Bancas de revistas da W3 Sul mudam de perfil para sobreviver

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Pode parecer um local abandonado que parou no tempo com estantes vazias e empoeiradas preenchendo quase toda a área. Nela há publicações de 2013, 2014, podendo ser encontrada até àquelas que ainda viviam sob o medo do tal fim do mundo em 2012. Apesar de parecer estar “jogada ao léu”, conforme diz a rica língua portuguesa, o espaço tem um ser humano ali que batalha diariamente para sobreviver em meio ao caos. Essa pessoa é Maria Tereza* e esse é o retrato de sua banca situada na W3 Sul.

A mesma situação é encontrada em várias outras bancas de jornais e revistas no setor. Mesmo com a impopularidade, ao todo são mais de 10 bancas espalhadas ao longo da via. No tempo áureo da W3 Sul, quando era bem frequentada, as crianças compravam balas e revistas de colorir, enquanto os adultos adquiriam o jornal diário e revistas de fofocas. O público mudou. Hoje os clientes aparecem apenas para comprar lanches, e o setor se sente abandonado pelo governo.

Maria Tereza diz que vendia de tudo em sua banca. A proprietária admite que o número nas vendas começou a cair quando os shoppings começaram a surgir pela cidade, sendo o governo o principal responsável, devido ao abandono à W3 Sul. “Depois que começou a construir sei lá quantos shoppings, e não tem estacionamento, acabou isso aqui. Eu adoro Brasília e meus fregueses são ótimos, mas some todo mundo porque na W3 Sul não tem novidade”, desabafa. Pelo fato do público hoje ser outro, as bancas tentam sobreviver de várias formas, vendendo o que podem, modificando, muitas vezes a sua estrutura.

A Resistência

No local, o visitante logo percebe a diferença no lugar. Azulejos mais claros refletem a luz que vem de fora e deixa o interior mais iluminado. O cheiro de alimento fresco, como um suculento bife acebolado com arroz, preenche o espaço. Ao invés de revistas, balas e salgadinhos. A banca Braziliense passou a sobreviver principalmente à base de produtos alimentícios.

Um dos donos, Marcelino Martins, 47, afirma que o local tem jornal, ainda que em pouca quantidade, enquanto revistas não são mais comercializadas ali. O proprietário atribui a queda nas vendas à modernidade, que têm levado os mais jovens ao desinteresse. “Geralmente quem vem aqui são idosos para comprar jornal. Você não vê mais um rapaz comprando jornal”, afirma.

Para Adriana Martins, também responsável pela Banca Braziliense, se não fosse por meio da comercialização de alimentos, a banca não resistiria à crise. “Se tiver que vender jornal e revista tem que fechar”, completa.

Mais bancas também tiram sustento de produtos que nada se relacionam a jornais e revistas. Oferecer outros serviços está previsto em legislação distrital. A lei Nº 324, de 30 de setembro de 1992 “institui o serviço de Bancas de Jornais e Revistas e áreas anexas no Distrito Federal e dá outras providências”, conforme diz o documento. O artigo 18 desta lei mostra que para comercializar, balinha e até xerox, os donos não podem “prejudicar” a atividade fim.

Apesar disso, quem vive em meio a incerteza nas vendas, questiona essa tal atividade fim. Como Maria Custódio, da Banca das Utilidades. Dona há quatro anos, junto com o marido, Maria Custódio revela que os lanches sustentam o empreendimento, e que se dependesse de revistas e jornais já teriam passado o estabelecimento a outra pessoa. “A gente se virou de um jeito ou de outro. Meu marido trabalha com conserto de celular, e a gente colocou o mundo (diversos utensílios) dentro da banquinha”, relata.

Na Banca das Utilidades, as revistas são palavras cruzadas, publicações sobre lar e cordéis. Ali, dificilmente o cliente vê alguma revista de grandes editorias e/ou distribuidoras. “Eles cobram um valor ‘x’ para vir deixar, e não o que eu vender. Como é por semana, geralmente cobram mais que a porcentagem que nós vendemos”, afirma Maria Custódio

A situação se repete com outros donos. É difícil encontrar alguma versão mais recente da revista VEJA, 4 Rodas, ou até mesmo da Tititi; Para Maria Tereza*, a principal explicação vai além de cobranças por entrega e a baixa venda de publicações em bancas. “Não tem concorrente na distribuidora de revista”, dispara. “(Eles) Mandam o que bem entende. 99% das vezes é somente coisa velha que fica mais de três anos na banca. Não vale a pena pagar caro por semana para ter coisa velha a venda”, relata. Maria Tereza ainda revela que a editora solicita devoluções de revistas mais novas, deixando as antigas, datadas de 2015 para trás com os jornaleiros.

Taxas

A lei distrital deixa claro que as bancas de jornais e revistas são concessões. Estar à frente do espaço, segundo os jornaleiros, significa taxas. O artigo 11 do documento diz que os “ocupantes” necessitam pagar uma contribuição mensal estipulada pelo poder.

Para Rochester Vagner, 42, amigo e braço direito do dono da Banca POP,  diversos fatores prejudicam a economia do estabelecimento e uma delas é o governo. Segundo Rochester as taxas do Estado aumentam, o sindicato dos jornaleiros não os representam e as vendas caem à medida que o tempo passa. Somente o imposto mensal cobrado pelo GDF corresponde a R$ 95,00.

“Se você não pagar, vem o pessoal da AGEFIS aqui e falam ‘ó, você está devendo isso daqui’, tá entendendo? Se você não pagar a AGEFIS vem e fecha”, então tem esse problema (cobranças mensais e anuais), AGEFIS e Sindicato. Como a gente vai trabalhar?”, desabafa Rochester.

Devido as altas taxas, a Banca POP não pega mais revistas nas distribuidoras, e o funcionamento está comprometido, correndo o risco de fechar as portas. “Banca de revista acabou!”, conclui.

Maria Tereza também critica o alto número de impostos e ressaltou que a falta de preocupação do GDF com a W3 afasta os poucos clientes que possui.

E as reclamações não são por acaso. Andar pela via pode apresentar surpresas, com tropeços em buracos na calçada, tampa de bueiros abertas e desnivelamento em trechos, além disso a segurança pode ser questionada. “Eu que fiz a minha calçada. Ai vem a CAESB e faz um buraco para poder fazer a ligação deles e aí fecha de qualquer jeito. Você sabe que aqui é pedrinhas, se ela não ficar bem arrumada vai saindo”, relata Maria Tereza.

Em alguns casos, a situação complica um pouco mais em período de forte chuva. Os proprietários da Banca das Utilidades lamenta a falta de limpeza de bocas de lobo, pois quando o temporal cai, a água logo invade o espaço.

Por meio de nota, a Administração Regional do Plano Piloto afirmou que há um projeto de padronização de calçadas para a W3 e W2, tendo como piloto as quadras 511 e 512 Sul, e que para acontecer depende somente da liberação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Para os donos, a revitalização na W3 Sul precisa ser urgente. Se hoje há um número considerável de bancas ao longo da via, futuramente esse número pode reduzir drasticamente com as condições que o local se encontra. Alguns acreditam que modificar o plano urbanístico pode ajudar o setor, enquanto outros não. Mas uma coisa é certa: ninguém que fazer parte de lembranças de quando a via ainda era viva.

Por Mateus Melis

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

 

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