O rap sempre foi mais do que um gênero musical. Desde a origem, funciona como um arquivo vivo de memória, identidade e resistência.
Nos últimos anos, essa característica tem ganhado novos contornos com o uso cada vez mais consciente de samples de músicas brasileiras antigas em produções contemporâneas.
Um dos principais nomes a explorar essa ponte entre passado e presente é a dupla Deekapz, formada por Paulo Vitor e Matheus Henrique.

Responsáveis por beats que dialogam com a tradição da MPB, do samba e até do rock progressivo, os produtores transformam clássicos da música brasileira em matéria-prima para o rap atual e criam conexão direta entre gerações.
O sample como ponte cultural
Para Paulo, a mistura nunca foi apenas escolha estética, mas um projeto claro de diálogo cultural: “Quando juntamos elementos antigos com o som de hoje, a gente abre um caminho para conectar as gerações. O mais novo conhece umas paradas que nem chegariam até ele, e quem já viveu aquilo se identifica no som atual”, explica.
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Segundo ele, esse processo reforça a ideia de continuidade da música brasileira, independentemente do gênero. “No fim das contas, é tudo música brasileira, tudo parte da nossa cultura, só tá vestida de um jeito novo agora.”
Matheus complementa essa visão com uma perspectiva pessoal e familiar. “Da mesma forma que foram passadas histórias e músicas dos meus pais pra mim, no futuro posso passar essa bagagem pros meus filhos. A música faz parte da história e do momento de cada um.”
Rap como guardião da memória musical
Dentro da cultura hip hop, o sampling sempre teve papel central. Para o Deekapz, ele vai além da técnica: é um ato de preservação. “Faz parte da cultura rap. Quando a gente sampleia uma MPB, um samba ou até um rock progressivo, a gente traz a história pra dentro do som atual”, afirma Paulo.
Matheus reforça que essa memória não está apenas nas letras, mas também nos instrumentais. “A história não está só na letra, ela também está no instrumental. A graça de samplear é resgatar momentos e memórias e trazer isso pra um contexto atual, com outra roupagem.”
Reação do público: nostalgia e descoberta
O encontro entre o antigo e o novo tem gerado forte identificação entre os ouvintes. Segundo os produtores, o retorno do público tem sido majoritariamente emocional. “Muita gente reconheceu as paradas e ficou emocionada, lembrou de momentos da vida”, conta Paulo. “E a rapaziada que não conhecia foi atrás pra entender de onde veio. Isso é o mais da hora.”
Matheus observa que esse impacto aparece especialmente na nostalgia coletiva. “Vejo muita gente contente quando a gente faz essas misturas, porque resgata um sentimento lá dentro, memórias boas, de família, de dança.”
Em alguns casos, o trabalho do Deekapz chegou até os próprios artistas, sampleados ou suas famílias, um retorno que a dupla encara como validação do caminho artístico. “Quando o artista ou a família fala que curtiu, é satisfação demais. Dá a sensação de que estamos no caminho certo”, relata Paulo.
Amor à música brasileira como ponto de partida
Um exemplo recente foi o uso do sample de “Só Quero”, de Evinha, clássico da MPB presente no álbum Cartão Postal, no álbum “Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer” de BK: “A ideia dos artistas veio do próprio BK, que puxou essas referências. Tivemos a honra de mexer num clássico da MPB. O que motivou a gente foi o amor mesmo por esse som”, diz Paulo.


