Ano de 2025 marcará maior aproximação entre Brasil e França, e vai gerar novas oportunidades, afirma adido cultural

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O adido cultural da França no Brasil, Brieuc Tanguy-Guermeur, afirma que a embaixada daquele país europeu tem grande importância para o fortalecimento do laço e das trocas culturais motivadas por esse interesse mútuo.

Ele identifica que os dois países têm esse desejo e interesse na difusão das ideias e das produções artísticas e as embaixadas devem criar caminhos de ligação para que não sejam apenas de difusão e divulgação.

“Mas para tentar criar uma história juntas, uma narrativa comum. Por isso, a gente está desenvolvendo bastante nossa ação. Estamos buscando promover a criação entre artistas franceses e brasileiros. Sendo assim, vamos lançar um programa de residência artística intelectual que se chama Vila Fatumbi.” 

Brieuc contou que, agora em 2025, acontece o Ano Brasil-França para reforçar essa relação colaborativa e conjunta entre os dois países.

“Vai ser um momento muito forte de cooperação cultural. Vai ter uma programação de artistas e pensadores brasileiros na França, durante os meses de abril até agosto de 2025. E uma presença muito forte de artistas franceses no Brasil, de agosto até o fim do ano”, explicou.


Aproximações

Tu ris, tu mens trop (você ri/você mente demais)/Tu pleures (você chora…)…

Os versos que abrem a  música “Joana Francesa”, de Chico Buarque, brincam com a aproximação de brasileiros e franceses.

Ao utilizar os dois idiomas na canção, Chico faz com que as duas culturas sejam inseridas em uma só obra e conversem naturalmente, em uma ponte cultural. Essas ligações não são restritas à criatividade do poeta brasileiro, que lançou a música no ano de 1990.

Os fluxos migratórios entre Brasil e França contribuem significativamente para o intercâmbio cultural entre as duas nações. No Brasil, de acordo com a Polícia Federal, aproximadamente 30 mil franceses residem no Brasil, já na França o Itamaraty estimou em 2020 que haviam cerca de 90 mil brasileiros vivendo lá.

Essa movimentação populacional não apenas fortalece os laços históricos entre os países, mas também enriquece a diversidade cultural de ambas as nações, com a troca de costumes, idiomas e visões de mundo.

Na visão da historiadora Anaïs Fléchet, especializada nas relações culturais francesas e brasileiras, com foco na música, a inspiração de Chico para a canção foi o filme “Joana Francesa”, dirigido por Carlos Diegues.

Segundo a pesquisadora, especialista em cultura brasileira e francesa, a canção foi feita para Jeanne Moreau, atriz que protagonizou Joana no filme. “Essa música é muito linda, porque ela joga com as línguas. É uma interpenetração das línguas”, explicou.

Birô de Criação

Segundo a historiadora, a utilização da música pode auxiliar o aprendizado linguístico e é algo que também acontece historicamente na França.

“A gente vê muito isso (na França), sobretudo a partir da década de 1970, quando os músicos brasileiros começaram a fazer sucesso na França por eles mesmos, e não adaptados com versões em francês”. 

Essa, segundo ela, foi a primeira maneira de se apropriar da MPB, fazer versões. Mas, depois de um momento e da chegada física de artistas brasileiros na França, com o desenvolvimento das turnês e também o exílio — que foi um fator muito decisivo nesse encontro real entre as pessoas —, as músicas começaram a ser divulgadas em português, em versão original, explicou.

Ela relata que esse foi um fator importante para que a música brasileira fosse inserida em espaços de educação na França, e que esse acontecimento floresce a paixão pela cultura brasileira nos franceses. “A partir daí, vemos que em vários cursos de português, inclusive nas universidades, os professores começaram a usar bastante as canções como ferramenta para a aprendizagem da língua. E eu entrevistei várias pessoas para minha tese de doutorado que falaram justamente isso: Que se apaixonaram pelo Brasil a partir da música e que foi por meio dela que começaram a aprender o português e também a sonhar em viajar para o Brasil”, completou.

A historiadora contou que as duas culturas estão ligadas a muito tempo, essa relação entre os países acontece a mais de 200 anos, e citou que existe uma curiosidade e desejo mútuos de que elas se entrelacem.

Vivências


Para o francês Elyes Jedidi, que visitou o Brasil em 2024 e passou por cidades como Rio de Janeiro e Ubatuba (SP), as primeiras impressões sobre a cultura e o povo brasileiro foram “consideravelmente positivas”. “O que mais me marcou foi como o brasileiro tem mente aberta e aceita outros. A comida também me impressionou. Vocês comem arroz e feijão todos os dias”, sorriu.

Nem sempre as primeiras impressões são as melhores. O carioca Filipe Castanheira, de 20 anos, estudante de administração na Universidade de Brasília (UnB), morou em Aix-en-Provence, no sul da França, entre 2014 e 2016. Segundo ele, em um primeiro momento, o povo francês aparenta ser mais “frio”, mas, com o tempo, passa a se assemelhar mais àquilo que o brasileiro está acostumado à medida que se desenvolve uma relação mais calorosa. 

Além disso, se disse impressionado com a quantidade de franceses que fumam, e com o hábito frequente das pessoas de caminhar. “Pelo menos nas cidades que visitamos e onde a gente morava, a galera caminha muito. Aqui no Brasil, a gente vê muita gente indo para qualquer lugar de carro. Vou na esquina, pego o carro. Lá eles costumam caminhar muito”.


