Com a atual crise econômica, Julia Martiningo, de 17 anos, teve que adaptar o sonho do intercâmbio às dificuldades do momento. Há dois anos, ela decidiu que queria embarcar na aventura e os pais começaram a economizar com um ano de antecedência para que os gastos não fossem demais para o orçamento da família. Dados da Associação Brasileira das Agências de Intercâmbio (Belta) mostram que o caso de Julia não é excepcional. Mesmo com a crise, a procura aumentou 600% de janeiro a julho de 2015, em comparação ao mesmo período de 2014.
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O economista Roberto Piscitelli explica que, atualmente, o intercâmbio é uma qualificação que se sobressai e ajuda no crescimento profissional, podendo ser uma grande porta para novas oportunidades. “A crise não deve ser um obstáculo para programas de intercâmbio. Ela deve ser um estímulo nesse momento de crise que o país se encontra, uma vez que as pessoas podem usar a oportunidade para obter conhecimento em diversas áreas”. As experiências profissionais e pessoais, que o intercâmbio traz, proporcionam um investimento em longo prazo. Porém, no atual momento financeiro, o planejamento deve ser feito com antecedência e os programas devem ser vantajosos para o crescimento do intercambista.
Oportunidade
Julia ingressou no programa High School, em Gold Coast, na Austrália, no começo desse ano. “Sempre soube que queria fazer intercâmbio e minha família me incentivou muito. Minha irmã mais velha também fez o High School quando tinha minha idade e isso me fez enxergar as grandes oportunidades que teria. A diferença é que quando ela foi, em 2011, o país não estava em crise”.
O pai, Antônio Martiningo, é auditor e conta que reservou parte da renda para poder proporcionar a experiência à filha, sem que a qualidade de vida de sua família fosse afetada. “O intercâmbio é uma experiência multicultural, extremamente relevante para a vida pessoal e profissional. Apesar de ser algo muito caro e o momento não favorecer tanto, esse é um investimento que penso ser importante e que, no final, acaba valendo muito a pena por possibilitar que o estudante cresça em diversos âmbitos”.
O auditor acrescenta que é bem rigoroso quanto ao valor mensal que a filha recebe para viver na Austrália. “Eu mando todo mês uma quantidade justa para que ela possa se virar lá. Acho que não têm necessidade de ficar mandando muito dinheiro, senão ela extrapola nos gastos”. Ela explica que, quando precisa de mais dinheiro para algo importante, voltam a conversar. “Nós negociamos o valor”. Para questões de sobrevivência, como alimentação e acomodação, a família que a hospeda, sua “Host Family”, recebe valor acertado para proporcionar os benefícios ao estudante.
Mercado
Segundo a Agência de Intercâmbio STB, em Brasília, ao contrário do que se possa imaginar, a procura pelos programas na crise não caiu, houve apenas uma pequena mudança no perfil de quem quer viajar. Os cursos de idioma com duração máxima de oito semanas eram os preferidos, mas atualmente os de graduação ganham cada vez mais espaço na preferência dos jovens. A gerente Andrea Cunha ressalta que eles estão se adaptando à nova realidade e garantem que a demanda continua a mesma. “A maioria das pessoas procuram agora um programa que ofereça mais oportunidades de experiência profissional e que tenham uma duração maior, pois os valores acabam compensando mais”, afirma.
Os estudantes explicam que, se planejado com antecedência, é possível fazer o intercâmbio caber no orçamento. Andrea acrescenta que muitas escolas internacionais oferecem descontos para brasileiros. “Às vezes, notamos que os programas são mais caros para pessoas de outros países, mas para o Brasil, ou América Latina no geral, sempre tem algumas promoções devido ao mix de sociabilidade que podemos oferecer. É a mistura de culturas”. Além desses descontos, as agências procuram facilitar as formas de pagamento para que os brasileiros não percam a oportunidade.
