“Fazer ficção é nutrir a esperança por dias melhores”, diz escritora brasiliense

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A escritora brasiliense Adelaide Paula, pesquisadora do grupo Mayombe, entende que a literatura de ficção tem finalidade não apenas de entreter, mas também de mobilizar a sociedade. Ela é pesquisadora da obra Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, obra lançada em 2019 e que foi reconhecida pelo Prêmio Jabuti, do ano passado, além do LeYa (2019) e o Oceanos (2020).

Adelaide é pesquisadora do livro “Torto Arado”. Foto: Programa Sofá Amarelo / Divulgação

Leia mais sobre a escritora Adelaide Paula

A obra é ambientada no sertão da Chapada Diamantina e possui duas protagonistas negras, Bibiana e Belonisia, marcadas por um acidente de infância. A pesquisadora Adelaide Paula considera que essa produção evidencia a liderança feminina e negra na comunidade. 

Itamar Vieira Junior, autor de “Torto Arado”, ganhou o prêmio Jabuti com a obra. foto: Creative Commons

A autora associa isso com o conceito da pensadora Vilma Piedade, “dororidade”, no sentido de mulheres que passaram pela mesma dor se identificam por esse motivo, trabalhando juntas na luta contra a sociedade exploradora, machista e opressora. A visão do autor é diferente da obra Vidas Secas (que compara o ser humano como animal), pois, no romance de Itamar, a humanidade é enfatizada. 

A autora participou na terça (25) da Semana de Comunicação do CEUB (confira aqui a programação completa) em conversa mediada pela professora Sandra Araújo.

Confira aqui a conversa com a autora na íntegra

 

Pessoas escravizadas

No livro, os trabalhadores rurais se submetem a uma situação parecida com escravidão e são negados a eles direitos humanos básicos. A obra mostra um viés diferente e pouco explorado do país, mostrando uma realidade arcaica em meio ao Brasil pós-moderno. Atualmente, são constantes as descobertas de trabalhadores encarcerados nas metrópoles, até hoje, existem pessoas em situações análogas à escravidão. 

Adelaide cita a religião do local no qual se passa o romance, que é o Jarê, criada pelo autor, é parecida com as de matriz africana.  A crença é tão forte que a terceira parte da história é narrada por uma entidade, Santa Rita Pesqueira. Segundo a escritora, “Torto Arado” é uma obra afrofuturista e ressalta a importância das vidas negras. A escritora analisa que o livro tem uma linguagem fluida, com um vocabulário rico, diferente do comum.

Feminismo

A pesquisadora reiterou que o tema é harmônico com a luta dos movimentos feminista e negro. Itamar dá voz a grupos sub representados, os rostos dos protagonistas são diferentes, apresentando mulheres negras pobres e do interior, fora dos padrões.

“É possível falar de ficção em plena pandemia quando parece que a realidade supera nossa capacidade de imaginar situações inusitadas e surpreendentes?”, questiona Adelaide. De acordo com Adelaide, é sim possível. A própria obra mostra que quanto mais a realidade se apresenta indigesta, mais a imaginação é aguçada a produzir obras inigualáveis.

Quixotesco

Segundo a palestrante, a ficção demanda do seu criador a capacidade de lidar com a  imaginação e experimentar,  “ela é uma invencionice”. Adelaide traz como exemplo o clássico Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, no qual o leitor acreditava fielmente nos devaneios do protagonista, transformando-os na realidade.

Ela considera que a escrita ficcional é um espaço de deleite, porém existem “prisões” ligadas ao tempo. Adelaide escreveu um artigo (O Feminicídio da personagem feminina na ficção literária) sobre feminicídio na literatura ficcional analisando o final das personagens Capitu, Emma e Luisa, protagonistas dos romances mais famosos do século XIX, Dom Casmurro, Madame Bovary e O Primo Basílio, respectivamente. Ela opina que os autores não foram capazes de dar às suas personagens um destino diferente do que era comum na época.

“O maior desafio para escritores, publicitários e jornalistas é pensar a realidade para além do tempo presente, mesmo que para isso tenha que romper com paradigmas da ordem vigente”

           Escrever ficção não é uma tarefa fácil, segundo ela, no processo criativo, o texto começa a limitar a si próprio, evidenciando as amarras e angústias por trás daquilo. “Existem limites e é possível romper com eles, liberando a sua mente num processo profundo de análise e autoconhecimento”

Adelaide Paula já publicou três livros.“Depois do arco-íris tinha uma escola…” foi sua primeira divulgação, que ela considera uma rebeldia,  “As aventuras de Bonitona e a vida secreta dos bichos” foi a segunda obra publicada, na qual ela aplicou uma técnica de escrita. Já a terceira, recém publicada, “Mãe: O silêncio atrás da porta”, é uma ficção amadurecida. Ela se considera como uma eterna estudante: “Para mim é um exercício constante em que procuro juntar essa pequena gama de inspiração que me invade todos os dias com o aprimoramento e abertura para a crítica”

Alternativas e oportunidades

A professora Sandra pontuou que o movimento atual é de fuga de grandes editoras. O número de escritores e escritoras independentes, que publicam, divulgam e vendem seu próprio trabalho cresceu com a crise atual. A importância da mudança desse mercado editorial é enorme para a chegada de novas editoras, promovendo uma área mais diversa.

Para quem inicia no mercado, Adelaide aconselha que agarrem as oportunidades,  invistam na autopromoção, participação em eventos e concursos literários. Ela fala sobre sua própria experiência, começou com um blog, que tinha pouca visibilidade, e hoje, publica no Recanto das Letras, site de literatura. Ademais, ressalta que o talento é a capacidade de conexão com a inspiração, em conjunto com a  dominação das técnicas de escrita e utilização da linguagem. “Se você escreve você é escritora, não deve esperar uma chancela, use o espaço que você tem”.

Por Jorge Agle, Filipe Fonseca e Maria Tereza Castro
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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