Desencontros


A troca cultural entre Brasil e França também está relacionada a estereótipos. Embora pareçam simplistas, esses estereótipos podem reforçar preconceitos e dificultar a compreensão mútua. A experiência de viver em um país diferente, portanto, envolve não apenas a descoberta de novas culturas, mas também a desconstrução de ideias preconceituosas.

Filipe contou que, ao chegar na França, foi recebido pelos nativos com questionamentos sobre três principais fatores: a música, o futebol e o jeito caloroso e extrovertido dos brasileiros. “Perguntavam muito sobre samba, bossa nova e funk. Diziam que o funk tinha ficado muito famoso lá. Futebol também, lá eles acham que todo brasileiro sabe jogar bola, principalmente os mais novos. E o trato humano mais caloroso, acho que eles têm muito forte essa imagem do brasileiro”, relembrou.

Torre Eiffel – Foto: Lara Barbosa


As diferenças na forma que os franceses lidam com costumes e relações interpessoais também chamaram a atenção de Filipe. “A principal diferença nessas relações interpessoais é que eles tem um olhar de superioridade, tem esse olhar meio frio. Enquanto a gente parece estar tentando conquistar um espaço e ser mais amigável. Então, pode passar um ar de arrogância quando você está falando com a pessoa”, lamentou. 

Já na visão de Elyes, as maiores diferenças estão na cortesia e na forma como os brasileiros lidam com a prestação de serviços. “A linguagem é muito informal, se comparada à França. Não há necessidade de dizer ‘por favor’ o tempo todo, e ainda assim o serviço é muito melhor do que na França. Nos restaurantes há sempre alguém cuidando de você para garantir que tudo esteja indo bem”.

Música para aproximar


A música é um exemplo de caminho de aproximação para franceses e brasileiros. É o caso do médico Celso Boianovsky, de 59 anos, que mora em Brasília, cujo interesse pela música e cultura francesas foi auxiliado pela tecnologia.

“O meu interesse pela música francesa veio da minha vontade de aprender a falar francês. Nesses tempos modernos, a gente consegue se cercar de uma série de ferramentas que, quando eu aprendi o inglês, não tinha. Então, por intermédio de um Spotify, do YouTube, eu consigo me cercar de cultura musical franecesa”, explicou.

Celso comentou, também, que o consumo de música o ajuda a aprender mais sobre a língua. “Quando a gente se apaixona por um cantor, por uma cantora, por uma música específica, a gente acaba reproduzindo aquilo e as expressões ficam memorizadas de maneira natural, sem você se dar conta. Desde que você vá atrás do significado real, não só da sonoridade da música, é uma arma poderosíssima! Isso me ajudou muito a aprender a língua”, relatou o médico.

Abaixo podemos conferir um episódio do quadro “Cultura Para Aprender” do Ceub, que fala sobre como a música e a cultura podem ser um pilar para auxiliar o aprendizado de uma nova língua.


Novos horizontes


Ao serem perguntados sobre as experiências que tiveram na França na cultura musical de cada país, tanto Filipe quanto Elyes citaram o rap, gênero musical muito ouvido em ambos os países e que têm destaque, principalmente, entre os jovens.

“Eles ouvem muito rap nacional e também internacional. Eu morei lá de 2014 a 2016, mas até hoje os mesmos artistas estão em evidência” Ele afirma que recentemente visitou um amigo na França e pediu uma relação de músicas que ele escutava normalmente. “Eles ouvem muito rap ainda e os mesmos artistas estão em evidência há muito tempo”, destacou o carioca.

O gênero já proporcionou, inclusive, algumas pontes entre Brasil e França. É o caso da canção “Bonjour“, colaboração entre o rapper brasileiro Emicida e o artista francês Féfé. Outro exemplo é o da música “Bécane”, do rapper franco-camaronês Yamê, que viralizou nas redes sociais. Uma parceria com o brasileiro DJ Zullu resultou em um remix da música, trazendo uma fusão do Funk brasileiro e das melodias de Yamê.

Para Anaïs Fléchet, o remix de “Bécane” é um perfeito exemplo de como devemos visualizar a relação Brasil-França daqui para frente. “Temos que pensar nisso não somente como uma relação bilateral entre os dois países, mas como uma relação multilateral que inclui a francofonia. Então, a África francófona e os músicos que tem essa relação com a África — sejam músicos franceses de origem africana ou músicos africanos mas com longas temporadas na França —, eu acho que eles vão ser muito importantes para o futuro dessas relações Brasil-França”, ressaltou a historiadora.

Celso Boianovsky, apaixonado pela cultura francesa, contou que o interesse passa, também, pelas canções da cantora franco-maliana Aya Nakamura, que se encaixa no R&B (rhythm and blues) — gênero com influências de soul, funk e hip-hop.

“Tenho curtido bastante cantores bem jovens, que fazem rap e alguns outros estilos também, que eu acompanhei a ascensão, e que se transformam em grandes ícones. Um exemplo é a Aya Nakamura, que é africana de origem. Ela, inclusive, foi uma das cantoras na abertura das Olimpíadas de 2024, em Paris”, destacou.

Apresentação de Aya Nakamura na abertura das Olimpíadas de Paris

Por Vinicius Joanol

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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