Feminismo não é o contrário de machismo

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Feminismo

Lutamos na construção de um mundo melhor para todas as pessoas, inclusive para os homens”. É o que diz a coordenadora regional da Rede Feminista de Saúde, Rayane Rocha. Apesar de ser um tema discutido desde o século passado, ainda há confusão quanto ao objetivo do movimento feminista. O feminismo pretende sobrepor as mulheres aos homens? Rayane explica que não. “Embora sejamos muitas em movimentos, temos alguns princípios em comum: lutamos por direitos iguais entre homens e mulheres”.

Para a historiadora Joelma Rodrigues, a hegemonia do pensamento machista é o que causa a deturpação do conceito de feminismo. “Não se conhece, nem se deseja conhecer, o que sejam os feminismos. Pretende-se reforçar os papéis de gênero naturalizados: a mãe, a santa, a puta… Feminismo é sinônimo de equidade, não de dominação”.

Correntes

A cientista política e idealizadora do projeto Eu vejo flores em você, Daniela Duarte, de 23 anos, cita as vertentes do feminismo mais comuns: o feminismo liberal, o feminismo radical e o feminismo interseccional. Para Daniela, o feminismo liberal dialoga mais com os homens e com as pessoas que possuem pouco conhecimento sobre o movimento. “Todos os espectros do feminismo são importantes. O liberal, por exemplo, consegue quebrar certos mitos básicos como o de que o feminismo e machismo são opostos”, explicou.

Já o feminismo radical busca uma mudança social mais drástica, segundo Daniela. “O feminismo radical trabalha de forma utópica e distante da realidade, desconsiderando, por exemplo, as mulheres trans”.

A estudante de sociologia, Eva Nogueira, 20 anos, destacou a crença na abolição de gênero como peça fundamental do feminismo radical. “O feminismo radical não é incontestavelmente uma coisa, mas considera que a principal opressão é a de gênero, algo que não é designado ao nascer”.

Eva apontou a vertente interseccional como a que mais lhe representa, por ser negra e bissexual. Esta vertente luta pelos direitos iguais não só na questão de gênero, mas combinada, especialmente, às questões de raça e de classe social. “Mulher e negra é o setor mais oprimido da sociedade. Somos oprimidas por homens brancos, homens negros e mulheres brancas”, contou Eva.

Para a feminista Ana Carolina Lacombe, de 24 anos, a divisão das correntes feministas é importante, para enxergar diferentes pontos de vista. Mas discorda que deva existir competição entre as vertentes. “Há muitas mulheres que não concordam de forma alguma com nenhum argumento do feminismo radical, por exemplo. E vice-versa. Assim, acabam propagando um ódio gratuito. E isso desmancha o movimento de dentro para fora”.

Segundo a feminista, deve-se evitar conflitos internos no movimento, pois um dos aspectos mais importantes é a solidariedade. “Deve haver irmandade e solidariedade entre as mulheres. Se não for a gente se ajudando, quem vai nos ajudar?”, argumentou.

Eva Nogueira reconheceu que os homens também se veem prejudicados na sociedade e que o feminismo tem seu papel de importância para eles. “Eles [homens] devem cumprir alguns papéis. Eles sempre têm que ter aquela imagem do ‘machão’, forte e que não pode chorar, a liberdade também se restringe”.

Não precisar seguir padrões formados, aceitação como pessoa e melhora da autoestima foram algumas das principais mudanças que o movimento feminista trouxe para a estudante. “Somos criadas para ver as outras mulheres como rivais. Ou mais bonitas ou a que ‘o homem vai preferir’, sempre competindo por homens”, ratificou.

Femismo? Feminazi?

Em adição à polêmica, termos como “femismo” e “feminazi” têm sido usados em blogs e redes sociais para definir um tipo de comportamento que privilegia o sexo feminino, em detrimento do masculino. Há, no entanto, controvérsias quanto à categorização do termo como um movimento. A cientista política Daniela Duarte conta que, em sua percepção, “femismo” é uma palavra inventada para tornar pejorativas algumas dissidências de correntes do movimento feminista. “Não acho que de fato exista um femismo”, disse.

Rayane Rocha compartilha da mesma visão. Para a coordenadora da Rede Feminista de Saúde, o femismo nunca existiu como movimento. “Se depender de nós, feministas, o femismo nunca existirá. Não queremos trocar de lugar com os homens e ocupar o lugar da ‘opressora’. Femismo é uma fantasia”.

Etimologia

A professora do departamento de Letras da UnB, Enilde Leite, explica que as palavras “feminismo” e “femismo” têm a mesma origem, do latim “femina”, que significa fêmea. Apesar de o termo “femismo” não ser reconhecido em dicionários ou artigos, a professora afirma que pode ser definido como o oposto de machismo. “Se pensarmos em femismo, este termo estaria no mesmo paradigma de machismo, pois ambos estão em posição negativa. E aí passaríamos a considerar que seria um comportamento de quem não aceita a igualdade de direitos”.

Enilde esclarece que feminismo e machismo não são palavras contrárias, apesar de serem frequentemente colocadas em oposição. “O feminismo, curiosamente, não tem o machismo como paralelo terminológico, pois se impõe como uma ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher”.

Para a cientista política Daniela, a melhor forma de desconstruir o mito de que o feminismo é o contrário de machismo se dá através da propagação da corrente liberal, que é mais acessível e melhor aceita no meio social.

Já Ana Carolina acredita que a solução reside no conhecimento. Feminista há três anos, a produtora executiva defende o estudo como a melhor ferramenta. “Eu não vejo nenhuma saída que não seja a pessoa parar e ler. É a saída mais difícil, porque se fosse fácil, as pessoas já teriam entendido que o feminismo é diferente do machismo”.

Vale lembrar…

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Por Bruna Maury e João Victor Bachilli

Arte: Camila Campos

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