Apropriação de elementos culturais na moda levanta polêmica no setor

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alice-leite-costa-2O termo “apropriação cultural” pode carregar o sentido de ‘roubo’ ou invasão. No mundo da moda e do consumo, esses ‘empréstimos culturais‘ ganham um outro universo de possibilidades.  Afinal de contas, na moda vale tudo? Utilizar de elementos étnicos em roupas e acessórios, por exemplo, tem se apresentado como polêmica nesse setor. Segundo fontes entrevistadas, o uso consciente pode fazer a diferença.

A estudante Mila Borges, 19, que se identifica como negra, usa as roupas como uma forma de resgatar a história da família. Apesar de não ter a pele negra, Mila ressalta que as cores chamativas, os motivos africanos dizem muito sobre quem ela é. “Usar uma moda afro, um turbante, uma bata com estampa bem colorida um brincão de semente eu acho que é uma afirmação sim de ser uma mulher negra, na minha ancestralidade, na minha criação, precisa sim ser respeitado esse tipo de cultura não em detrimento de outras culturas e outros modos de se vestir. Mas eu me identifico assim, já é parte de quem eu sou me vestir dessa maneira”.

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Não é raro ver marcas e estilistas de moda usando de forma inadequada elementos de outras culturas. No Brasil, quando se fala  de grupo étnico, logo se pensa em negros e indígenas. São a partir dessas referências que o mercado da moda lançam investidas criativas. No universo da moda afro ou da reprodução de padrões e desenhos indígenas, é necessário entender que tais coisas dizem respeitos a costumes ainda maiores. Para a doutora em estética, Flor Marlene, a utilização dessas referências deve passar por uma pesquisa para conseguir entender a cultura do outro.

“O homem moderno através da moda vai enxergar esse passado e incorporar de forma mais artística,  não apenas a apropriação pela apropriação, mas para que ele seja lido e atualizado.   A moda é efêmera, e esses elementos de outras culturas podem ser vistos como algo exótico, uma forma elitizada de perceber a cultura do outro, nós não temos toda essa bagagem cultural para entender esses significados. Para nós é o que nos encanta, o que é novidade, diferente do que e para eles”.

 

A professora e designer de moda Lucyana Azevedo, de 32, acredita que a moda é um espelho da sociedade e que como tal, apresenta conflitos. A respeito do limite entre inspiração e apropriação cultural na moda, a profissional reconhece que é uma relação delicada. “Quando trabalhamos com referências étnicas para o desenvolvimento de produtos de moda, sempre nos apropriamos de elementos culturais, que têm seus significados e valores específicos dentro da cultura de origem, e os submetemos aos valores e significados de nossa cultura. É complicado dizer que isso é bom ou ruim”. Ela acredita que a grande questão da apropriação cultural é quando provoca uma insatisfação de quem se sente desrespeitado.

A designer revela que a questão da apropriação cultural na moda apenas reflete um conflito já presente na sociedade. “Por muitos séculos o turbante não foi considerado belo, mas estamos vivendo um período de afirmação da estética negra. Isso se reflete na produção de moda, e o turbante foi utilizado por muitos profissionais apenas  como um adorno, esvaziado dos seus significados de origem”. Ela concorda que a população se sente desrespeitada por esse movimento da moda que “questiona e denuncia com legitimidade”.

Miscigenação

Para a jornalista Laura Muradi, o seu estilo se transformou uma forma de celebrar a cultura negra. “Quando eu uso um elemento africano,  eu estou resgatando minha ancestralidade e honrando aquilo que me toca, que foi massacrado pela cultura ocidental e já sofreu tanto preconceito”.

No Brasil, essa realidade se torna ainda mais complexa com o mito da brasilidade e da miscigenação que apaga ainda mais os pertencimentos e as contribuições de cada povo. A cultura de um grupo que foi oprimido ainda é comercializada e mercantilizada para atender mais uma vez às demandas do grupo de uma cultura dominante. A exemplo do baile de carnaval realizado pela revista Vogue deste ano. Intitulado de ‘Pop África’, o baile reforçava os estereótipos de uma África colonialista. Centenas de blogueiras, modelos e nomes importantes do mercado foram convidadas pela revista a se “fantasiarem” da cultura afro.

Por Alice Leite Costa

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