optou conscientemente por estar só. E isso gera um sofrimento silencioso”, afirma.
De acordo com ele, junho pode ser especialmente desafiador. “É uma época em que as redes sociais se enchem de declarações românticas, o que pode acionar gatilhos em quem passou por términos recentes, está em luto ou tentando se reconstruir. A pressão é real e precisa ser falada.”
Liberdade
Para a jornalista Marina Torres, de 42 anos, a escolha de estar só foi estratégia libertadora. “Após meu divórcio, percebi que nunca vivi de fato para mim. Hoje, estou focada na minha carreira e redescobrindo meus desejos. Não é solidão, é solitude. E é bonita, leve, cheia de descobertas.”
Outra mãe solo, a publicitária Thaís Oliveira, que tem filhos gêmeos, também compartilha dessa visão. “Passei por um puerpério intenso e solitário. Só agora, com meus filhos maiores, comecei a me olhar de novo. Entendi que me priorizar não é egoísmo, é sobrevivência. Antes eu me via como metade, agora sou inteira, com ou sem par”.
Ponto de partida
A jornalista e escritora brasiliense Natália Rios, que recentemente lançou um livro sobre autoamor, reforça a importância de desromantizar a ideia de que precisamos de um par para sermos completos.
“O amor-próprio ainda é visto como um plano B. Mas ele deveria ser o ponto de partida. A gente aprende desde cedo que o ápice da felicidade é encontrar alguém. E quem somos nós quando estamos sós? Essa resposta é poderosa.”
“Mergulho profundo”
Rafael Meireles explica que a construção da autoestima passa por esse questionamento. “Estar só não significa estar incompleto. A solitude permite um mergulho profundo na própria identidade. É uma fase de fortalecimento emocional, de reconexão com os próprios valores e desejos.”
Ainda assim, ele alerta que é preciso distinguir solitude de isolamento. “Ficar só não pode ser uma prisão. É saudável quando é uma escolha, quando há autocompaixão, vínculos afetivos de outras naturezas com amigos, filhos, comunidades. O que precisamos é de relações significativas, não necessariamente românticas.”
Segundo o especialista, em um mundo que ainda mede sucesso pela vida a dois, a coragem de estar só pode ser um ato revolucionário.
Por Hevellyn Cirqueira
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira