TV ligada. A notícia de um ataque na escola em que morrem 10 pessoas. Um avião cai, mais de uma centena de mortos. Terroristas entram em mesquitas e atiram a esmo. Uma barragem se rompe e arrasta mais de 200 corpos. As histórias de tragédias em 2019 foram seguidas e os adultos têm dificuldade de administrar tantas notícias ruins que chegam pelos meios de comunicação, mas também nas conversas do dia a dia. Se os adultos sentem o baque, o que não dizer das crianças? Afinal de contas, quando é hora de conversar com os pequenos. Especialistas dizem que é necessário ser transparente, direto e simples.
O ataque em Suzano (SP), que ocorreu no dia de 13 de março (completa um mês no próximo sábado), por exemplo, em que dois rapazes, motivados por grupos de ódio em redes sociais, entraram armados na escola Raul Brasil e assassinaram 10 pessoas, trouxe à tona a importância da discussão de temáticas como bullying, depressão, ansiedade e os perigos da internet para jovens a partir de tragédias como essa. A preocupação de pais, educadores e especialistas tem sido em torno de como as informações devem ser expostas às crianças. Por terem uma idade muito baixa e pouca experiência acumulada, elas podem ser facilmente influenciadas por qualquer informação passada de maneira errada. A compreensão das tragédias ocorridas é difícil para a mente também de uma criança. Além do diálogo dentro de casa, a ajuda profissional de um psicólogo e a conscientização nas salas de aulas podem ajudar as crianças a entenderem as causas de determinados acontecimentos e identificar comportamentos maléficos nos colegas.
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A importância da comunicação
A psicóloga infantil Laura dos Santos explica que a abordagem feita deve ser direta e de fácil compreensão. Por se tratar de temas delicados, a especialista destaca a importância da conversa com as crianças. “A forma como deve se abordar essas questões depende da idade e quanto elas sabem sobre o ocorrido. É importante conversar sobre o assunto e ouvi-las. Quando essas temáticas não são tratadas de maneira adequada, os efeitos causados podem ser negativos. “Nesses casos, as consequências são variáveis. Elas podem afetar uma mudança comportamental como irritabilidade, alteração de humor, ansiedade, medos generalizados e tristeza.”

Segundo Laura dos Santos, as crianças têm a necessidade de colocar as impressões para fora. “As crianças precisam expressar os sentimentos. Nem sempre elas vão conseguir verbalizar como os adultos fazem. Na experiência que eu tenho em consultório, elas podem usar massinha, além de contar uma história com o auxílio de brinquedos. Então, a forma de amenizar é a criança se expressar de uma maneira mais lúdica e real pra ela. É importante que os pais não neguem os acontecimentos, eles têm que ouvir a criança e saber o que elas estão sentindo sobre o assunto
Conscientização dentro das salas
Professora há mais de 20 anos e vice-diretora do CEF 19, em Ceilândia, Eliane Muzzi desenvolve um trabalho de reflexão com os alunos dentro da sala de aula. “Eu lido com adolescentes de 11 a 17 anos. Nós conversamos diariamente a respeito de acontecimentos recentes para que os alunos reflitam sobre os problemas que passam despercebidos como a depressão, síndrome do pânico ou pensamentos auto destrutivos. Quando o massacre de Suzano aconteceu, nós fizemos rodas de conversa com os estudantes para gerar reflexão. Buscamos conscientizar as crianças a todo instante. Temas como bullying e respeito às diferenças constantemente estão nas rodas de debate”, relata a docente. Além disso, a educadora ressalta a dificuldade que enfrenta em determinados momentos. “Alguns dias são difíceis, pois os próprios alunos não respeitam as individualidades de outros colegas.”

Para Eliane Muzzi, os veículos de comunicação extrapolam no sensacionalismo em reportagens produzidas sobre o tema, e que a abordagem feita é nociva à saúde mental do público infantil. “A mídia influencia as crianças a despertarem curiosidade por esses assuntos. As que já são depressivas ou tem tendência a desenvolverem esse tipo de sentimento são as mais afetadas. É necessário que a abordagem realizada seja mais profissional e com menos sensacionalismo. No dia da tragédia de Suzano, recebemos mensagens via WhatsApp de alunos que ameaçavam atentados, como o que aconteceu em São Paulo. Estudantes que já tinham histórico de depressão que estavam psicologicamente abalados e, por influência do bombardeio de informações, fizeram ameaças às suas escolas”.
Por Guilherme Gomes, João Paulo de Brito e Sara Menezes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira