Ex-dirigentes e sindicato criticam gestão da EBC; empresa diz que é plural

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Desde que tomou posse do cargo, o presidente Michel Temer tem sido alvo de críticas decorrentes das ações tomadas na Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Funcionários e ex-dirigentes da empresa relatam censura e acusam a condução do diretor-presidente Laerte Rimoli de tentar “desmontar” o caráter público da empresa.

A Medida Provisória baixada pela presidência e referendada pelo Congresso Nacional, em fevereiro deste ano, acabou com o mandato do diretor-presidente e extinguiu o Conselho Curador da empresa. “Agora, toda a diretoria está sob o tacão do gabinete presidencial, ou seja, substituiu o que era da sociedade, pelo governamental”, acusa o ex-presidente Ricardo Melo, afastado definitivamente da EBC em setembro do ano passado.

 

Ricardo Melo explica que o mandato do presidente da instituição foi estabelecido para protegê-lo de possíveis interferências do Governo Federal. Isso é necessário, pois a EBC foi criada para ser uma empresa pública e não governamental, por mais que preste serviços ao governo. Sendo assim, apenas o Conselho Curador, que representava a sociedade, tinha a prerrogativa de afastar o ocupante da função. Para ele, hoje, a EBC está destruída como entidade de comunicação pública. “A EBC hoje, se transformou em um porta-voz do governo Temer”, afirma.

 

A campanha de “desmonte” da EBC foi promovida, em especial, por três apoiadores do presidente, o ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima; o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha; e o atual dirigente da companhia. É o que acredita a ex-presidente do Conselho Curador, Rita Freire. Segundo ela, a mídia passou a veicular, diariamente, notícias sobre a articulação do atual governo para desfigurar a empresa. “Hoje, o diretor geral da EBC é o Michel Temer. Antes o presidente (da EBC) não era tão vinculado ao governo, pois além de ter um mandato, existia o conselho curador. Entretanto, tudo mudou”, acredita.

 

Hoje, é o Conselho de Administração que decide os rumos da EBC e decide o conteúdo veiculado (antes definido pelo Conselho Curador). São sete cadeiras, sendo uma de representantes dos trabalhadores, e seis do governo. Para Rita Freire, essa composição é um desastre, pois rompe com a ideia de comunicação pública. “Isso é controle dos meios de comunicação, é o governo, na figura do presidente, mandando na empresa”.

 

Censura

 

Recentemente, a assembleia dos funcionários elaborou uma moção para denunciar e repudiar a censura imposta ao conteúdo e a diversos profissionais da instituição. O evento é inédito na história da EBC. “Não são raros os casos de matérias que foram trocadas, coberturas que foram tiradas do ar, entre outras formas de controle do conteúdo”, afirmou Ricardo Melo.

 

Segundo Rita Freire, além dos veículos de mídia da empresa estarem “bastante chapa-branca”, o ambiente interno da EBC têm sido de medo, censura e autocensura. “

muita gente tem conhecimento, porque as entidades não estão se calando, estão denunciando publicamente o que está acontecendo”, lembra.

 

Fundadora da EBC e ex-presidente da empresa no governo Lula, Tereza Cruvinel também condenou a censura denunciada por diversos jornalistas. Ela acusou o governo de, recentemente, demitir diversos profissionais por questões políticas. Para ela, a “caça às bruxas” foi feito com a intenção de retirar os funcionários que “supostamente” haviam relações com o Partido dos Trabalhadores (PT). “Também tenho relatos do desmonte que estão fazendo na programação da TV Brasil. Uma supressão contínua de programas antes veiculados”, ressaltou.

 

Confusão interna

 

Um dos problemas essenciais, reconhecido pelos três ex-dirigentes, foi que mesmo tendo sido criada para ser uma emissora pública, a EBC presta serviços governamentais (como a TV NBR). Muitas vezes, essa separação não é fácil de se fazer, pois gera conflitos de interesses e pressões do governante no conteúdo produzido. Uma das conclusões de membros do antigo Conselho Curador era de que a empresa deveria ter sido separada para não gerar dúvidas sobre a esta “linha” que separa o interesse público do governamental. “Essas coisas não podem estar misturadas para que possamos ter uma comunicação pública adequada. Mas pelo menos existia um conselho da sociedade para mediar isso, hoje nem isso temos mais”, critica Rita Freire.

 

Ricardo Melo acredita que essa foi uma das falhas da Lei de 2008 (que criou a EBC). “Há sempre o risco de haver uma certa confusão de prioridades, focos de cobertura.  A EBC está desfigurada, fora das funções estabelecidas pela Lei que a fundou”.

 

No entanto, Tereza Cruvinel se diz otimista, pois a empresa continua existindo. “Eu acredito que um governo democrático no futuro poderá permitir que a sociedade brasileira resgate essa conquista, que foi o sistema público de comunicação, prevista na Constituição Federal.”

 

A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da EBC para comentar o atual momento da empresa e questionar as acusações de censura no conteúdo jornalístico. O presidente da EBC, Laerte Rímoli, não concedeu entrevista e a  empresa também não respondeu diretamente aos questionamentos. Mas, em nota, esmiuçou mudanças na programação desde março.  “A EBC e seus veículos vêm investindo diariamente no aprimoramento da programação e dos serviços de interesse do conjunto da sociedade, mesmo diante das dificuldades econômicas enfrentadas no país e que também atingem a empresa com a limitação de recursos”, explica o texto.

 

Segundo a nota, a gestão atual avançou na desburocratização da empresa e tem priorizado a produção jornalística, artística, cultural e científico em todos os canais do grupo. “Os veículos da EBC têm como orientação produzir um jornalismo profissional, com noticiário plural e prestação de informações e serviços de interesse do conjunto da sociedade. A comunicação pública não se destina à militância político-partidária de qualquer natureza. A orientação à equipe de profissionais da EBC é de se ater aos fatos e ao debate de ideias, que difere do mero proselitismo político e da manipulação da notícia”, defendeu a assessoria.  

Ataque financeiro à EBC ameaça independência, diz jornalista

Após a saída da ex-presidente Dilma, que sofreu impeachment por improbidade administrativa, a EBC começou a sofrer ataques, é o que acredita um dos três dirigentes do sindicato dos jornalistas do Distrito Federal, Gésio Passos. Ele reforça que a medida provisória expedida pelo presidente Michel Temer, atingiu o caráter público da empresa. “Há outro ataque, que é o financeiro. O governo Temer cortou cerca de 40% dos recursos para custeio da empresa”. A intenção, segundo Passos era de “sufocar” a comunicação pública.

O conselho curador era essencial, na visão do dirigente, para poder dar um caráter mais “independente” à empresa, pois o Conselho curador possuía um “histórico de embate” com diversos dirigentes e ex-presidentes da EBC. No entanto, a extinção, favoreceu a censura. “Houve inúmeras perseguições há jornalistas, já antigos na empresa. Setoristas, por exemplo, foram mudados sem nenhuma justificativa plausível”. Para ele, a situação tem levado jornalistas  a cometerem auto-censura.

Por Lucas Valença

Sob supervisão de Katrine Boaventura

Foto: Agência Brasil / Divulgação

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