Os prediletos
O Canadá passou a liderar o ranking de países mais procurados, tirando os Estados Unidos do posto. Segundo a Pesquisa de Mapeamento de Mercado de Viagens Educacionais e Culturais do Canadá, com a crise, o país tem sido uma das rotas preferencias dos brasileiros. Isso aconteceu devido ao preço mais em conta, em função da cotação mais baixa do dólar canadense, e a possibilidade de conciliar os estudos com trabalho.
Segundo Andrea Cunha, os destinos agora tendem a serem países que se encaixem nesse perfil – além de estudar, permita também trabalhar para ganhar dinheiro. A Irlanda, por exemplo, apesar da moeda alta, está entre os melhores destinos. Com um programa de seis meses, no valor de aproximadamente R$ 2. 000, a operadora oferece programa que permite aprimorar as habilidades na prática do inglês e se inserir no mercado de trabalho em Dublin.
No caso de jovens que participam de programas de ensino médio, mais conhecido como High School, os destinos são países nos quais as moedas não estejam tão caras, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Leonardo Teixeira, de 21 anos, é estudante de engenharia mecânica na Universidade Federal do Ceará e, quando estava no ensino médio, viajou para o Canadá para realizar o mesmo programa que Julia, o High School. Encantado pela experiência, há dois anos, decidiu se inscrever para o programa de intercâmbio financiado pelo Governo Federal, “Ciências sem Fronteiras”.
Ele foi aprovado e, no segundo semestre de 2015, embarcou para Eindhoven, no sul da Holanda, para estudar. Mas a preocupação com a crise é grande. “Nós, estudantes do ‘Ciências sem Fronteiras’, nos mantemos com uma bolsa provida por órgãos do governo federal e, com a crise, nunca sabemos se vamos mesmo receber essa bolsa”.
![Leonardo visitou o monumento Atomium, em Bruxelas, na Bélgica.](http://www.agenciadenoticias.uniceub.br/wp-content/uploads/2016/06/Foto-3.jpg)
Lazer
O estudante Leonardo Teixeira conta que o valor que recebe da bolsa vai diretamente para as prioridades, como aluguel, contas e mercado, mas que, desde que foi aprovado para a seleção do programa, começou a economizar dinheiro com o intuito de ser uma ajuda a mais e para poder viajar pela Europa enquanto estivesse lá.
O jovem, sempre que possível, viaja com os amigos pelo continente, para conhecer diferentes países e suas culturas. Quando viaja com amigos, procura optar por voos mais baratos, que sejam em horários não tão bons ou com trajetos mais cansativos. “Às vezes viajamos em seis pessoas em carros que cabem quatro, mas fazemos isso para economizar e aproveitarmos o máximo possível”.
A experiência
Apesar de ser um grande investimento, que requer responsabilidade para lidar com os gastos, o intercâmbio tem o poder de transformar positivamente aquele que se aventura a largar o país, família e comodidade do lar. O estudante de engenharia mecânica acredita que, mesmo já tendo feito intercâmbio quando mais novo, essa oportunidade tem o feito crescer como nunca antes.
O esforço econômico leva em conta que a experiência resulta em maior conhecimento profissional, a partir da chance de vivenciar oportunidades únicas. Leonardo está conhecendo agora um dos grandes polos de tecnologia do mundo, Eindhoven (Holanda). “É incrível poder estar aqui e ver de perto como funciona uma faculdade de engenharia tão conhecida no mundo e poder comparar com o Brasil”.
“Esse ano tem sido o ano mais importante da minha vida, principalmente, no âmbito pessoal. É a primeira vez que saio completamente da minha zona de conforto. Estou em um país diferente e me mantendo por conta própria, sem a ajuda financeira dos meus pais. Pela primeira vez estou tendo que me regrar e viver a vida apenas com o dinheiro que tenho e nada mais” (Leonardo Teixeira).
Por Marília Padovan
Fotos: arquivo pessoal