Resiliência impressa: trajetórias de profissionais no DF em tempos digitais

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

De motoboy a CEO do jornal “Capital do Entorno”, Valter Santana construiu sua trajetória entregando informação na garupa de uma motocicleta, para todo o Distrito Federal. O motoboy descobriu a oportunidade de ter uma melhora de vida.

O jornal chega para todas as cidades satélites do Distrito Federal e para todo o entorno da capital federal. Foto: Arquivo pessoal

“Comecei trabalhando de motoboy no Correio Braziliense. Passei para o departamento comercial, e, depois, fui trabalhar juntamente com o departamento de diagramação. Lá aprendi a diagramar (atividade de organizar o conteúdo por espaços)”.
De acordo com o profissional, as duas formas de se comunicar andam lado a lado.
De acordo com o profissional, as duas formas de se comunicar andam lado a lado. Foto: Arquivo pessoal

“Entendemos que precisamos sempre buscar os anseios do nosso público-alvo, e encontramos neles o nosso caminho. Estamos há 10 anos no mercado (no Capital do Entorno) com o nosso jornal impresso e vamos continuar com as duas formas, pois no nosso caso está dando certo, como também para alguns veículos grandes que hoje já conseguiram se adaptar e entender a importância que ainda existe do impresso”.

O ex-motoboy relata que há vantagem do jornal impresso quando comparado com o digital. “O jornal impresso tem uma característica muito importante que é alcance, segmentado e direto ao público-alvo, pois ele chega diretamente na mão do leitor de forma gratuita e física, ou seja, alcança um público tradicional que ainda tem o costume de ler e de acompanhar as notícias dessa forma”.

Ele contou as estratégias usadas para que o seu jornal esteja, de forma agradável, nas mãos do leitor. “O nosso grande diferencial é a nossa distribuição pelo comércio, clínicas, órgãos públicos, locais onde as vezes a ociosidade faz com que a leitura se torne agradável e direta ao público alvo.

O jornalista exalta o alto valor financeiro que o papel gera nos dias atuais. “Hoje o nosso faturamento chega a 40 mil reais. Esse valor apenas com o impresso. Vejo que o mercado tem espaço para todos, por isso, o papel segue sendo valorizado mesmo com o avanço da tecnologia”.

Valter conta como funciona a logística do veículo para a distribuição. “Distribuímos cerca de 25 mil jornais, nossa atividade é quinzenal. Nós montamos o diagrama do jornal e, a cada dia 10, a gente sai pra rua. Temos 16 distribuidores.les se dividem para distribuir o jornal para todo DF e Entorno (cidades de outros Estados coladas no DF)”.

O jornal impresso mais antigo do DF

O Jornal do Guará foi o primeiro jornal impresso do Distrito Federal. Fundado em 1983, tem 40 anos de existência.
Alcir Alves, dono do Jornal, diz que houve a queda na distribuição do produto. “Atualmente a gente distribui 6,5 mil jornais semanais. A distribuição acontece sexta e sábado. Houve uma diminuição nos últimos anos, mas continuamos trabalhando”.

O jornalista, responsável pelo Jornal do Guará, recebeu uma homenagem em 2020, pela marca de mil edições publicadas, do vice-governador e de amigos jornalistas. Foto: Reprodução/Jornal do Guará

Na grande maioria dos casos, os jornais se adaptaram para cobrir notícias locais, que é uma área em que muitos impressos têm uma vantagem competitiva sobre seus concorrentes online.

Alcir conta que, além do impresso, o Jornal do Guará também atua nas redes sociais. “Nossa conta no Instagram chegou a 10 mil seguidores. Vejo como uma forma de se adaptar à realidade e informar o leitor que não tem o costume de ler jornais impressos”, exalta.

A renda do jornal mais antigo do DF vem da vendas de publicidades, que ajudam também na distribuição gratuita para os leitores.

36 anos de experiência

Francisco de Sousa, mais conhecido pelos colegas de profissão como “Chiquin”, tem 60 anos de idade e trabalha no Centro de Documentação dos impressos no Correio Braziliense há 36 anos.

O Correio foi o primeiro grande veículo de imprensa a fornecer jornais impressos no Distrito Federal e começou a circular no mesmo ano em que a capital foi fundada, em 1960. Foto: Arquivo pessoal

O jornalista não enxerga com olhar negativo o futuro do impresso. “Durante esses anos, sempre escutamos falar sobre o fim de redes sociais como o Facebook, mas não acabaram, se reinventaram. Assim funciona com o jornal impresso”, falou Chiquin.

Na visão dele, é natural a diminuição de leitores ao passar dos anos. No entanto, ele afirma que o público segue sendo grande e a distribuição de jornais continua intensa, deixando o impresso “mais vivo”.

Francisco exaltou a importância do jornal impresso na vida dele. “Eu nunca me adaptei com o jornal online, sempre me informei com o impresso. Os veículos onlines tiram minha paciência, quando vou ler alguma notícia, aparecem vários anúncios no meio do texto, acabo me perdendo”, relatou o jornalista.

Chiquin falou também da relevância do impresso no mundo. Ele diz não ver o fim desse tipo de jornalismo, relembrando grandes veículos, como o próprio Correio e o estadunidense New York Times.

Olhar jovem


O jornalista Willian Matos, de 28 anos, trabalha em um dos mais conhecidos jornais impressos da capital federal, o Jornal de Brasília. Ele já atuou na editoria de cultura, mundo e economia, ao longo desses anos.

O Jornal de Brasília foi fundado durante a ditadura militar, em 10 de dezembro de 1972. Foto: Arquivo pessoal

Willian exaltou a confiabilidade do jornal impresso, quando comparado com o jornalismo online. “A principal vantagem do jornal impresso em relação às mídias digitais é o poder de documentação. Um conteúdo veiculado em um jornal ou revista impressa está mais seguro do que um conteúdo publicado em um site, por exemplo. Um portal on-line é muito mais vulnerável do que o acervo físico de um jornal”.

”Eu me formei em 2017 e até cheguei a aprender a criar um jornal e uma revista, mas o foco à época já eram os meios digitais. O mercado de trabalho já pedia isso”. Foto: Redes sociais

De acordo com o jornalista, a importância do trabalho dos profissionais do impresso não mudou. “O jornalismo impresso segue tendo o mesmo papel importante de sempre, que é o de informar a população com base nos conceitos éticos da profissão, a meu ver. O surgimento de novas plataformas não altera a responsabilidade dos profissionais que atuam em veículos impressos”.

O jovem fala sobre os recém-formados no mercado de trabalho, atualmente. “Os recém-formados cresceram no universo online e já não lidam mais com os veículos impressos com frequência. Assim, com cada vez mais jornalistas utilizando apenas as plataformas digitais, o impresso tende a se enfraquecer ao longo do tempo.

Segundo o jornalista, o digital já se tornou realidade. “O digital já é realidade há mais de uma década, pelo menos, os leitores mais jovens não têm o hábito de ir a uma banca comprar o jornal do dia ou mesmo folhear uma revista enquanto aguarda sua vez de ser atendido em um consultório, por exemplo.

Mudança para o digital


O mundo digital vai continuar impactando a indústria jornalística. A circulação dos jornais impressos despencou 16,1% no último ano.

Durante a pandemia, em 2020, o impresso teve a pior retração dos últimos 10 anos, chegando a 25,6%. Isso se deve ao número de pessoas em casa, diminuindo a circulação de leitores tradicionais que compravam os jornais em bancas e impedindo que as pessoas que trabalham distribuindo jornais realizem o seu trabalho.

O professor de Jornalismo e pesquisador em história da comunicação Henrique Tavares Moreira exalta a capacidade do jornalismo se reinventar. “O jornalismo tem a capacidade de se reinventar, de se adaptar às mudanças sociais, econômicas e, principalmente, às mudanças tecnológicas. E nós estamos vivendo, exatamente, um momento de mudanças importantes, que impactam na maneira de fazer jornalismo”.

“A consolidação das mídias digitais obrigou o jornalismo impresso a buscar novos formatos e novas maneiras de trabalhar a notícia”. Foto: Divulgação/Sérgio Alberto

O professor citou, também, como o jornal impresso vem se adaptando nos dias atuais. “O jornalismo factual, diário, vem sendo substituído pelo jornalismo mais aprofundado, investigativo, o que exige investimentos e espaço maiores. Aparentemente, essa é a maneira com a qual o jornalismo impresso vem se adaptando ao avanço das mídias digitais”.

Por João Vitor Rodrigues
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress