Patrocinadores, fontes e velocidade colocam ética em xeque, diz editor inglês

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Para o jornalista inglês, James Dart (The Guardian), as questões éticas são uma problemática séria dentro do jornalismo esportivo contemporâneo.  Durante o Seminário Internacional de Jornalismo Esportivo, Indústria e Sociedade que aconteceu em Brasília (DF) nos dias 7 e 8 de maio, ele indicou que questões relacionadas a anunciantes, patrocinadores, fontes e velocidade exigida pelo mercado atual seriam os principais fatores atrelados a conflitos éticos na profissão. “São tempos difíceis para o jornalismo e na Inglaterra acontece o mesmo”, disse.

Assista entrevista com James Dart

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Dart diz que a Grã-Bretanha possui um histórico herdado, os primeiros jornais foram criados pelo rei para falar sobre o rei, tornar a família real algo próximo, parte da vida da população. Segundo ele, essa herança é perceptível até hoje nos tabloides ingleses que falam da vida das celebridades e publicam qualquer coisa, mesmo que seja apenas um rumor, sem a necessidade de checar nada. “Nos tabloides, essa é uma postura evidente, mas será que essa herança não afeta aos jornais ditos sérios também?”, indaga.

Velocidade

Credibilidade da informação é uma premissa básica do jornalismo, é o que salienta o repórter inglês quando lembra que os conteúdos jornalísticos servem para informar a população, dar a ela conhecimento para pensar e agir e também se tornam registros históricos. “E aí, de repente, tem um cara inventando histórias ou publicando coisas das quais não tem certeza. E então, continuamos confiáveis? Isso abala, sabe? É um problema sério”, afirma.  Assim, diz ele, “quando você vê um caso de um repórter que inventou uma história, por exemplo, é tão ruim porque compromete o jornalismo em sua raiz, informar com credibilidade”.

De acordo com Dart, as redes sociais são uma bênção que ampliou as possibilidades do jornalismo de muitas formas, mas, à medida que elas se consolidam no meio, o problema de publicar besteiras se ampliou e muito. “Não porque o jornalista necessariamente invente mais histórias agora, mas porque não as checa”, explica.  Para ele, hoje, não apenas nos esportes, mas em todo o jornalismo, há uma necessidade crescente de velocidade que desconsidera o fato de que de nada adianta ser rápido, se não for preciso.  “Não adianta ser o primeiro a publicar se a informação dada estiver errada”, afirma.

O jornalista cita o exemplo de um repórter de um portal online que cobre uma coletiva de imprensa e é solicitado a noticiá-la em tempo real. Segundo ele, este repórter não tem tempo de refletir e tentar extrair outras informações dali. “Por isso, às vezes vemos informações confusas na internet”, diz.

Outro exemplo dado pelo repórter é o do caso de um jogador do time que você cobre twittar algo como uma declaração preconceituosa sobre um companheiro de time. Dart questiona quanto tempo um jornalista tem antes de publicar aquela informação.  “Quanto tempo antes que o concorrente publique e seu chefe brigue com você? 2 segundos? É só o tempo de um retweet”, pontua. E, na opinião dele, essa pressão pela rapidez faz com que os veículos não tenham mais certeza do que publicam. “Como o repórter pode saber se não está comprando alguma coisa falsa? Ou se não há outras coisas por trás? Ele não tem tempo de verificar nada e esses são todos dilemas éticos”, afirma.

Dart indica o que considera um fenômeno próprio da era conectada. Na internet, se você tem 3 ou 4 vozes de internautas que conseguem alguma atenção e influenciam pessoas, isso se propaga de modo assombroso. “E então, as pessoas começam a acreditar em coisas que muitas vezes não são verdade. E melhor ainda, todos passam a difundir aquilo como verdade absoluta e têm até fotos para comprovar às vezes”, diz. Ele alerta para o fato de que são tempos de muita tecnologia ao alcance de qualquer um, mas cabe ao jornalista não acreditar em tudo que ouve ou vê. “Precisamos ir atrás, verificar, ter certeza e descobrir novos elementos e fatos”, aponta.

Entretanto, na opinião do jornalista,o que acontece é o oposto disso. São jornalistas que compram as informações advindas das redes sem filtro algum e portais que, por consequência, acabam trabalhando com versões atualizadas da mesma notícia. “É a notícia, uma segunda desmentindo a anterior, outra com a resposta do jogador envolvido na notícia errada, e ainda uma quarta com a repercussão disso tudo”, elenca.

Para ele, isso fala muito acerca da credibilidade dos conteúdos produzidos hoje. “A informação do jornalista não é presumida como confiável porque ele checa tudo mais de uma vez? E então ele publica coisas das quais não tem certeza? O que a ética diz sobre isso?”, questiona.

Códigos editoriais e assessorias

Dart aponta ainda as questões dos códigos editoriais diretamente relacionados aos interesses do jornal. Segundo ele, se um banco, por exemplo, é patrocinador do jornal, o jornalista não pode escrever sobre um caso de fraude envolvendo o mesmo. “É complicado porque breca a liberdade do repórter e impede a boa realização da função de informar”, explica.  Ele comenta também o caso das marcas que pagam para ter seus nomes “anunciados” nos veículos. “Você pode assegurar que esses fatores não estão influenciando nas publicações? Acho que não”, declara.

Ele chama atenção para o fato de que times e atletas estão cada vez mais rodeados por assessores e, quanto mais assessores, mais eles tentam controlar e blindar as informações. “Mas nós temos que lutar contra isso. A informação é o básico para qualquer jornalista”, motiva.   Na Inglaterra, uma prática que tem tido algumas incidências é a de fontes cobrando para dar entrevistas. “E aí, você aceita? Até que ponto isso influenciará a informação transmitida? E qual a durabilidade dessa relação paga entre fonte e repórter?”, coloca.

O fantástico

Na opinião do inglês, o caso Lance Armstrong, o ex-ciclista que confessou fazer uso de dopping no início deste ano, é uma das melhores peças de jornalismo das últimas duas décadas. “Se deixar levar pelo fantástico é um grande mal de quem trabalha com esportes, mas os jornalistas não podem se permitir ficar cegos”, afirma. Dart aponta que o papel do jornalista não se resume a relatar o que aconteceu ou falar sobre o atleta incrível. Averiguar, investigar, ter faro, também faz parte do processo de checagem. E então, pontua, “se tiver algo lá ou pelo menos a suspeita de algo, você precisa ir em frente e verificar, descobrir informações para fazer sua história sobre aquilo”.

Contudo, ele afirma que o que tem acontecido é que essa faceta do jornalismo está sendo amassada pelo fantástico do meio. Para ele, é impressionante assistir quando um atleta famoso que usa drogas para aumentar seu desempenho passa despercebido dos jornalistas que continuam falando da beleza de seus movimentos mesmo mediante indicações de suspeição em exames antidopping.

Por Sthael Samara – estudante de pós-graduação em Jornalismo Esportivo – repórter da Agência de Notícias UniCEUB

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