CONIC: nos salões afros, elas abandonaram a ditadura do cabelo liso

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Adriana Dalles Pereira Nascimento, 33 anos, trabalha com cabelos desde criança. Ela conta que aos 19 anos já sabia o que queria da vida e pediu a mãe um curso profissionalizante para cabeleireiros. Lá, a cabeleireira aprendeu a tratar, cortar e pintar os cabelos lisos e ondulados, mas sentiu uma carência no cuidado com os crespos. “Eles ensinavam que a gente tinha que escovar o cabelo afro para depois cortar, mas ai depois que molhava a gente via o estrago no cabelo da cliente”. Após o curso, Adriana começou sua carreira em salões convencionais, fazendo escova, alisamentos e tintura. No Conic, Setor de Diversões Sul de Brasília, deu novo rumo à carreira.

Adriana (sentada) e as irmãs deram aos ideais o caminho para a carreira. Foto: Divuylgação

 

Decidiu então abrir um salão especializado em cabelos afro com sua irmã, Ana Paula, mas continuou trabalhando em outro salão para adquirir experiência. Quando saiu do salão onde trabalhava para se dedicar apenas ao negócio próprio, foi para um dos lugares mais boêmios de Brasília. As irmãs acharam espaço no Conic.
Resolveram dar ao mercado aquilo que sentiam falta quando iam tratar os cabelos nos salões. “A única opção que eu e minhas irmãs tínhamos para o nosso cabelo em salões comuns era alisar e não era bem o que nós queríamos. Nossa vontade era mesmo valorizar a nossa origem”, defende Ana Paula.
Isso porque, segundo as irmãs, as pessoas não sabem tratar o cabelo afro. Um cabelo mais sensível, que quebra e cai com facilidade e, apesar de volumoso, é também mais fino. “Eu briguei por mim. Eu sofri muito por chegar na porta do salão e eles falarem “o seu cabelo é muito difícil”, então eu quis realmente tirar isso das pessoas que vem aqui”, lembrou Adriana.
O salão hoje conta com 10 funcionários, além das três irmãs. Todos negros. “Os brancos têm mais oportunidade e o negro não. Às vezes a gente até tem uma escolaridade suficiente, às vezes a gente têm os requisitos suficientes, mas se chegar uma pessoa branca que tem os mesmos conhecimentos, eles vão contratar elas por aparência. Eu trabalho com negros e eu me orgulho muito do trabalho deles aqui”, afirma.
Existe uma referência a ser seguida até para quem está fora dos moldes impostos pela mídia. “Raiz lisa, cachos largos, volume controlado e sem frizz” fazem parte de um padrão de beleza para quem quer assumir os cachos. Segundo a estudante de direito, Yasmin Von Glehn, a pressão não é só para ter os cabelos lisos. A estudante conta que entrou no mundo da química aos 11 anos para “dar um jeito no volume”, mas sentiu que acabou perdendo a identidade junto aos cachos. Com o tempo, percebeu a vontade de conhecer melhor a si e ao seu cabelo. Quando decidiu parar com a química encontrou certa dificuldade para tratar seu cabelo em salões convencionais.
Conheceu então os salões especializados em cabelo afro, como salão Rainhas de Sabá, onde a busca por conservar a estética negra ganha espaço. “E eu gostei de ir a um lugar que ao me sentar na cadeira não tenham me dito: seu cabelo é lindo, mas você já pensou em fazer tal coisa, pra diminuir o volume, ou, para deixar os cachos mais soltos? E mais mil opções que sempre envolvem utilizar uma química pra te convencer que seu cabelo pode ser mais bonito, desde que não seja como ele é”, lembra.
Ouça entrevista com estudante que desistiu da química


Cabelo e empoderamento
 

A estudante de publicidade Camila Sant’Anna, 20, nunca alisou o cabelo. Essa influência veio da mãe e das tias, que abraçam o movimento de empoderamento feminino negro.

DEPOIMENTO

“O cabelo afro é completamente diferente de cabelo liso, e os salões no geral tratam como se fosse a mesma coisa. Salões afro são importantes não só por saber lidar com cabelos crespos e cacheados, mas até por questão de empoderamento. As pessoas estão cada vez mais assumindo o cabelo natural, fazendo transição e tendo orgulho de mostrar isso para as pessoas. Eu acho que salões afro são essenciais pra isso, porque eles cuidam e ensinam as pessoas a cuidar do cabelo, a se amar assim. Preconceito a gente sofre sem saber quando é criança né. Aquela coisa de chamar e falar que por ser cacheado meu cabelo é ruim, ou de bombril, já perguntaram porque eu não aliso, mas recentemente não. Acho que justamente porque tá se tornando uma coisa cada vez mais comum. E o mais importante nesse movimento é a representatividade. Acho essencial e acho que a gente não tá nem na metade do caminho pra uma representatividade justa e real. Mas gosto muito do fato de que isso tá cada vez tomando mais espaço, sendo mais comentado e questionado o porquê de existir tão pouca representatividade, ainda mais num país com tantas pessoas negras”.

 

 

Por Júlia Guimarães

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