Cinema alemão se renovou e melhorou ao recorrer à literatura nacional, explica professor

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“Aguirre, a cólera dos deuses” é um exemplo do ressurgimento do cinema alemão

Antes mesmo dos irmãos Lumiere, os alemães tinham uma técnica que criava uma noção de movimento e animação dentro da tela. Com o tempo, porém, o cinema francês ficou na frente quanto à inovação e dedicação à Sétima Arte. “A França e a Alemanha sempre tiveram esta discussão bélica e histórica sobre pioneirismo no cinema”, afirma o professor Pablo Gonçalo, pesquisador de cinema alemão e curador de mostras de filmes. Ele explica que a repercussão do cinema alemão ocorreu, em grande parte, graças ao Ministério da Propaganda, que em tempos da 2ª Guerra ao utilizar as produções cinematográficas para promover a ideologia nazista pela Europa. Filmes como ‘’Die Grosse Liebe’’ (O Grande Amor) e ‘’Wunschkonzert’’ (Show de desejo) são exemplos de produções que serviram de molde para esta estratégia. Logo após o final da 2ª Guerra, a produção de filmes tornou-se mais ‘’livre’’. Inclusive, atores, diretores e produtores judeus retornaram ao trabalho. Porém, segundo o professor a produção acabou decaindo, devido especialmente à falta de criatividade no roteiro, onde todos traziam a mesma história – as lutas da guerra e o desafio social pós-guerra. ‘’Os assassinatos estão entre nós’’ é um grande exemplo. A indústria de cinema alemã continuou marcada com esta falta de criatividade até a década de 60, quando outras artes, como o teatro e a literatura, começaram a se renovar, o que inspirou o cinema, explica Pablo Gonçalo. Filmes como ‘’Aguirre, a cólera dos Deuses’’ e ‘’O rebelde’’ são dois exemplos desta inovação.

A partir de então, o cinema alemão volta a fazer bastante sucesso comercial. Wolfgang Petersen, diretor de filmes como ‘’Uma história que nunca termina’’ e ‘’O submarino’’, foi o primeiro a receber uma indicação ao Oscar. Nos anos 90, destacou-se o filme de Tom Tykwer, ‘’Lola rennt’’ (Corra, Lola, Corra!) que conta a história da namorada de um gângster que precisa correr contra o tempo para salvá-lo. Nos anos 2000, ‘’Adeus, Lenin!’’, ‘’A vida dos outros’’, ‘’A queda’’ e ‘’A onda’’ foram intensamente aclamados pela crítica, chegando até a concorrer ao prêmio de Melhor Filme estrangeiro. Todos estes trouxeram temas políticos como pano de fundo, ao mesmo tempo em que exploraram intensamente o cotidiano da vida dos cidadãos alemães. O Goethe-Zentrum Brasília, por exemplo, tem realizado mostras de produções alemãs.Confira abaixo a entrevista do professor Pablo Gonçalo:

 

 

  • Trabalhar com cultura, em questão de recepção e interesse, sempre foi difícil, no Brasil?

Em certa medida, sim. Mas isso também é uma questão de outros países da América Latina. Eu já trabalhei no Ministério da Cultura e lidei bastante com isso. Acho que a cultura é uma coisa do  povo mesmo. Muitas vezes nós esperamos uma atitude estatal, alguém ou algo que possa ajudar com a verba, mas a atividade autônoma é muito melhor. O próprio Goethe-Zentrum é uma associação cultural, onde todo o dinheiro deles é voltado para atividades culturais como esta. No Brasil, existem várias associações como esta, mas também existem alguns monopólios perigosos, e a cultura é uma forma de subverter esta situação. É uma forma de não se tornar reféns deles. Por exemplo, uma mostra como a que realizamos aqui em Brasília: com a exibição de um filme de 1960, com uma apresentação ao vivo de um pianista estrangeiro, fazendo uma sala com um espaço de 60 pessoas atraírem mais de 60 pessoas…  Isto é algo muito bacana. As pessoas realmente têm interesse. A questão é saber qual é a do ‘’now’’ (o agora). E, assim, eu prefiro não ser pessimista quanto a isso, pois eu estaria me curvando quanto às dificuldades, afinal, eu trabalho com isso! Eu trabalho com cultura! Outra coisa que também me impressiona: eu tenho alguns amigos que trabalham com cultura na Alemanha, e quando você diz que trabalha com cultura aqui, as pessoas interpretam como se fosse apenas um hobby. Elas perguntam: ‘’mas como você ganha à vida mesmo?’’ Entende? Isso não é considerado uma profissão. Já na Alemanha, ocorre o contrário. Lá, o trabalho é hierarquizado, com várias posições, e é muito mais valorizado. Aqui, acho que poderíamos trabalhar com mais eficiência, pra mostrar a diferença que a cultura faz na vida das pessoas, e no Brasil, isso até tem acontecido em certas medidas. Nossa geração é muito profissional. 

  • Afinal, quem são os pioneiros na Sétima Arte: os alemães ou os franceses?

Então, realmente existe essa questão: a França e a Alemanha discutindo sobre quem começou o cinema realmente. Mas essa coisa do pioneirismo é complicada. Dizer quem inventou o cinema. Refere-se à invenção do roteiro? Ou a invenção da projeção? É a mesma coisa que perguntar quem inventou a lâmpada. Ou quem inventou o avião. Mas, mesmo assim, a França e a Alemanha sempre tiveram esta discussão bélica e histórica. Acho que tudo isso se trata de profissões de época, ou seja, esses trabalhos simultâneos tornam difícil responder esta pergunta.

  • Ainda sobre a história do cinema alemão: no período pós-2ª Guerra (anos 60, especialmente), notou-se uma decaída nas produções alemãs. Por qual motivo o senhor acredita que isto aconteceu?

Primeiramente, vou fazer um paralelo com a Itália. Antes do final da guerra, quando o fascismo reinava sobre a Nação, Mussolini costumava incentivar o cinema de uma forma completamente diferente de Hitler, e no final da guerra, quando o regime caiu, a Itália continuou unificada. Já a Alemanha viveu outro contexto. A UFA, Universidade da Alemanha, tornou-se um instrumento de propaganda muito esvaziado, pois ele apenas era usado para propagar a ideologia nazista. Com isso, todo o aparato artístico e estético foi desmoronado, já na Itália, não. Outra coisa também: muitos cinegrafistas alemães imigraram para Hollywood (EUA), já na Itália, não. Inclusive, o sucesso de Hollywood deve-se, em parte, a Alemanha por conta disso. Nomes como Billy Wilder, Otto Preminger, Fritz Lang e Ernst Lubitsch são grandes exemplos disso. Inclusive, ainda existe a questão geopolítica: a Alemanha estava dividida, e até ela se soerguer, foi-se bastante tempo de produção. Aí, nos anos 80, existiu um grupo literário chamado ‘’Die Gruppe vierzig’’ (O Grupo 40) que conseguiu melhorar o cenário cinematográfico da Alemanha, a partir dessa iniciativa de mesclar duas artes, o cinema e a literatura.

  • Sobre o uso do cinema como meio de propaganda para ideologias políticas, o cinema alemão foi utilizado com essa finalidade, mas deixou marcas?

O Brasil já tinha isso, com a DIP, na época de Getúlio Vargas, e os EUA também. A União Soviética chegou a fazer, mas bem menos, e sobre os países asiáticos, eu não sei falar sobre. É bom lembrar que, nessa época, a rádio e o cinema, andavam bastante juntos, logo, eram os dois únicos veículos de comunicação. Resumindo, o cinema era a base da propaganda.

  • Tratando de um tema sobre um de seus livros: por que o escritor utiliza o cinema como meio de refúgio, afinal?

A geração de escritores do pós-guerra teve um papel muito importante nisso. Antes eles eram grandes expectadores do cinema, e logo depois, passaram a mudar sua forma de escrita, usando uma linguagem mais cinematográfica. Porém, isso não pode ser considerado como um processo de alteração, mas apenas como processo de refúgio. A diferença está em alguns profissionais que passaram a se chamar de escritores de ‘’óculos escuros’’, que são os escritores que passaram a ‘’escrever com a câmera’’, e a imagem era, e é, algo proibido na literatura. Pasolini é um ótimo exemplo disto tudo, pois ele foi conhecido mesmo como cineasta, mas seu talento para a escrita era genial também.

  • O objetivo desta matéria é encontrar um ponto em comum entre a cultura alemã e a cultura brasileira. Com isso, eu pergunto: existe relação entre o cinema alemão e o cinema brasileiro?

É difícil pensar nisso, pois quando o cinema alemão estava no seu auge, o cinema brasileiro ainda era bastante precário, porém, pode-se dizer que o Cinema Novo Alemão influenciou bastante em nossas produções, especificamente nos anos 80 e 90. Um bom exemplo: Wim Wenders e Walter Salles. Salles copia bastante do Wenders. Pense em um filme de cada, como ‘’Central do Brasil’’ e ‘’Alice in den Stätden’’ (Alice nas cidades). Em termos de história, um é uma cópia do outro. Rainer Fassbinder e Wilson Bueno são outros exemplos disso. Além disso, não existe tanto uma influência forte. O problema é que não é possível falar do cinema brasileiro como algo homogêneo, pois você pode encontrar algumas produções com influências do cinema português, ou do cinema argentino, ou até do cinema tailandês, e outro fato é que o cinema alemão tende a ser muito trágico, e o brasileiro não gosta disso.

Por Felipe Tusco

Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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