Primeira escola dedicada ao ensino do choro no mundo, a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello forma uma nova geração de artistas e contribui para a manutenção da cultura na capital. Mais de 700 alunos, a partir de 6 anos de idade, têm acesso a 20 opções de cursos entre musicalização e prática de instrumentos.
A escola desenvolveu uma metodologia de ensino para chorões de diversas faixa etárias e, em breve, lançará um novo curso de musicalização para crianças a partir de um ano de idade. O diretor da instituição, Henrique Lima Santos Filho, explica que o objetivo é submetê-los à atmosfera musical desde a primeira infância.
“Mais do que formar músicos para o choro, a gente busca formar pessoas que estejam dentro do mesmo espírito de convivência, de harmonia. A gente já formou muitos músicos profissionais, mas acho que é muito mais do que música que a gente ensina aqui”, afirma Henrique Lima.
Músicos no hospital
Além da formação musical, existe um trabalho de inserção na carreira profissional. Os aprendizes começam tocando em atividades beneficentes. Em parceria com o Hospital Sara Kubistchek, os músicos são enviados para tocar em alas infantis ou psiquiátricas. Além disso, são incentivadas às participações em Rodas de Choro e formação de grupos musicais. Em 2017, a instituição ganhou um título de instituição cultural autossuficiente, que produz sua própria matéria prima.
Este é o sonho que move Fernanda Pagani, 25 anos. Desde que se formou em Engenharia de produção, tem se dedicado à profissionalização na música. Fernanda lembra bem de quando acompanhava o seu pai escutando choro nos programas de rádio, aos domingos. Ela reconhece que não dava tanta bola na época, mas com o passar dos anos, tomou gosto.
Aluna de pandeiro na Escola de Choro Raphael Rabello há um ano, Fernanda reconhece que a instituição contribui na sua formação cultural por ser um local que prioriza qualidade e diversidade de pessoas. “É um ambiente muito rico de contato, de conhecimento e de qualidade”, elogia.
Além da rotina na Escola de Choro, estuda percussão popular na Escola de Música de Brasília e toca na orquestra de percussão de cultura popular brasiliense. Ela ainda comanda a marca Agna Agbês, produzindo por encomenda agbê, instrumento de percussão de origem africana. A “troca” com outros artistas é sua maior motivação. Na lista de referências, a professora Jéssica Carvalho.
“O que me move é viver a música, estar no ambiente musical, conhecer gente nova, gente que eu admiro muito e é uma grande inspiração para mim”, revela.
Fernanda Pagani, 25 anos/ Acervo pessoal
Ô abre alas!
Além de professora, Jéssica Carvalho também foi aluna da instituição. Ela considera a escola essencial na sua formação como uma “chorona”. “Foi lá que eu aprendi tudo que eu sei de choro. Eu conheci pessoas, tive oportunidade de ter aulas, oficinas, assistir shows e ter contato próximo com personagens muito importantes na cena do choro, como Fernando César, Yamandu, Márcio Marinho e Léo Benon”, reconhece.
O encantamento de Jéssica por música começou em um intercâmbio na Alemanha, em 2015. Enquanto estudava geologia, conheceu pessoas que despertaram o seu interesse pelo meio musical. De volta ao Brasil, Jéssica conheceu o Mestre Zé do Pife, pifeiro pernambucano com mais de 65 anos de carreira.
Com ele teve o seu primeiro contato direto com música: aprendeu a tocar zabumba, triângulo, pífano e cantar músicas do forró. Em seguida, entrou no coletivo cultural Comboio Percussivo e passou a se dedicar exclusivamente à música.
A paixão por choro surgiu de uma forma curiosa em 2017. “Eu estava com meus amigos no Festival COMA e a gente viu que ia ter uma programação do Clube do Choro, que era ali no complexo. Aí eu fui lá assistir com o pessoal e fiquei abismada porque eu nunca tinha ouvido falar de choro”, lembra. Não demorou muito para que ela conhecesse mais sobre o ritmo e se tornasse aluna na Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. “Aquele lugar é um paraíso, um reduto de paz”, declara a professora.
Ela conta que quando chegou à escola, em 2021, só tinha uma professora mulher. Lembra da visita da cantora Sheila Barros à instituição: “eu fiquei – Uau, que lugar incrível que ela tá ocupando ali – Eu me senti representada e senti que era capaz de chegar naquele lugar também”, relembra. A experiência a motivou na criação do grupo feminino O choro delas.
A professora observa o crescimento da participação feminina no choro. “A gente consegue ver mais mulheres nas rodas. Rodas de mulheres feitas por mulheres geralmente são mais acolhedoras. São ambientes mais confortáveis pra gente”, explica.
Ex-aluna da Escola de Choro, a percussionista Larissa Umaytá também comemora a mudança no cenário. “A questão que mais me chama atenção são as mulheres dentro do mercado. Ter a oportunidade de contratar uma mulher, pagar pra essa mulher tocar, pra ela desenvolver ali a sua arte, pra ela fazer sua música”, ressalta.
Larissa conta que seu contato com a percussão começou bem cedo. Já aos 15 anos ela participou do seu primeiro grupo, e não demorou muito para que começasse a receber pelas suas apresentações. Porém, buscava realizar objetivos maiores. “Me surgia uma vontade muito grande de estudar para poder alcançar lugares que meus parceiros alcançaram na época, que era gravar no estúdio, acompanhar grandes artistas que vinham de fora pra Brasília, tocar em grandes palcos”.
A Escola Raphael Rabello e o Clube de Choro de Brasília permitiram que Larissa conhecesse ídolos que hoje pode chamar de amigos.
Herança de família
O interesse cultural da percussionista é herança de família. Neta de Teodoro Freire, pioneiro da cultura popular maranhense na capital federal, esteve inserida desde a infância no universo Bumba meu boi e do Maracatu. Acompanhou, por anos, a carreira do pai que tocava samba e pagode na noite brasiliense.
Para Henrique Neto, o Brasil não tem uma cultura de educação musical forte. Por isso, o acesso depende muito do berço. Com ele não foi diferente. O amor pelo choro é legado do pai. O compositor e produtor cultural, Henrique Lima Santos Filho. Mais conhecido como Reco do Bandolim, foi o fundador da escola e atual diretor do Clube de Choro de Brasília. “Se não fosse meu pai, é muito pouco provável que eu estaria tocando choro. As famílias têm um papel fundamental”, explica
Henrique é violonista e integrante do grupo Choro Livre. Escreveu, juntamente com o bandolinista e compositor Dudu Maia, o primeiro Manual do Choro publicado no Brasil. Emocionado, relata uma cena na praça da cidade que morou durante a infância. “ A galera abriu o livro da escola e começou a tocar cavaquinho. Eu falei ‘meu deus, isso realmente está chegando nas pessoas’.
Como atual diretor da escola, relembra os desafios e orgulha-se do trabalho começado pelo pai na capital.
Assista à entrevista completa:
Espaço Cultural
Com sede no Eixo Monumental, em Brasília, a instituição foi fundada em 1998 por Henrique Lima Santos Filho, mais conhecido como Reco do Bandolim. O espaço ganhou um projeto de Oscar Niemeyer, em 2011, que também abriga o Clube de Choro da capital.
O diretor conta que a maioria das crianças e jovens que chegam até o local não conhecem o choro, apenas se interessam em aprender um instrumento e se surpreendem com o estilo musical. “A gente tem uma filosofia de muita abertura, porque entendemos que o choro precisa continuar. Não vamos ficar tocando só as músicas de mil oitocentos e cinquenta. A gente vai tocar essa música de uma maneira nova, da maneira do mundo de hoje. A única maneira de sobreviver é se adaptar”, defende.
Por Brenna Farias e Débora Sabino