No primeiro ato, a protagonista sobe ao palco pintada de branco, e com ironias sobre o racismo. Na segunda parte, a atuação é outra. Com a pele na cor natural negra, a atriz se reafirma e traz canções que criticam o preconceito. Assim está dividida a peça Black Off , produção sul-africana encenada em inglês, que abriu o Festival Cena Contemporânea produzida pela atriz e diretora Ntando Cele, da companhia “Manaka Empowerment Productions”. O espetáculo busca, assim, pelo sarcasmo em relação ao racismo, chocar a plateia.
A peça também trabalha com um momento de participação da plateia. A atriz, ainda incorporada na personagem Bianca White, convida a audiência para fechar os olhos e fazer uma meditação. “Pensem no seu branco interior”, sugere. Nesse momento, é convidado ao palco um voluntário negro para participar do “ritual”. Com isso, ela introduz a discussão de que os “brancos ajudariam os negros”.
“Nós ajudamos os negros…lá na África”, diz personagem com sarcasmo.
Uma ideia transparente do espetáculo é alfinetar mesmo as ações mais sutis de preconceito. Para isso, a protagonista traz o deboche como marca de protesto. A plateia ri. Os elementos trazidos ao palco são minimalistas. Uma cadeira, uma penteadeira, os amplificadores para a guitarra e para o teclado, uma bateria e o microfone da protagonista.
“Seja branco”
Na peça, a protagonista discursa e critica o fato de o negro não “pertencer ao resto do mundo”, somente à África. “África é o habitat natural dos negros”, comenta. A atriz mostra a “ajuda” dada pelos povos tidos como brancos por meio de um exemplo fictício de uma campanha que ela fez para combater o ebola no continente africano. A campanha consistia em uma música da artista, em que ela tapava o nariz e a face com prendedores de roupa, dando a entender que, sem respirar o mesmo ar, ficaria-se livre da doença.
Trilha
A energia da comédia se vai na última música da primeira parte da apresentação. Um instrumental mais denso e conturbado faz a trilha sonora do momento em que Bianca White senta-se na penteadeira e começa a retirar a sua maquiagem branca. Ao fim dessa ação, ela levanta e sai do palco. Os músicos também. Assim, finaliza-se o primeiro ato.
No segundo ato, ela se apresenta como negra e africana. Na volta, sobe ao palco com uma performance mais melancólica. Atravessa o palco amassando o rosto com as próprias mãos. Após isso, executa uma canção com o tecladista da banda que a acompanha. Logo mais, veste uma sacola plástica e, com um garrafa pet, mais uma ironia sobre a visão de outros continentes sobre a África.
Daí em diante, inicia-se um concerto musical. Composições no estilo “punk rock”, “grunge” e “rap” saem nas caixas de som. Na voz da atriz, as letras se tornam críticas mais diretas e impactantes sobre a visão do mundo sobre os negros. “Estou aqui, sou preta. Mas não estou aqui para ser preta”, canta.
“Tirar o sorriso”
Para o baterista da banda Peter Fox, em entrevista à Agência de Notícias UniCEUB, é importante trazer esses ritmos musicais para a peça já que eles são gêneros energéticos e com um histórico de críticas. “ Para a gente, é muito importante trazer algo agressivo que tire o sorriso do rosto das pessoas”, explica.
“No rap você consegue dizer mais”, admira Patrick Tood, guitarrista do grupo. Ele explica que toda a música que eles fazem é para dar suporte à temática da peça. “ É arte mista!”, acrescenta.
A plateia aprovou o que viu
Para a atriz Jéssica Cardoso, de 26 anos, que assistiu ao espetáculo, a “deslocou” ela da zona de conforto. Segundo ela, a parte final, onde a atriz pede para que não ajudem mais os negros e trazem discussões complexas. “A gente não pode achar que os negros tem que agradecer sempre”, critica.
Sobre as piadas e as ironias, ela garante: “Dou risada de desespero. De nervoso”. Ela se preocupou com a reação de parte da plateia que se mostrou ainda muito conservadora quanto às críticas apresentadas em um lugar intelectual e de crítica sobre o racismo. “Mesmo nesse local, mesmo sendo uma peça crítica, eu senti as pessoas se sentindo meio incomodadas”, explica. Ela explica que identificar essas brincadeiras é importante para a conscientização.
Por Bruno Santa Rita
*Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira
Fotos: Janosch Abel / Divulgação