Repórteres de diferentes veículos nacionais relatam a dificuldade de fornecer notícias verdadeiras em tempos de fake news e polarização política
Convidados para participar da 38ª Semana da Comunicação do CEUB, que tem como tema “Comunicação e pandemia: quando jornalismo e publicidade estão na linha de frente”, os jornalistas Fabiano Andrade, João Pedro Mello e Cezar Feitosa, conversaram um pouco com alunos e professores sobre a cobertura jornalística na pandemia e a desinformação.
Em uma mesa redonda, mediada pela professora Katrine Tokarski e organizada pelos professores Luiz Cláudio Ferreira e Isa Stacciarini, os profissionais compartilharam vivências da cobertura da pandemia e suas expectativas para o futuro do jornalismo nacional.
O início da cobertura
Uma surpresa para muitos, a cobertura da pandemia se tornou um trabalho árduo para muitos jornalistas. O jornalista da TV Globo, Fabiano Andrade, destaca que essa dificuldade não se restringiu somente à classe jornalística, como também a funcionários do governo e do Ministério da Saúde. “Precisávamos ter filtro e empatia, porque muitas vezes as informações não chegavam por desconhecimento, já todos fomos pegos de surpresa”, falou.
O repórter do grupo Bandeirantes, João Pedro Mello, ressaltou as dificuldades e apontou como maior desafio a necessidade de trabalhar a distância, algo que não era comum. Já para Cezar Feitosa, repórter da CBN, encontrou no início uma grande dificuldade em receber e encontrar dados oficiais dos órgãos do governo envolvidos no combate à pandemia. “A guerra política já existente entre o ex-ministro da Saúde, Mandetta, e o presidente da República, também foi um grande problema que nós jornalistas enfrentamos na cobertura inicial”, acrescentou.
A rotina
Como qualquer outra profissão considerada essencial na pandemia, os jornalistas perceberam um aumento de carga horária. Fabiano Andrade lembra que muitos colegas foram afastados das atividades presenciais, aumentando as funções de outros colegas. “Tem dias que a minha jornada é de uma da tarde à uma da manhã. Mas esse é o momento de mostrar dedicação, porque o papel do jornalismo é muito importante na pandemia. Mas também é preciso valorizar, não se deixar precarizar”, comentou.
Cezar e João Pedro comentaram que o momento, por se tratar de uma crise, exige uma cobertura mais detalhada, e consequentemente, uma maior carga horária. “Hoje os plantões são de 10 horas, acima do que era antes, mas por se tratar de uma cobertura muito especial que exige maior atenção, que é a cobertura da pandemia. O aumento de trabalho também se deve por causa do aumento de informação, especialmente em Brasília, o centro de todas as informações”, ressaltou João Pedro.
Entradas ao vivo
Fabiano contou que é necessário um cuidado triplicado para não passar alguma informação errada, cometer um erro durante as entradas e coberturas ao vivo. Anotações bem feitas e estar completamente por dentro do assunto é fundamental. “É uma tentação para o jornalista alterar o foco, que é informativo para foco opinativo, aconteceram algumas situações comigo.”, aponta.
João explicou que está ao vivo praticamente o tempo inteiro, tanto no rádio, como na TV e acha que é muito complicado ter um senso crítico para não passar uma informação errada, entender se vale a pena falar. É um momento em que não se pode errar. Entender se o ouvinte precisa mesmo ouvir aquilo é essencial. Houve momentos em que assim que a notícia foi descoberta, já teve que entrar ao vivo, com isso a atenção para erros é muito maior e se houver alguma falha, é necessário fazer uma nova entrada para corrigir o fato e passar a informação correta.
“Anotar tudo que as pessoas falam e preparar entradas em tópicos tem sido minha técnica para não ter problemas no ao vivo.” falou Cezar. Fazer entradas curtas e diretas, focar em informar e ser bem apurado e deixar a parte de opiniões para quem precisa fazer isso. As orientações são sempre fugir de expressar qualquer tema opinativo, ler textos com mais vigor e conseguir não passar informações erradas.
Informações
Passar as informações de forma correta para a população se mostrou ainda mais essencial na pandemia. Como Cezar comentou na mesa, o jornalista precisa se manter informado para combater a desinformação.
Fabiano Andrade foi além, e destacou a importância de os trabalhadores de comunicação irem atrás de dados e fazerem um trabalho de checagem. “Eu acho muito importante destacar que, quando não é entregue os dados por fontes oficiais, é obrigação do jornalista ir atrás deles. Não se pode negar a informação, mas também não se pode aceitar essa negativa e ficar de braços cruzados”, completou.
Ataques
Os jornalistas, de forma unânime, falaram que os ataques aumentaram durante a cobertura da pandemia, que perdura até hoje. “Um lugar de destaque, onde era possível ver ataques constantes, era no cercadinho do Palácio da Alvorada. E os ataques se tornaram ainda mais fortes com o início da pandemia”, comentou Fabiano Andrade ao se lembrar de depoimentos de sua colega responsável pela cobertura no local.
João Pedro se lembra que, ao entrar ao vivo na Band News, recebia ao mesmo tempo inúmeros comentários agressivos em suas redes sociais. “Era eu entrar ao vivo, que eles iam no meu perfil no Twitter e no Instagram me xingar”, comentou.
Ele também lembra que a hostilidade em frente ao Palácio da Alvorada não é algo somente do governo atual. “Após o impeachment da presidente Dilma, a imprensa estava acompanhando a sua saída do Palácio, quando os seus apoiadores começaram a jogar pedra, barro, areia, tudo em cima dos jornalistas que estavam só trabalhando”, recordou. Ele também se lembra que chegou um momento em que os jornalistas precisavam dar informações pessoais para a segurança do Palácio na frente de todos, o que levou muitos colegas a serem perseguidos e ameaçados por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro. “Foi uma grande evolução para com a cobertura nesse cercadinho, pois estava fazendo mal para a saúde de repórteres”, disse.
Cezar relembrou de momentos em que teve medo de ser jornalista ao desempenhar o seu papel. “Eu estive em um desses passeios que o presidente fez com motociclistas, e cheguei atrasado, então tive que passar no meio dos motociclistas parados. Eu fiquei tenso e guardei o meu crachá na mochila, porque a gente não sabe o que pode acontecer”, relatou.
Valorização
Ao serem questionados se, após a pandemia e todo esse trabalho de qualidade para uma boa cobertura, eles acreditam que o jornalismo será mais valorizado, os repórteres têm opiniões realistas. “Eu sou, como Ariano Suassuna, um realista esperançoso: eu espero muito que o jornalismo saia reconhecido. Mas sendo realista e vendo essa competição com as fake News, eu tenho as minhas dúvidas”, explicou Fabiano Andrade.
Para João Pedro, a situação é mais complicada do que aparenta. “Eu vi muita gente acompanhar o noticiário só para atacar os jornalistas. As pessoas ficaram muito críticas pro lado negativo”, falou ao comentar que não acredita em uma valorização tão rápida do Jornalismo.
Cezar destacou uma polarização muito mais forte com a chegada das eleições de 2022, o que acaba impedindo a valorização dos jornalistas. “Para mim é um processo que depende do amadurecimento da sociedade e do próprio jornalismo, com agências de checagem e outras ferramentas”, completou, mas sem descartar a valorização do jornalismo em um futuro um pouco distante.
Por Ana Clara Botovchenco, Jorge Agle e Filipe Fonseca
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira