Um dos principais pesquisadores brasileiros do radiojornalismo, Luiz Artur Ferraretto, afirma que está atento aos efeitos das transformações na comunicação nas transmissões. Além dos benefícios trazidos pela internet e as inovações em áudio, como é o podcast, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) destaca que a mistura de gêneros no jornalismo (particularmente entre informação e opinião) pode estar confundindo o público.
“Nós (jornalistas) temos um problema sério nos dias atuais: a mistura dos gêneros jornalísticos para um público que não está educado a ponto de compreender como esta mistura acontece. Se o âncora em um programa de rádio entrega uma notícia ao público junto de sua opinião, ela vira notícia, vira o fato”, afirma.
O professor debateu, nesta quarta (26), na Semana de Comunicação do CEUB (confira programação na íntegra), sobre o rádio na atualidade, em conversa mediada pelos professores Angélica Córdova, Katrine Boaventura e Gilberto Costa.
Para Ferraretto, embora esse meio tenha tido transformações com o avanço da internet e da televisão, ainda hoje ele é imprescindível para comunidades. “O rádio não é apenas jornalismo, é comunicação”, destacou. Parte da população amazônica, por exemplo, depende desse meio para obter informações, visto que a internet não é um recurso de fácil acesso a todos.
Confira a íntegra da conversa
Escolha das fontes
O professor ressalta a importância de fazer um jornalismo sério e de qualidade, separando o conteúdo profissional do conteúdo negacionista. Para ele, a escolha das fontes é crucial na construção de uma matéria, principalmente no momento da pandemia. Além disso, Luiz comenta que ocorrem confusões entre gêneros jornalísticos, explicando de forma resumida três deles: gênero informativo, onde a narrativa é reduzida aos detalhes cruciais; interpretativo, onde é explorado as causas e consequências de um fato ou acontecimento; e opinativo, onde é privilegiada a opinião, seja do jornalista, do veículo ou do público, acima do ocorrido.
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Para o professor, a população mundial viveu muita repressão em decorrência de governos autoritários, e por isso a liberdade de expressão foi durante muito tempo almejada. Com os avanços das tecnologias, veículos de comunicação como a internet possibilitaram não somente a conexão de milhões de pessoas de diferentes lugares, como também deram voz a elas.
Entretanto, ele alega que esses meios têm enfrentado uma dura crise em decorrência do grande número de informações divulgadas, muitas vezes sem qualquer traço de veracidade, dificultando ainda mais a comunicação entre as pessoas. Segundo Luiz, a dificuldade em estabelecer até onde a liberdade de expressão pode ser garantida à população é um fator que ameaça nossa democracia.
Pintura
O professor exemplifica que o rádio é como uma pintura egípcia antiga que precisa de restauração, pois sua concorrência nos dias atuais é muito diferente da dos anos 1990. “Hoje, a emissora de rádio concorre com podcast, concorre até com aquele folhetinho que é entregue nas ruas. Porque a gente disputa a atenção e a manutenção da mesma a todo momento”, completa. Essa restauração também é necessária pela forma de trabalho que também se alterou ao longo do tempo.
“O rádio é feito com uma ideia de profissão própria dos anos 80: o jornalista é repórter de rádio. Ele não quer fazer vídeo nem texto, porém ele precisa fazer texto, vídeo, fotografia, ele precisa estar nas redes sociais”
Além disso, Luiz afirma que o meio do rádio precisa ser reinventado, trabalho esse que vem sendo feito com o crescimento de novas plataformas midiáticas, como por exemplo os podcasts, que atualmente alcançam cada vez mais reconhecimento e cumprem um importante papel na produção e divulgação de conteúdos. “O rádio, embora precise de alterações e renovações, está presente no podcast, que é uma forma de ouvir rádio muito forte, como entretenimento, lazer, informação e jornalismo”, complementa.
Essa reinvenção é necessária para superar a crise em que os meios de comunicação e a sociedade estão inseridos. “O rádio está sem perspectiva porque não enxerga o horizonte como acontecia nos anos 60, com a instauração da televisão. A crise não é só do rádio, é de todos os meios de comunicação, e é, também, da sociedade. Vivemos em um momento onde estão por se definir novos paradigmas, padrões de comportamento, formas de conduta. Um mundo diferente do atual, e vivemos uma crise porque quem quer mudar para melhor enfrenta quem quer segurar essa mudança”, explica.
Memes radiofônicos
Em debate sobre a desvalorização do profissional e sua atuação nessa área em parceria das novas tecnologias, Luiz comenta que os salários despencaram e a quantidade de pessoas trabalhando diminuiu por conta de um erro no mercado. “Há um equívoco na nossa sociedade que aposta em tecnologia para resolver tudo, quando na verdade deveria apostar no ser humano que usa essa tecnologia”, explica. Segundo ele, a internet influencia as pessoas, fazendo-as aceitar conteúdos de baixa qualidade, resultando no empobrecimento das questões disseminadas. Além disso, ele critica os famosos “memes” que diversas vezes zombam de situações sérias.
E o podcast?
Quando perguntado se o rádio passou de um meio de comunicação para uma linguagem, Luiz acredita que seu papel cultural mudou com o tempo. “Eu já escrevi que o rádio é uma linguagem, mas não concordo mais com isso. Acredito que a melhor resposta para essa questão é que o rádio não é só uma instituição social, mas também uma criação cultural que se altera, e que graças a internet se alterou, assim como a gente identifica o podcast como criação cultural que se identifica como rádio”, completa.
Por fim, Luiz esclarece que o rádio segue em crise porque não é planejado de forma adequada e não é desenvolvido um projeto para melhorar sua qualidade, cabendo aos futuros jornalistas a função de reestruturá-lo. “O rádio está em crise porque ele segue sendo planejado instintivamente como era nos anos 50. Ele precisa ser restaurado, e esse papel da restauração é de vocês (estudantes de jornalismo). Vocês precisam mudar isso, e para isso é necessário compreender o que é o meio, o que é televisão, o que é jornalismo impresso, o que é internet”, finaliza.
Por André Atan, Ana Cecília Gomes, Lorena Rodrigues e Vinícius Pinelli