Como num piscar de olhos, as coisas mudam. O lugar onde você nasceu já não te cabe mais, e, de repente, você está no outro lado do mundo, ao lado do seu carro quebrado em uma estrada no meio do deserto na Austrália, atravessando a fronteira dos Estados Unidos, ou vivendo o nascimento do seu primeiro filho, na Itália.
Talvez, “livre” seja a palavra que melhor define quem eles sempre foram e tudo o que eles esperavam para os seus filhos, Stefano, de 28 anos, Lucia, 22, e Gabriel, que tinha 23. Armando Duprat Mosna e Patricia Sekircoff Stona Duprat Mosna são casados há 36 anos.
O ventilador ligado refresca o ambiente, sentada na cadeira em frente à mesa do computador, vendo a programação da Rádio 4 Tempos que fundaram em 2014. Com um copo de cerveja na mão, ela segura o cigarro entre os dedos e olha pra ele, que com uma perna dobrada em cima da outra e o copo de cerveja no braço do sofá, me conta que nunca foram para outro país em busca de dinheiro. “Nosso objetivo sempre foi viver, ser feliz”.
Foi morando em outros países, numa decisão imediata de querer sair da redoma daqueles que não os compreendiam, que viram a diferença das pessoas que apenas acompanharam sua jornada, para aqueles que os acolheram sem nos conhecer. Descobriram isso, em algumas das vezes que foram convidados a morar na casa de pessoas recém conhecidas.
Como uma resposta ao que eles tinham como essência, veio a escolha do nome do seu primogênito, Gabriel Mosna.
Quando ele nasceu, a preocupação era que nome ele teria porque eles não sabiam qual seria o seu futuro e tinham como vontade que ele pudesse ser quem ele quisesse.
“A gente sempre pensou que nossos filhos podiam ser coisas diferentes”. O que Patricia e Armando queriam era que o nome conseguisse ser pronunciado em vários idiomas para que ele pudesse viver em qualquer país.
Armando, hoje com 65 anos, e Patricia, com 60, se casaram quando ela tinha 23 anos e ele 28. Um mês depois de começarem a namorar, no horário de almoço em um dia de semana, de um “você quer casar comigo?” foram direto para o cartório.
E todas suas decisões foram assim, exatamente como eles enxergam a vida. Um ano depois, venderam o que tinham e foram para Austrália, dois anos à frente, Patricia teve uma gravidez tubária e voltaram para o Brasil. Após os seis meses seguintes, numa viagem barata e num voo “clandestino” foram para os Estados Unidos.
Na vida de imigrante no país norte americano, passaram cinco anos, mas já não aguentavam viver ilegalmente e passar por toda aquela insegurança, a incerteza de não saber o que iria acontecer e de se sentir fora da lei.
O Censo dos Estados Unidos de 1990 estima que mais de 80 mil brasileiros moravam no país. O instituto norte-americano de levantamento de dados Pew Research Center estima que a população brasileira ilegal nos EUA passou de 20 mil em 1990 para 70 mil em 1998.
A história mudou
Foi numa quinta-feira de 2016, em Brasília, feriado de Corpus Christi, que o rumo dessa história mudou, como uma linha do trem que quebra bem no meio do trajeto. Entre as lágrimas, a dúvida do porquê “isso” aconteceu e um momento de lucidez, como ela mesmo disse, Patricia repete o que respondeu a Stefano: “Nós criamos vocês para que fossem livres para escolher o caminho que quisessem. Vocês são livres. E o Gabriel escolheu isso, ele fez o que eu pedi, ele foi livre, fez o que ele quis”.
Gabriel Mosna nasceu na Itália depois de 13 horas de trabalho de parto e viveu até os 23 anos de idade. Estava terminando a faculdade de filosofia na Universidade de Brasília (Unb), morava com os amigos e com a namorada em uma república em Sobradinho (DF). Na época, a grana estava apertada. Com o estágio, ele dava aulas de filosofia e para complementar o que ganhava, fazia malabarismo no farol.
Ele ainda tinha a chave do lugar que nunca deixou de ser a sua casa, e na terça-feira, antes do feriado em uma breve conversa com o pai, ele contou sobre como a vida estava difícil e para mãe perguntou se poderia voltar a morar lá e a resposta foi um acolhedor e certeiro “sim”. Eles almoçariam juntos na quinta feira para resolverem tudo.
Então, a poucos meses de fazer 14 anos, era tudo o que Lucia, a caçula dos dois irmãos, menos esperava. Um silêncio ensurdecedor em meio a uma casa que costuma ser cheia e barulhenta, confusa ela acordou naquela quinta-feira, sem seus pais em casa, somente com um dos seus irmãos, Stefano e a namorada sentados no sofá do lado de fora, calados e perdidos. As ligações para mãe foram incessantes.
Um dos telefonemas que Patricia atendeu naquela manhã, foi de sua irmã e num tom de voz carregado de um misto de sentimentos, ela repete a exata frase foi dita naquela ligação: “Eu tô na casa do Gabriel…e ele se matou”, perplexa porque não parecia real a irmã questionou e a resposta veio como um soco no estômago: “Eu tô falando sério, o meu filho se matou”.
Foi a primeira vez que Patricia sentiu um vazio tão grande, um espaço oco dentro de si. Foi um ano conturbado e difícil, as memórias a partir desse dia não são tão simples de se reconstruir. Um ano depois, a vida voltou a caminhar.
Rádio 4 tempos
Em Brasília e pelos motoclubes do Brasil, em grandes eventos como Capital Moto Week e Brasília Moto Festival, Patricia e Armando são conhecidos pela Rádio 4 Tempos. De uma ideia que surgiu na cabeça como uma válvula de escape para as questões de saúde que aconteciam no momento, foi quando tudo teve que crescer.
Em 2014, Stefano teve câncer, a cirurgia e o tratamento foram rápidos e em pouco tempo ele já estava bem novamente, mas o que pareceram ser meses foram na verdade algumas semanas, que mantiveram o sono distante de Patricia.
A insônia começou a consumir suas noites e lhe veio a ideia, ela que já tinha trabalhado dentro de uma rádio e Armando que trabalhava desenvolvendo sites e atuou como desenvolvedor no Ministério das Comunicações, de montarem uma rádio web.
A primeira tentativa do casal foi um teste com um link que comportava cerca de 50 a 100 pessoas, mas após ser enviado para um amigo, motoclubes de todo Brasil começaram a escutar, o link teve de ser aumentado para abranger o acesso das pessoas.
A criação visou também a acessibilidade, com a disponibilidade de poder ouvir a rádio através da internet, a criação da rádio web nesse sentido contorna a burocracia para obter a concessão do governo para montar uma rádio.
Armando desde jovem era apaixonado por motos e com o tempo foi conhecendo mais pessoas que também tinham essa mesma paixão, fazendo parte de motoclubes, sabendo exatamente o que esse público consome.
Logo, a intenção foi de atender esse grupo mais delimitado, o estilo de música que ouvem, o rock e o blues, que é justamente o segmento principal da Rádio 4 tempos; que hoje conta com 24 colaboradores, programas diários e semanais, 24h por dia. Traz música, curiosidades, dicas de saúde e outros tipos de entretenimento.
Por Fernanda Diniz
Fotos: Arquivo da família
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira